(Crónica da edição de 27 de Maio de 2012)
Disse aos leitores, na minha última crónica, que iria procurar obter as informações indispensáveis para poder pronunciar-me sobre as dúvidas suscitadas pelo caso de que tomaram conhecimento no passado dia 19, quando leram nestas páginas uma nota da direcção editorial do PÚBLICO, acusando o ministro Miguel Relvas de ter pressionado o jornal de forma “inaceitável” na tarde do dia 16, para tentar evitar a publicação de uma notícia. A nota atribuía expressamente ao ministro ameaças de um blackout noticioso do Governo contra o jornal e de divulgação na Internet de “detalhes da vida privada” da jornalista Maria José Oliveira, que naquele dia o questionara, por escrito, sobre contradições detectadas nas declarações que prestara, na véspera, a uma comissão parlamentar.
Dispenso-me de recordar aqui tudo o que entretanto se foi conhecendo publicamente sobre este episódio. No essencial, o encadeamento dos factos está resumido no “Esclarecimento aos leitores sobre o caso Relvas”, assinado pela direcção do PÚBLICO no jornal de anteontem, 25, e disponível na edição on line. Por outro lado, os desenvolvimentos do chamado “caso das secretas” — em que se insere a investigação sobre as relações entre Miguel Relvas e o ex-dirigente da espionagem Silva Carvalho, acusado de vários crimes — têm sido abundantemente noticiados.
Usarei antes este espaço limitado (ainda que hoje generosamente ampliado), para o que lhe é próprio: analisar o comportamento do PÚBLICO no plano profissional e ético, à luz da relação de confiança entre o jornal e os seus leitores e da desejável transparência de procedimentos e decisões editoriais. Fá-lo-ei com base em documentação que pude consultar e nas respostas que obtive às questões que coloquei à directora do jornal, Bárbara Reis, à editora de Política, Leonete Botelho, e à jornalista Maria José Oliveira. São elementos de informação importantes, que podem ser consultados mais adiante.
Antes, convirá recordar que são abertamente contraditórias as descrições feitas por Miguel Relvas e Leonete Botelho acerca do conteúdo das conversas telefónicas que, por iniciativa do primeiro, mantiveram no dia 16. A editora reafirma que foram proferidas, em duas chamadas distintas, as ameaças que o jornal denunciou; o ministro nega tê-las feito. Não esperem os leitores encontrar aqui uma verdade apurada de acordo com inequívocas provas materiais, que, ao que tudo indica, não existirão.
Não me furtarei, contudo, a um juízo de verosimilhança. Não considero crível que as ameaças denunciadas possam ter sido inventadas pelo PÚBLICO, e a consistência das explicações que recebi reforça essa convicção. Não se vislumbra que motivo ou interesse pudessem conduzir a tamanho atentado à ética profissional, que pressuporia o envolvimento de um conjunto de jornalistas respeitados numa conspiração inimaginável em que estariam a enganar consciente e deliberadamente os seus leitores. No essencial, o balanço da história do jornal é o maior argumento contra essa hipótese mirabolante, e a reputação profissional da editora que escutou as frases agressivas de Relvas desautoriza qualquer suspeita desse tipo. Acresce que, como resulta das suas explicações, tanto Leonete Botelho como a direcção do jornal só a contragosto terão confirmado as “pressões” noticiadas, quando estas eram já do conhecimento público, a partir da divulgação no exterior de um comunicado do conselho de redacção do jornal.
Não posso dizer o mesmo da credibilidade do ministro envolvido neste caso, que nos últimos dias fez várias declarações contraditórias no âmbito das averiguações sobre o escândalo das secretas — era esse, aliás, o objecto das questões que o PÚBLICO lhe dirigiu — e foi introduzindo adaptações e inflexões no seu discurso de negação das ameaças ao jornal e à jornalista, em contraste com a consistência inalterada da narração dos factos que o comprometem. Aquilo que já reconheceu que fez, e que o terá levado a pedir desculpas cujo conteúdo ainda não é totalmente claro, indicia um interesse empenhado em travar as notícias sobre o seu relacionamento com o ex-espião acusado pelo Ministério Público.
É, pois, no pressuposto de que o PÚBLICO não enganou os seus leitores sobre os telefonemas de Relvas que irei procurar responder às questões que têm sido suscitadas pelo comportamento do jornal neste caso. Que julgo serem, principalmente, as quatro que se seguem.
