Fronteiras éticas na busca da verdade

(Crónica da edição de 12 de Agosto de 2012)

A deontologia jornalística não é uma ciência exacta. Por trás de uma decisão editorial controversa esconde-se frequentemente um conflito entre valores contraditórios, para o qual as normas da ética profissional não são uma bússola à prova de erro. Ponderar os valores em confronto numa situação desse tipo e decidir quais devem prevalecer é a prova mais difícil a que estão sujeitos os responsáveis de um órgão de comunicação. É na história dessas escolhas que principalmente se funda a reputação de um jornal de qualidade e referência.

Tendo esta realidade bem presente, devo começar por reconhecer que não tenho uma resposta segura para a questão que hoje me ocupa: a avaliação da crítica veemente de um leitor à publicação da reportagem intitulada “Ninguém fechou Emanuel em casa, mas há 18 anos que o seu mundo está entre quatro paredes“, publicada no passado dia 22 de Julho na revista 2, que integra este diário aos domingos. Vejo nesse facto mais uma razão para analisar o caso, procurando alargar o debate que suscita.

Recorde-se o que se passou. Órgãos de informação menos escrupulosos lançaram a público, há pouco mais de um mês, a história de um cidadão de 38 anos que, segundo se lia nas notícias publicadas, não seria visto há quase duas décadas e poderia estar sequestrado na casa onde sempre vivera com a mãe, ou ter mesmo falecido há tempo indeterminado, permanecendo o seu corpo na referida habitação, como se especulou em peças jornalísticas ajustadas às expectativas mórbidas do mercantilismo sensacionalista.

Passaram alguns dias — que foram dias de romaria de repórteres de texto e de imagem à porta do cidadão em causa, com intensa mediatização das suspeitas lançadas no espaço público e compreensível alarme entre os conterrâneos — até que uma diligência do Ministério Público permitiu concluir que o protagonista de tão dramática campanha desinformativa se encontrava vivo e que era por sua livre vontade que não se dava a ver fora de casa. Como a sua mãe explicara, desde o início, a quem lhe rondara a porta.

O PÚBLICO, que não participara na histeria especulativa sobre o caso, noticiou de forma sóbria, no dia seguinte, o resultado da intervenção judicial. E voltou ao tema duas semanas depois nas páginas da revista 2, num registo de reportagem investigativa, tendo por objectivo — nas palavras do director adjunto Nuno Pacheco — abordá-lo “de forma humana, o mais próximo possível do protagonista central da história”, para “devolver ao caso a dignidade que ele merecia, afastando-o do campo da subjectividade e da especulação”. Pretendia-se ainda, como explica a editora da revista Paula Barreiros, “fazer chegar ao leitor um retrato o mais fiel possível (…) de alguém que há quase vinte anos não é visto socialmente”, até por se julgar que “isso poderia ser útil para outras pessoas em situações semelhantes”.

Parece-me que essas intenções foram no essencial bem sucedidas, apesar de a autora da reportagem— a jornalista Sara Dias Oliveira — não ter conseguido, contrariamente à sua expectativa inicial e por indisponibilidade dos próprios, recolher os depoimentos de Emanuel Castro (assim se chama, como foi amplamente noticiado, o cidadão cujo estilo de vida alvoroçou jornais e televisões), bem como das suas mãe e irmã. Ouviu e citou, no entanto, entre muitas outras, várias pessoas próximas da família, incluindo um vizinho que mantém contacto directo com o cidadão que não gosta de sair de casa e afirma que este se mantém ligado ao mundo através da televisão, Internet, livros e jornais (“há muitos anos que não dispensa a leitura semanal do Expresso“).

Como poderá constatar quem tenha lido ou venha a ler essa reportagem da revista do PÚBLICO, o texto assinado por Sara Dias Oliveira é uma peça esclarecedora e equilibrada, que reconstitui de forma coerente, contextualizada e com abundância de pormenores a história de Emanuel Castro. Recolhe opiniões contrastadas sobre as causas e influências que explicarão uma situação invulgar que terá perturbado muitos leitores, e transcreve depoimentos de vários especialistas confrontados com o que neste caso possa pertencer ao foro psiquiátrico.

Apesar do seu mérito jornalístico, a reportagem foi vivamente criticada pelo leitor Fernando Azevedo, que começa por considerar uma manifestação de “ignorância” o facto de nela não se referir que “existe uma doença chamada agorafobia, cujos sintomas são exactamente os descritos para o caso referido”. A isto respondem os responsáveis editoriais do PÚBLICO (e eu concordo) que não caberia ao jornal avançar um diagnóstico, que poderia ter sido sugerido, e não foi, pelos especialistas ouvidos.