1ª) A direcção do PÚBLICO agiu bem ao denunciar as “pressões” de que acusa o ministro? – Sim. Compreendo e apoio a posição genérica anunciada, de não divulgar as vulgares e inevitáveis pressões, políticas ou outras, mais ou menos fortes, que fazem o quotidiano das relações entre os poderes e a imprensa independente. O que se espera dos responsáveis editoriais é que ignorem essas pressões e lhes resistam, que façam o seu trabalho em vez de se vitimizarem com as dificuldades que enfrentam. Mas este não é um caso desse tipo. O que foi relatado são ameaças muito graves à liberdade de informar e aos direitos individuais, são intenções anunciadas de práticas de abuso de poder, de chantagem e devassa da vida privada. Denunciá-las é um dever dos jornalistas, em nome do interesse público, da verdade e do escrutínio dos actos e do carácter de quem desempenha cargos públicos de relevo e toma decisões que afectam toda a comunidade.
2ª) A direcção do PÚBLICO agiu mal ao adiar essa denúncia até ao momento em que os factos foram publicamente conhecidos? – Provavelmente. Compreendo que tenha ponderado implicações legais, dificuldades de prova, eventuais riscos para a credibilidade do jornal. Que tenha pesado os prós e os contras de quebrar uma tradição de não divulgar intimidações. Que tenha, até, subavaliado inicialmente o que acontecera. Em contrapartida, os seus leitores deveriam ter sido os primeiros a conhecer os factos que acabou por revelar. Ter-se-iam poupado equívocos e eventuais danos à imagem do jornal.
3ª) A jornalista Maria José Oliveira agiu bem ao confrontar o ministro com as incongruências detectadas nas suas explicações aos deputados?- Sem dúvida. As perguntas que lhe dirigiu são legítimas e totalmente pertinentes. Fez o que se espera de uma profissional atenta e competente. As explicações que pediu a Miguel Relvas são as que o ministro deve ao Parlamento e ao país. O contraste entre o que este disse aos deputados e o que afirmou antes e depois tem sido evidenciado nos noticiários televisivos.
4ª) A direcção do PÚBLICO agiu mal ao não publicar, na edição de dia 17, e durante mais de uma semana, a notícia redigida por Maria José Oliveira? – É discutível. Sendo perfeitamente legítima, essa decisão resultou, como já foi explicado, da apreciação convergente dos editores que analisaram o texto e não viram nele “informação nova”. É perfeitamente normal, e geralmente aconselhável, que a publicação de uma notícia relevante possa ser adiada para ser completada, enriquecida ou mais bem verificada. Terá sido o que aconteceu, e a editora Leonete Botelho assegura que o PÚBLICO não desistirá de investigar este caso. A favor da publicação desse texto na edição do dia 17 poderiam, no entanto, ter prevalecido critérios de actualidade e clareza informativa. Sem conter de facto informação nova (para além da terminante recusa do ministro em dar os esclarecimentos pedidos), essa peça, só anteontem dada a conhecer aos leitores, sublinhava com maior nitidez as incongruências nas declarações públicas de Relvas que aparentemente não tinham despertado na véspera a atenção dos deputados. É verdade que a notícia da mesma jornalista (na edição do dia 16) sobre a audição parlamentar permitia já aos leitores mais atentos compreender que algo não batia certo nas explicações dadas pelo ministro sobre o seu relacionamento com Silva Carvalho. Mas quantos deram por isso? De facto, foi a divulgação pública (mas ainda não nas páginas deste jornal) das perguntas de Maria José Oliveira, a que se seguiram as novas e duvidosas explicações a que Relvas se viu obrigado, que levou outros meios de comunicação a expor as incongruências do discurso ministerial.
Duas notas finais. A primeira para dizer que considero censurável o facto de, no “Esclarecimento” publicado anteontem, a direcção do PÚBLICO ter escrito que Relvas dissera, nos seus polémicos telefonemas para o jornal, que “iria divulgar na Internet que a autora da notícia vive com um homem de um partido da oposição”. Trata-se, aliás, segundo garante a jornalista em causa, de “uma informação falsa”, com a qual o ministro pretendeu “descredibilizar” o seu trabalho, colando-o “a uma agenda ideológica”. Tendo decidido tornar pública essa inqualificável ameaça do governante, a direcção do jornal tinha a obrigação de explicar que se tratava de uma falsidade, o que não fez. Felizmente, o erro terá sido compreendido, e foi corrigido num novo “Esclarecimento”, ontem publicado. Devo acrescentar que Maria José Oliveira se queixa de que essa informação foi divulgada sem o seu acordo prévio, enquanto Bárbara Reis garante que esse acordo existiu, tendo sido “discutido numa reunião” em que ambas participaram, juntamente com outro membro da direcção, duas editoras e o advogado do jornal.
A segunda nota é para dar conta aos leitores que o gabinete de Miguel Relvas— numa comunicação que enviou à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, ainda antes de esta iniciar as averiguações sobre este caso, e que foi divulgada no site da RTP — cita por duas vezes, para criticar o trabalho jornalístico do PÚBLICO, pontos de vista que defendi neste espaço. Cita-os fora do contexto num caso, cita-os mal e abusivamente no outro.