Não é esse, no entanto, o ponto central da crítica do leitor, que se afirma “profundamente revoltado” pelo que viu como “uma falta de respeito pelos mais fundamentais direitos humanos da pessoa visada na peça”. Chocou-o o facto de não ter encontrado no texto da revista “a autorização expressa do Emanuel para que sejam revelados ao mundo os pormenores da sua história clínica”, e questiona com que direito se revelam essas informações sem o “consentimento” do próprio, para mais quando “existe ainda bastante preconceito e ignorância sobre as doenças psiquiátricas”. Classificando a reportagem como ” desumana”, pergunta “qual a justificação” para a sua publicação “num jornal de referência”.

As informações em causa, explica a autora do trabalho, foram sobretudo retiradas do processo judicial a que o caso deu lugar e confirmadas por pessoas próximas de Emanuel Castro. Salienta que foram utilizadas, “não para desrespeitar a [sua] privacidade, mas para esclarecer uma história que (…) tinha pontas soltas por explicar” e que agitara a “comunidade local”, onde “havia muita gente com a ideia de que a mãe o tinha fechado em casa”. Sara Dias Oliveira considera, aliás, que a disponibilidade de pessoas próximas da família para “transmitir dados mais pessoais” pode ser interpretada como “uma vontade de esclarecer” informações deturpadas que tinham vindo a público. E acrescenta que não lhe chegou, através dessas fontes, qualquer sinal “de que a família tivesse reagido negativamente à divulgação dos dados”.

A jornalista defende por isso que, apesar de não ter obtido uma autorização formal do protagonista do caso para divulgar elementos da sua vida pessoal, se justificou avançar com a sua publicação, num “trabalho sério” para “aprofundar o tema”, face à “relevância” de um caso “que estava a ser amplamente discutido, mas a que faltavam pormenores essenciais”.

Há aqui duas questões a discutir. A primeira é a de saber se o PÚBLICO deveria ou não ter noticiado e aprofundado esta história. A imprensa de qualidade é frequentemente confrontada com um problema clássico no que respeita à divulgação de informações que representam uma invasão indevida da vida privada, nomeadamente de figuras públicas. Se recusa fazê-lo, mas vê esses dados (verdadeiros ou falsos, não importa) serem lançados com estrondo no espaço público pelos media de vocação tablóide, passa a ter de escolher entre manter o silêncio inicial ou quebrá-lo face a uma mediatização que pode ela mesma, por vezes, conferir interesse público a um tema que à partida não o tinha.

Este é um terreno escorregadio, onde convirá evitar cedências fáceis, mas em que deverão prevalecer as noções de serviço público e de esclarecimento dos factos. Neste caso, julgo que o PÚBLICO fez bem em noticiar a diligência judicial que permitiu repor a verdade face a suspeitas de crime lançadas levianamente por outros órgãos de comunicação, que fez bem em querer aprofundar o tema (pelas razões invocadas pela jornalista e pelos responsáveis editoriais) e que o fez de forma séria e esclarecedora.

Resta saber se, para o conseguir, tinha o direito de revelar, sem autorização específica do próprio, dados da vida privada e da história clínica de um cidadão cujo nome e local de habitação são revelados. Não é por acaso que se lê no estatuto editorial do PÚBLICO que este jornal “reconhece como seu único limite o espaço privado dos cidadãos” e que as suas normas consideram “violação da privacidade” a “divulgação de factos da vida pessoal” e a “exploração de (…) dramas de natureza pessoal ou familiar”, e estabelecem como regra que “o direito à privacidade sobreleva o direito e o dever de informar”. Nem é por acaso que no Livro de Estilo do jornal se afirma que “a revelação do diagnóstico de saúde” de uma pessoa pertence “exclusivamente” a essa pessoa ou, “na sua impossibilidade”, aos “seus familiares”.

Estes são, de facto, valores fundamentais. É por isso que, mesmo reconhecendo a legitimidade de uma ponderação diversa do dilema ético aqui exposto, me inclino a concordar com a crítica do leitor Fernando Azevedo. A autorização para divulgar dados de natureza privada deveria ter sido pedida. A não ser obtida, a reportagem deveria ter sido reformulada ou, em alternativa, a sua publicação deveria aguardar por novas diligências junto de Emanuel Castro e da sua família. Mesmo sacrificando — é justo sublinhá-lo — um oportuno trabalho jornalístico e parte do resultado de uma procura esforçada da verdade.