Referindo-se ao facto de a primeira mensagem que recebeu de Maria José Oliveira no dia 16 (às 15h27) terminar com a referência de que aguardaria uma resposta “até às 16 horas” (este estabelecimento de prazos por parte de jornalistas é de facto uma prática censurável e infelizmente comum, que já aqui critiquei), o gabinete de Relvas adiantava o argumento que o ministro depois iria usar para dizer que foi ele o “pressionado”, citando nomeadamente o que aqui escrevi em Fevereiro a propósito de um caso totalmente diferente (“A referência à ‘pressão noticiosa’ é demasiadas vezes invocada para tentar justificar erros na verdade injustificáveis”). Não só as situações analisadas não são comparáveis (o que poderá comprovar-se consultando este blogue), como neste caso não houve lugar a erros noticiosos e era legítimo, por motivos óbvios de actualidade, solicitar — embora não nos termos em que foi feito — um esclarecimento em tempo breve.
Do que o ministro ou os seus assessores não deveriam ter-se lembrado era de afirmar que a peça sobre o caso das secretas assinada nestas páginas por Maria José Oliveira no passado dia 15 — à qual nada tenho a apontar no plano deontológico ou no da qualidade informativa — exemplifica “um estilo de ‘jornalismo interpretativo’ que tantas vezes tem sido alvo de reparos por parte do Provedor do Leitor do PÚBLICO”. Não consigo imaginar o que no gabinete do ministro se entende por “jornalismo interpretativo”, mas posso esclarecer o que entendo ser o papel da interpretação num jornal de referência. Trata-se de relacionar e contextualizar os factos, de os analisar e procurar explicá-los, de partir deles para procurar as respostas que tornem a informação clara, útil e completa. Não é outra a missão e a vocação do jornalismo de qualidade.
José Queirós
Documentação complementar
Perguntas à direcção editorial do PÚBLICO / Respostas da directora, Bárbara Reis
1) As pressões e ameaças que o ministro Relvas é acusado de ter feito no passado dia 16 tiveram como única interlocutora a editora da Política? Há mais algum elemento a confirmar o teor dessas pressões e ameaças?
2) Há algum precedente de ameaças semelhantes deste ou outro membro do actual e anteriores governos?
3) Podem explicar os motivos da posição anunciada na vossa nota de 19.05, que leva o jornal a “não reagir ou denunciar publicamente ameaças ou pressões”?
4) Trata-se de uma regra geral, a ser seguida sempre que não estejam em causa, como referiam nessa nota, “violações da lei”? Não admitem que em certos casos essa denúncia possa ser de interesse público, nomeadamente para o escrutínio do poder pelos cidadãos/leitores? Um caso como este não poderá enquadrar-se nessa categoria?
R – Considerámos a nossa resposta proporcional. Na sexta-feira [18.05] liguei ao ministro e disse-lhe que era inaceitável um ministro ligar a um jornalista a dizer as coisas que dissera. O ministro respondeu que nunca dissera que “ia pôr no Facebook”, mas “apenas que “era isso que [Maria José Oliveira] merecia” que fosse feito. No fim, disse que iria pedir desculpa à Leonete Botelho pois tinha “humildade suficiente para isso”. O que fez logo a seguir. Não havendo justificação para agir legalmente, nem querendo nós, direcção do jornal, transformar o telefonema num caso público, considerámos o nosso telefonema de protesto formal adequado, preventivo e inibidor de acções futuras semelhantes.
5) A explicação dada, na nota de 19.05, de que foi o “debate entretanto gerado”, após o conhecimento público do caso, que levou a direcção a revelar o incidente aos seus leitores, deve ser entendida como significando que não viam interesse jornalístico nessa revelação? Ou que consideravam que ela poderia levantar problemas de credibilidade?
6) A opinião de que não terá havido violação da lei neste caso deve ser entendida de forma literal, ou significa que se considerou inútil, nas circunstâncias concretas deste caso, uma participação criminal?
7) As perguntas que Maria José Oliveira dirigiu no dia 16 ao ministro Relvas, visando esclarecer aspectos controversos das suas declarações no Parlamento (e a que este não respondeu) parecem ter estado na origem do incidente das “pressões”. Segundo já explicaram, a notícia depois elaborada não continha “informação nova”, motivo por que não foi publicada. Como interpretam, face a essa ausência de informação nova, uma atitude tão agressiva como terá sido a do ministro?
8) Como respondem a alguns comentários feitos a este caso no espaço público, lançando a suspeita de que, com a não publicação dessa notícia, as pressões noticiadas teriam tido algum efeito?
9) O Público Online informou, na noite do dia 18, que o ministro apresentara desculpas à directora do jornal. No entanto, o seu gabinete desmentira categoricamente, pouco antes, as “supostas ameaças e pressões”. Deve entender-se esse pedido de desculpas como um reconhecimento de que tais ameaças de facto existiram? Em caso contrário, é possível saber-se de que pediu desculpas o ministro?
R(a) – Exactamente. Entendemos que, havendo uma expectativa legítima de que a conversa era privada, não deveríamos tornar público o que o ministro me dissera ao telefone, na sexta-feira [18.05], mas apenas o que eu dissera ao ministro. Uma vez desmentidos pelo ministro publicamente, considerámos legítimo revelar a última parte do telefonema do ministro, ou seja, que iria pedir desculpa à Leonete, e o subsequente telefonema que o ministro fez à editora de Política.
R (b) – Foi um pedido de desculpas genérico, sobre o telefonema que ocorrera quarta-feira [16.05].
10) Consideram pertinente alguma das críticas que o ministro faz às peças do PÚBLICO sobre o “caso das secretas” na “comunicação” que há dias dirigiu à ERC?
Novas perguntas à direcção editorial / Respostas de Bárbara Reis
Li o vosso texto “Esclarecimento aos leitores sobre o caso Relvas” [edição de 25.05], que levanta novas questões. Verifiquei que decidiram revelar o conteúdo da ameaça atribuída ao ministro, anteriormente descrita (nota de 19.05) como sendo a de “divulgar detalhes da vida privada da jornalista Maria José Oliveira”, ao escreverem que Relvas disse que “iria divulgar na internet que a autora da notícia vive com um homem de um partido da oposição”. Essa revelação suscita-me as seguintes novas questões:
a) Não consideram que, ao fazê-lo, estão a colaborar na devassa da vida privada de uma jornalista, que antes consideraram, enquanto intenção atribuída ao ministro, ser “inaceitável”?
R – Inaceitável é o telefonema como um todo (e não uma parte, esta ou aquela frase) e a tentativa de um ministro de pressionar e intimidar o jornal e sugerir que o nosso trabalho segue critérios políticas e não jornalísticos, e assim tentar descredibilizar a jornalista e o PÚBLICO. Na nossa avaliação, não se trata de um caso de “devassa da vida privada”, uma vez que a informação que o ministro disse que tornaria pública não é confidencial. A pessoa com quem vivemos é de carácter pessoal, mas não íntimo, sendo que não identificámos a pessoa com quem a jornalista vive nem o partido que o ministro referiu.
b) A informação e a sua divulgação tiveram o acordo da jornalista?
R- Com certeza. Foi discutido numa reunião esta quarta-feira [23.05], na qual estiveram o nosso advogado, Francisco Teixeira da Mota, o director adjunto Miguel Gaspar, a editora Leonete Botelho, a editora-interina do online Joana Gorjão Henriques, a jornalista Maria José Oliveira e eu própria. A direcção decidira que, a seguir à ida à ERC, chegara o momento de um esclarecimento aos leitores, no qual se respondesse às perguntas que estavam a gerar especulação: quais tinham sido as exactas frases ditas pelo ministro e qual era a notícia que não chegou a sair. A Maria José Oliveira foi informada que, na opinião da direcção e do advogado, não podíamos não ser transparentes e tínhamos que revelar os factos do caso – tal como fazemos em relação a todas as notícias. Que não tínhamos nada a esconder e não podíamos colocar-nos numa contrária a isso. A Maria José Oliveira perguntou se tínhamos intenção de mencionar o partido e eu disse que não via qualquer necessidade, que dizer “um homem de um partido da oposição” bastaria para pôr fim às inúmeras especulações que já corriam. A reunião evoluiu a seguir para outros pontos ainda pendentes, nos quais a Maria José participou e deu a sua opinião. A direcção ia à ERC no dia seguinte e, como é obvio, só podia dizer a verdade e responder com factos. Ficou acordado entre todos os presentes que eu não falaria sobre isso à saída, na conferência de imprensa, mas apenas no dia seguinte, no texto de esclarecimento aos leitores. Foi nosso entender que não nos devíamos pronunciar sobre os dados em si, isoladamente, e dizer se eram verdadeiros ou falsos, verosímeis ou não. Não nos cabia a nós pronunciarmo-nos sobre as frases do ministro. Apenas relatar os factos. Na sequência do nosso texto, foram escritas notícias noutros jornais que usam a palavra “político da oposição”, citando erradamente o nosso esclarecimento. Perante novas perguntas suscitadas, importa esclarecer que a frase do ministro é falsa, como aliás foi comunicado à Entidade Reguladora da Comunicação.
Perguntas à editora de Política / respostas de Leonete Botelho
1) É possível recordar, pelo menos aproximadamente, as frases utilizadas pelo ministro, que configuraram o que a direcção do jornal (nota da edição de 19.05) considerou uma pressão “inaceitável”?