José Queirós

 

 

Documentação complementar

 Carta do leitor Fernando Azevedo

(…) Sou leitor do Público desde o seu primeiro número e considero-o o melhor jornal de referência português. (…) Acontece que hoje, domingo 22 de Julho, li uma reportagem na  revista 2 que me deixou profundamente revoltado, principalmente pela falta de respeito pelos mais fundamentais direitos humanos da pessoa visada na peça, mas também pela ignorância exibida na mesma.
Falo da reportagem com o título “Ninguém fechou Emanuel em casa, mas há 18 anos que o seu mundo está entre quatro paredes”, da autoria  de Sara Dias Oliveira. Começando pela parte da ignorância, não é referido em nenhum local  da peça que existe uma doença chamada agorafobia, cujos sintomas são exactamente os descritos para o caso referido – o que é de admirar, uma vez que até um médico psiquiatra é entrevistado. É preciso referir que esta doença não é assim tão rara e que nos seus casa extremos levaprecisamente a pessoa a fechar-se em casa.
Quanto à parte que mais me chocou: não encontro em nenhum local a autorização expressa do Emanuel para que sejam revelados ao mundo os pormenores da sua história clínica. Numa época em que infelizmente existe ainda bastante preconceito e ignorância (como a própria peça mostra)sobre as doenças psiquiátricas, haverá o direito de revelar todos os pormenores da doença duma pessoa sem o seu consentimento?! Quando até se condena, e bem, a divulgação do nome de pessoas condenadas por crimes (estou a lembrar-me da questão polémica da divulgação de listas de pedófilos), qual o direito de divulgar sem autorização a doença psiquiátrica de uma pessoa?
E não me digam que o facto de o [primo] ter apresentado queixa na polícia justifica a reportagem. Uma vez que o assunto foi esclarecidmo — não há nada de criminoso, mas sim uma doença psiquiátrica —, qual a justificação para esta vergonhosa e desumana reportagem num jornal de  referência como o Público?
Será que a srª Sara Dias Oliveira gostava de ver uma reportagem sobre o seu historial clínico mais intimo publicada numa revista de domingo sem a sua autorização? Sinceramente…,não esperava este comportamento do Público. E como é possível que os editores, revisores, directores, pessoas entevistadas, incluindo o médico, não tenham visto o atentado aos direitos mais fundamentais que estava a ser cometido?!
Fico por aqui, mas julgo ter dado a perceber a revolta que esta peça me provocou (…).
22 de Julho de 2012
J. Fernando Azevedo

 

Perguntas aos responsáveis editoriais do PÚBLICO

(…) Venho perguntar se (…) estão disponíveis para responder às críticas do leitor e para fornecerem qualquer esclarecimento suplementar que julguem útil sobre este trabalho jornalístico.
Pergunto ainda se foi tomada alguma iniciativa (e com que resultado) com vista a ouvir os principais protagonistas da reportagem (Emanuel Castro e a sua mãe) e se foram feitas diligências (e quais) para obter o seu consentimento para a divulgação dos detalhes das suas vidas privadas que são relatados no texto.
J.Q.

 

Resposta da editora da revista 2 Paula Barreiros 

A revista 2 decidiu aprofundar um trabalho sobre o caso de Emanuel Castro após uma primeira notícia sobre o mesmo publicada na edição de 4 de Julho de 2012, no caderno principal do PÚBLICO. Ao fazê-lo foi sempre nossa convicção de que conseguiríamos conversar com o próprio e com as pessoas que lhe são mais próximas, a mãe, Dulce Vidal Castro, e a irmã. No entanto, tal acabou por não ser possível por total indisponibilidade dos mesmos. Decidimos, contudo, avançar com o nosso trabalho, sempre com o objectivo de fazer chegar ao leitor um retrato o mais fiel possível à realidade de alguém que há quase vinte anos não é visto socialmente na cidade onde habita e na comunidade, que é a sua,  onde é recordado. Pensámos inclusive que isso poderia ser útil para outras pessoas em situações semelhantes.
O caso, por intervenção de um familiar, já tinha chegado à Segurança Social e ao Ministério Público em 1995. Foi retomado, por denúncia do mesmo familiar, em Julho deste ano. A jornalista começou por consultar esse processo, disponibilizado pelo Tribunal da Feira para consulta à comunicação social (este caso já tinha merecido a atenção de outros órgãos de comunicação social). A jornalista consultou também amigos antigos de Emanuel cuja memória poderia ajudar a compreender o seu desfasamento com a comunidade; responsáveis da Junta de Freguesia de Santa Maria da Feira que há muitos anos tinham conhecimento do caso; familiares; vizinhos; um psiquiatra e um psicólogo (especialistas que poderiam enquadrar e contextualizar o quadro clínico).
Quanto à atribuição de uma doença ao quadro clínico de Emanuel (diz o leitor que “não é referido em nenhum local da peça que existe uma doença chamada agorafobia, cujos sintomas são exactamente os descritos para o caso referido — o que é de admirar uma vez que até um médico psiquiatra é entrevistado. É preciso referir que esta doença não é assim tão rara e que nos seus casos extremos leva precisamente à pessoa fechar-se em casa”),  não nos cabe fazê-lo, mas sim citar os especialistas ouvidos.
3 de Agosto de 2012
Maria Paula Barreiros