R- Recordo-me bem: o ministro disse-me que lhe estavam a fazer perguntas pidescas, que se sentia perseguido pelo PÚBLICO, que iria fazer queixa à ERC, recorrer aos tribunais, dizer aos ministros todos para não falarem mais ao PÚBLICO e que iria pôr na internet que a Maria José Oliveira, autora das notícias, vivia com uma pessoa de um partido da oposição, que nomeou.
2) Foi também assim que entendeu, e é assim que qualifica, o conteúdo dessas frases do ministro? Considera útil referir qualquer outro elemento dessa conversa?
R- Considerei uma pressão inaceitável, sim, na medida em que ficou claro que o ministro pretendia, com aquelas ameaças, tentar impedir que continuássemos a fazer o nosso trabalho, que o visava, recorrendo mesmo a referências à vida privada da jornalista em causa.
3) É do seu conhecimento que essas ameaças tenham sido comunicadas a mais alguém na redacção, ou foi de facto a única interlocutora? É verdade que, depois de proferidas num primeiro telefonema, foram repetidas numa segunda chamada?
R- Tanto quanto sei, o conteúdo das ameaças em concreto só me foi transmitido a mim, por duas vezes, em dois telefonemas que ocorreram depois dos dois momentos em que foram enviadas perguntas ao seu gabinete.
4) Existe algum tipo de comprovação material do teor dessas conversas, ou algum elemento que reforce a credibilidade do que o jornal sobre elas revelou, tendo em conta que o gabinete do ministro desmentiu que tivessem sido feitas pressões ou ameaças?
R – As conversas ocorreram sem que eu as tivesse gravado, posto em alta voz ou colocado alguém em posição de ouvir. Pode ter havido quem as tenha presenciado, não posso garantir porque não sei. Mas sei que as reproduzi imediatamente a seguir à Maria José, que tinha visto que eu recebera um telefonema.
5) O primeiro telefonema do ministro surgiu como uma reacção às perguntas que lhe tinham sido dirigidas pela Maria José Oliveira? E o segundo, como uma insistência? Qual foi a ordem cronológica dos acontecimentos dessa quarta-feira, 17.05 (perguntas ao ministro, telefonemas deste, decisões editoriais)?
R – Sim, ocorreram na sequência do envio de perguntas, em dois momentos diferentes. Num primeiro momento, a Maria José tinha enviado para o online uma notícia onde destacava um aspecto da notícia publicada nesse dia no papel: o facto de a última viagem de Bush ao México publicada na Reuters datar de 2007. O que representava uma contradição com a afirmação do ministro de que só tinha conhecido Jorge Silva Carvalho em 2010, e só depois disso começara a receber os seus clippings. A informação já tinha sido publicada na edição impressa e não iria ser repetida, mas não tinha sido divulgada no online e foi isso que a Maria José decidiu fazer.
O editor da manhã do online, Victor Ferreira, devolveu-lhe a peça, solicitando que fizesse mais investigação e, acima de tudo, solicitasse ao gabinete do ministro uma resposta. De nada disto eu estava a par, porque aconteceu junto à hora do almoço e eu tinha saído. Seriam perto das 16 horas quando recebi o primeiro telefonema do ministro, nos termos descritos. Percebi que eram uma reacção a perguntas que lhe tinham sido feitas e, de imediato, questionei a Maria José e reproduzi-lhe o que me tinha sido dito.
Voltámos cada uma ao seu trabalho. Mais tarde, talvez uma meia hora, a MJO pediu-me que fosse com ela comunicar o sucedido à directora, o que fizemos juntas de imediato. Quando chegámos à sua secretária, vi pela primeira vez a notícia que estava no centro das atenções. Eram três ou quatro parágrafos, tinha um título encriptado e só perceptível por quem acompanhasse a história ao milímetro, e limitava-se a acrescentar que o ministro não comentava. A notícia estava a ser vista pela Bárbara, pela Isabel Salema e pela Joana Gorjão Henriques, todas com dúvidas. Sugeri então que a Maria José fizesse um levantamento das contradições do ministro e o voltasse a questionar sobre isso (já depois das pressões, portanto!). O jornal continuava à procura de matéria noticiosa nova.
Pelo meio dessa conversa comunicamos à Bárbara o telefonema do ministro, ao que ela reagiu como consta do esclarecimento hoje [25.05] publicado. A Maria José elaborou novo mail de perguntas e, quando recebeu a (não) resposta, acrescentou esse dado à peça. Eu li-a e confirmei que não havia matéria nova, nem um ângulo novo, nem sequer uma opinião de ninguém sobre as ditas incongruências. Para mim, não acrescentava absolutamente nada ao que tínhamos publicado nesse dia.
Depois de ter dado, ainda assim, o ok à peça que seria para o online (a cuja publicação não me opunha, apesar da falta de novidade), respondi às insistentes tentativas de contacto que o ministro já tinha feito entretanto. Podia ele querer fazer um pedido de desculpas ou dar alguma informação relevante. Mas não. Repetiu as mesmas pressões, ao que eu respondi que ele que fizesse o que quisesse, não nos assustava, mas que estava mal informado sobre a vida pessoal da Maria José. A Maria José perguntou-me depois se não ia publicar a notícia, ao que eu respondi que não, e ela insistiu perguntando se não tinha espaço, e eu repeti que não.
6) Há algum precedente de pressões, mais ou menos graves, deste ministro sobre a editoria pela qual é responsável? E de atitudes semelhantes da parte de actuais ou anteriores governantes?
R – Há precedentes de pressões, sim, muitos e variados ao longo dos anos, mas há uma barreira que nunca tinha sido ultrapassada comigo: a divugação de um dado pessoal, ainda por cima errado, com vista a lançar a dúvida sobre a isenção do trabalho de um jornalista.
7) Na sua opinião, o PÚBLICO deveria ter divulgado de imediato as pressões e ameaças que vieram a ser relatadas, em nota da direcção, na edição de sábado [19.05]? O que pensa da doutrina enunciada nessa nota, segundo a qual o jornal tem a “posição” de “não reagir ou denunciar publicamente ameaças ou pressões”? E da sua aplicação neste caso?
R – Concordo com a regra geral de que as pressões ou ameaças, até pelo conceito relativamente indeterminado que representam, não devem ser divulgadas sem antes serem consistentemente avaliadas. Caso contrário redundaria numa banalização da denúncia de pressões, de forma que deixariam de ser valorizados os casos realmente importantes. Neste caso em concreto, penso que a direcção procedeu bem em consultar um advogado, ter-se inteirado da situação junto dos intevenientes e reunido o órgão colegial para decidir. E procedeu bem ao confirmar a pressão. Essa é questão essencial. De resto, podemos todos ter opiniões diferentes sobre a rapidez da reflexão e dos procedimentos, e até ter opiniões diferentes sobre o que foi decidido divulgar e o seu momento.
8) De acordo com o que foi divulgado, a notícia para a elaboração da qual tinham sido dirigidas perguntas ao ministro não chegou a ser publicada, por não ter “informação nova”. Tendo-a lido, como editora, foi essa a avaliação que fez no plano do interesse jornalístico?
R – Na minha opinião, não tinha de facto nenhuma informação nova, ângulo novo ou qualquer valor acrescentado ao que tinha sido publicado na edição em papel nesse mesmo dia. Mas essa informação não tinha sido publicada no online, e não vi qualquer inconveniente em que o fosse.
9) Como responde a alguns comentários feitos a este caso no espaço público, lançando a suspeita de que, com a não publicação dessa notícia, as pressões noticiadas teriam tido algum efeito?
R- Digo apenas que não deixo de publicar uma notícia porque alguém me liga pressionando para que ela não seja publicada, mas também não publico o que antes não ia publicar só porque alguém pressiona para que ela não seja publicada. As pressões nunca são um critério de edição.
10) Considera que as alegadas incongruências ou contradições nas declarações que o ministro fez no Parlamento acerca do seu relacionamento com o ex-director do SIED, Silva Carvalho, justificam maior esforço investigativo?
R- Naturalmente que sim, era isso que estávamos a tentar. Naquele dia não conseguimos ir mais longe do que na véspera, mas nós somos um jornal diário, onde há sempre um amanhã. Infelizmente este processo acabou por atrasar as investigações que vimos fazendo há meses, e que, como é público, nunca visaram directamente o ministro.
11) Suponho que terá conhecimento da comunicação que o ministro enviou há dias à ERC, criticando várias peças do PÚBLICO sobre o “caso das secretas”. Enquanto editora, considera pertinente alguma dessas críticas?
R- Obviamente que não. O jornalismo que a Maria José estava a fazer era claro, rigoroso e imparcial. O PÚBLICO não é pé de microfone, procura factos novos e não se coíbe de os publicar quando os encontra. Divulgar o que conseguimos apurar com suficiente consistência é aquilo que os leitores esperam de nós e é isso que fazemos.
Perguntas a Maria José Oliveira / Respostas da jornalista
1) Quais eram as “incongruências” (cito o comunicado do CR) detectadas nas declarações que Relvas fez no Parlamento (por si relatadas na edição de quarta-feira, 16.05), que pretendia ver esclarecidas na notícia que se propôs elaborar nessa mesma quarta-feira e que não veio a ser publicada?