 

Resposta do director adjunto Nuno Pacheco

Nos nossos objectivos estava tratar o caso (que a imprensa tinha transformado numa curiosidade quase mórbida) de forma humana, o mais próximo possível do protagonista central da história e das pessoas que lhe eram familiarmente chegadas. Queríamos, portanto, devolver ao caso a dignidade que ele merecia, afastando-o do campo da subjectividade e da especulação. Quanto à doença que o leitor invoca, não seria ao PÚBLICO que caberia apontá-la ao Emanuel Castro mas sim a qualquer um dos especialistas ouvidos. E nenhum deles o fez. Portanto, não deveríamos ser nós a fazê-lo de forma abusiva.
3 de Agosto de 2012 
Nuno Pacheco

 

Perguntas à autora da reportagem, Sara Dias Oliveira

1) Por que é que foi tomada a iniciativa de fazer esta reportagem e que diligências prévias foram efectuadas?
2) [Tendo] a intenção de ouvir, para este trabalho, o próprio Emanuel Castro e as pessoas que lhe serão mais próximas (mãe, irmã), é possível explicar o que se passou ao certo para que tal intenção não se concretizasse?
3) Não tendo sido possível ouvir esses protagonistas, decidiu avançar, ainda assim, com a reportagem. É possível explicar porquê? Essa decisão foi debatida e partilhada com os responsáveis editoriais?
4) Na sua reportagem são ouvidas outras pessoas próximas, mas não tão próximas, do principal protagonista, como um vizinho e um tio. Tem razões para considerar que as declarações deles representam o ponto de vista de Emanuel Castro e das suas familiares mais directas? E que a disponibilidade dessas fontes (vizinho, tio) pode ser interpretada como uma abertura do próprio e da família para que fornecessem informações sobre a sua vida pessoal (…)?
5) Foi pedida alguma informação ou comentário ao médico psiquiatra que acompanha Emanuel Castro? Com que resultado?
6) Não tendo chegado à fala com o próprio nem com as familiares mais directas, não considerou necessário pedir a autorização, nomeadamente do próprio Emanuel Castro, para divulgar os abundantes pormenores que a reportagem inclui, relacionados com a sua vida privada e a sua história clínica? Porquê?
7) Tem ou pode obter alguma reacção à reportagem que permita concluir que Emanuel Castro e/ou as pessoas que com ele contactam consideram que a divulgação dos pormenores referidos se terá justificado, face à natureza do trabalho que foi publicado?
J.Q.

 