R – O texto sobre a audição de Miguel Relvas no Parlamento, publicado na edição impressa do dia 16, não revelava todas as incongruências das declarações proferidas na 1ª comissão. No primeiro email que enviei para o gabinete do ministro, questionei-o sobre a data em que recebeu a mensagem “George Bush visita o México. Fonte:Reuters”, uma vez que pesquisei no site da Reuters e a última notícia com este título datava de 2007. Desde então não existia mais nenhum “take” sobre uma viagem de Bush ao México, mesmo informal.
A incongruência consistia no facto de Miguel Relvas ter dito que apagara todos os emails de Silva Carvalho, lembrando-se, porém, cerca de uma hora depois do início da audição, de que a primeira notícia da resenha de imprensa que recebia diariamente era sobre a viagem de Bush ao México. Ao mesmo tempo, insistia que só conhecera Silva Carvalho quando era secretário-geral do PSD, ou seja, entre Março de 2010 e Junho de 2011.
Neste primeiro email, com apenas uma pergunta, pedi uma resposta célere (enviei às 15h27 e pedi para me responderem até às 16h00), uma vez que estava a escrever para o site do jornal e não para a edição impressa. Admito que deveria ter dado um prazo maior. No entanto, a resposta chegou perfeitamente a tempo: precisamente às 16h01 e foi incluída no texto que eu estava a escrever.
Num segundo email enumerei mais contradições e fiz mais perguntas. Isto porque a directora do jornal, considerando que o meu primeiro texto não era notícia, pediu-me para eu reunir mais incongruências detectadas na audição e questionar novamente o ministro. Aceitei a sugestão e enviei então, às 17h15, mais três perguntas: 1) “Afirmou na 1ª comissão que apagou os emails diários com um “clipping” de imprensa que lhe eram enviados por Jorge Silva Carvalho. No entanto, algum tempo depois, disse lembrar-se da primeira mensagem: “Lembro-me que a primeira era: “George Bush visita o México. Fonte: Reuters’”. Pode esclarecer se apagou ou não os emails?; 2)Disse ter conhecido Jorge Silva Carvalho quando era secretário-geral do PSD (entre Março de 2010 e Junho de 2011). A última notícia da Reuters sobre uma viagem de Bush ao México data de 2007 e desde então a agência noticiosa não tem mais “takes” sobre qualquer viagem do antigo presidente dos EUA ao México. Com explica o hiato e desde quando começou a receber o “clipping”? 3) Disse receber mais de dois mil sms por mês. Mas recordou ter recebido dois de Jorge Silva Carvalho com propostas de nomeações para os serviços de informação. Por que é que o ex-director do SIED lhe enviou sms com aquele conteúdo e em que data?”.
A resposta a este mail foi dada às 17h16: “Todos os esclarecimentos sobre este assunto foram oportunamente prestados em sede própria, ou seja, na 1ª Comissão Parlamentar. O Ministro-adjunto reafirma que só conheceu o Dr. Jorge Silva Carvalho quando era Secretário-Geral do PSD.”
2) Segundo a direcção do jornal, a notícia que redigiu nesse dia (e que não chegou a sair) não seria “matéria publicável”, por não ter “informação nova”. Essa avaliação, diz a direcção, foi partilhada por três editores. Qual é a sua própria opinião — e porquê — sobre o interesse e relevância jornalística da peça em questão?
R- Nessa tarde [16.05], como se pode depreender da resposta anterior, escrevi dois textos: o primeiro, mais pequeno, com a história da incongruência sobre a visita de Bush ao México e a resposta do gabinete do ministro; o segundo, um texto maior, com as perguntas do segundo email, as respostas do ministro e alguma contextualização sobre o caso. Este último texto era o definitivo e foi enviado para a editora Joana Gorjão Henriques às 18h51, depois de a mesma ter suscitado algumas dúvidas sobre a palavra “incongruências” e a ausência de contexto. A minha editora, que leu este texto, aprovou a sua publicação no site, explicando-me que não tinha espaço na edição impressa para publicar o follow up da audição do ministro.
Fiquei a aguardar que o texto fosse publicado. Pouco depois das 19h00, a directora ligou-me dizendo que o ministro lhe tinha telefonado e que lhe garantira que a história do Bush era “um exemplo”. Perguntei por que é que ele não me respondeu isso na resposta que me enviou por escrito. A directora disse-me que lhe fez a mesma pergunta e ainda se ele não queria falar comigo. Ele recusou. A directora pediu-me para ver o vídeo da audição, apontando que seria importante visionar o “tom” em que Miguel Relvas falou sobre a primeira notícia que recebeu de Silva Carvalho. Enviei-lhe o vídeo com a hora precisa em que o ministro relembra a primeira notícia que recebeu: 1:40:15.
Continuo a entender que a notícia tinha relevância: não só porque revelava incongruências prestadas durante duas horas e meia perante os deputados, como também era importante o facto de o ministro recusar esclarecer as suas próprias contradições, justificando que já tinha prestado todos os esclarecimentos “em sede própria”, no Parlamento.