Resposta da jornalista Sara Dias Oliveira

O caso do Emanuel, que não era visto no seu bairro há 18 anos, foi amplamente mediatizado a partir do momento em que o primo da mãe de Emanuel contactou o JN para contar a situação. A partir da notícia do JN, o primeiro órgão de comunicação social a abordar o assunto, o caso foi tratado pelos media nacionais. Nessa altura, o Público aguardou pela anunciada prova de vida que iria ser feita pelo Ministério Público. Ou seja, o caso deu entrada na justiça pela mão do primo da mãe de Emanuel, que pedia a intervenção judicial com o argumento de que o rapaz poderia estar morto e que a mãe o poderia ter guardado numa arca frigorífica em casa. A primeira notícia que o Público publicou sobre o assunto, foi contando, ao de leve, a história de Emanuel, incindindo na parte em que o Ministério Público fez a prova de vida e confirmava que Emanuel estava vivo. Nesse dia, não foi possível apurar o que Emanuel teria dito.
Na altura em que as notícias foram saindo, houve inclusivamente programas televisivos que abordaram o caso, a ideia que sobressaía localmente era de que a mãe o tinha fechado em casa, desconhecendo-se em que condições. Este assunto despertou na comunidade local, havia gente que se lembrava de Emanuel, e a história ganhou nova força.
O Público entendeu que o tema merecia uma abordagem mais profunda e pormenorizada, num trabalho sério – não quero com isto dizer que os outros trabalhos não o eram, mas havia coisas por explicar. Decidimos, então, aprofundar o tema.
Decidimos então contactar pessoas próximas. Falámos com uma das poucas pessoas que fala com Emanuel, o professor Espassandim, figura bastante respeitada na cidade. Para a nossa peça e para lhe pedirmos que transmitisse ao Emanuel que gostaríamos de falar com ele. O professor Espassandim disse que o faria, que lhe iria explicar o que pretendíamos. Três dias depois, ligámos e o professor Espassandim informou que não iria fazer essa proposta ao Emanuel, com receio de que ele ficasse perturbado por haver uma jornalista que queria falar com ele. Compreendemos a situação, respeitámos a sua decisão e não insistimos.
A mãe do Emanuel falou para os media no início do caso, depois remeteu-se ao silêncio. Na primeira peça, eu bati à porta de sua casa, ela atendeu e depois de me identificar, pediu-me para ir embora e que já tinha prestado todos os depoimentos. Nunca mais falou com jornalistas.
Na consulta do processo, no Tribunal da Feira, verificámos que há um pedido da irmã de Emanuel destinado aos jornalistas. Nesse documento, pedia que o seu nome não fosse nunca referido em qualquer peça jornalística e que não fosse divulgada a medicação que Emanuel estava a tomar. Respeitámos a sua vontade, as condições que pediu. Os restantes elementos constantes no processo judicial foram usados, não para desrespeitar a privacidade de Emanuel, mas para esclarecer uma história que, na nossa opinião, tinha pontas soltas por explicar. Na comunidade local, recordo, havia muita gente com a ideia de que a mãe o tinha fechado em casa. Os dados usados jornalisticamente foram utilizados nessa perspectiva, ou seja, de informar, de juntar peças que estavam soltas para contar a história de um jovem que não é visto no seu bairro há 18 anos.
Apesar das diligências feitas e de não termos acesso à família mais próxima, o tema parecia-nos relevante jornalisticamente. Continuámos o trabalho, os responsáveis editoriais consideravam que havia matéria para fazermos a peça. Falámos com duas pessoas próximas, o tio de Emanuel e o primo da sua mãe, mais os amigos que conviveram durante anos com ele. Das histórias que nos iam contando, os dados do processo acabaram por ser confirmados pelas coisas que se iam recordando. Durante esse tempo, e foram duas semanas, deixámos sempre bem claro de que era nossa intenção fazermos um trabalho sério e nunca foi colocado qualquer entrave à divulgação dos dados que eram revelados. Todos deram o nome, excepto um vizinho que pediu anonimato. E quem acedeu a contar-nos as suas histórias com o Emanuel, fê-lo sem restrições. Lembro que antes da peça da Revista 2, muitas notícias foram publicadas e, pelo conhecimento que temos, a família mais próxima de Emanuel não terá intentado qualquer acção contra os media – isto pelo que sei…
A disponibilidade das pessoas mais próximas de Emanuel em transmitir dados mais pessoais pode, de certa maneira, ser interpretada como uma vontade de esclarecer uma história que andava nos jornais e nas televisões. E, insisto, muitos dos dados do processo foram confirmados pelos nossos entrevistados. Falamos com a psiquiatra que, neste momento, acompanha o Emanuel e que se recusou a prestar declarações sobre o assunto.
Tentámos, como disse, ouvir o Emanuel, mas percebemos que isso seria impossível. Respeitámos a vontade da sua mãe e irmã de não quererem prestar declarações – e no pedido da irmã, constante no processo, não se pede a não divulgação dos dados lá referidos, apenas que nunca se mencionasse o seu nome e a medicação de Emanuel.
Tínhamos duas hipóteses: ou deixar cair o trabalho ou prosseguir. Optámos pela segunda, pelo interesse na matéria, pela relevância do assunto, para aprofundar um tema que estava a ser amplamente discutido, mas a que faltavam pormenores essenciais. A divulgação dos dados foi sempre nessa perspectiva, de tentarmos refazer a vida de Emanuel para contarmos a sua história. Depois da peça, e já estive com várias pessoas que entrevistei, até hoje, nunca me foi comunicado de que a família tivesse reagido negativamente à divulgação dos dados.
8 de Agosto de 2012
Sara Dias Oliveira

 

 

 

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