Considero também significativo o facto de o ministro insistir, junto da directora, na história da viagem de Bush ao México, não abordando as restantes questões que lhe coloquei.
3) Considera que existiu alguma relação (como a que, segundo um texto assinado pela direcção na sexta-feira, 18.05, teria sido “insinuada” no comunicado do CR da mesma data) entre as pressões do ministro e a decisão de não publicação da notícia?
R – Entendo que o comunicado dos membros do Conselho de Redacção não “insinua” que as pressões do ministro influenciaram a decisão de não publicar a notícia. O comunicado relata os factos, depois de ouvidas todas as partes.
4) É possível conhecer o teor dessa peça não publicada?
R – Aqui está:
“Relvas não esclarece incongruências das suas declarações na AR
Maria José Oliveira
O ministro dos Assuntos Parlamentares recusou esta tarde esclarecer ao PÚBLICO algumas incongruências da sua audição na Comissão de Assuntos Constitucionais. E reafirmou que “só conheceu” Silva Carvalho quando era secretário-geral do PSD.
Na 1ª comissão parlamentar, onde foi ouvido a propósito das suas eventuais ligações com o ex-director da secreta externa, Miguel Relvas admitiu ter recebido de Jorge Silva Carvalho “emails” com “clippings” de notícias nacionais e internacionais.
O governante não esclareceu desde e até quando recebeu as mensagens electrónicas, embora tenha afirmado que conheceu Silva Carvalho quando era secretário-geral do PSD, entre Março de 2010 e Junho de 2011.
Na audição, Relvas afirmou ter apagado os emails com a resenha diária da imprensa nacional e internacional. Porém, algum tempo depois disse recordar-se da primeira mensagem: “Lembro-me que a primeira era ‘George Bush visita o México. Fonte: Reuters’”.
No site da Reuters, uma pesquisa sobre as viagens do ex-presidente norte-americano permite verificar que Bush visitou o México em 2001, 2002 (duas vezes), 2004, 2006 e, pela última vez, em 2007. No mesmo site da agência noticiosa, não há desde então mais notícias sobre eventuais visitas do ex-presidente dos EUA ao México.
O PÚBLICO perguntou ao ministro, por escrito, se apagou ou não as mensagens electrónicas, e ainda como explica o hiato entre a notícia da última visita de Bush ao México e o momento em que conheceu Jorge Silva Carvalho (entre 2010 e 2011).
O PÚBLICO questionou ainda Miguel Relvas por que razão Silva Carvalho lhe enviou sms com propostas de nomeações para os serviços secretos e qual a data destas mensagens. Ontem, no Parlamento, o ministro disse ter recebido “um ou dois sms” com aquele conteúdo, mas afirmou que “a realidade demonstra que essas alegadas influências não tiveram sequência”.
Às perguntas do PÚBLICO, o gabinete de Miguel Relvas respondeu: “Todos os esclarecimentos sobre este assunto foram oportunamente prestados em sede própria, ou seja, na 1ª Comissão Parlamentar. O Ministro-adjunto reafirma que só conheceu o Dr. Jorge Silva Carvalho quando era Secretário-Geral do PSD.”
Na passada semana, Miguel Relvas disse ao PÚBLICO, por escrito, não ter “ideia” de ter recebido de Silva Carvalho mensagens escritas, via telemóvel, e resenhas diárias de imprensa, notando que “disso não resultou interacção”. “
5) É possível recordar a ordem cronológica dos diversos acontecimentos ocorridos no dia 16.05, em que participou ou de que teve conhecimento (contactos seus com o gabinete do ministro, telefonemas deste para o jornal, decisões editoriais), desde o momento em que tomou a iniciativa de escrever sobre as tais incongruências até ao fecho do jornal?
R – Início da tarde: na edição impressa desse dia, escrevi, no texto sobre a audição de Miguel Relvas no Parlamento, que o ministro tinha recordado a primeira notícia do primeiro clipping de notícias que recebeu de Jorge Silva Carvalho: “Lembro-me que a primeira era: ‘George Bush visita o México. Fonte: Reuters”. Pesquisei na Reuters e verifiquei que a última notícia sobre uma visita de Bush ao México datava de 2007 e que, desde então, não existia mais nenhum take sobre o assunto. Isto revelava uma incongruência com as declarações prestadas pelo ministro, que, no início da audição, afirmara ter conhecido Silva Carvalho quando era secretário-geral do PSD, ou seja entre Março de 2010 e Junho de 2011. Falei com a minha editora sobre o assunto, dizendo-lhe que estava a pensar escrever um texto só sobre aquela incongruência para o online.
De seguida, perguntei ao Victor Ferreira, editor do online, se não poderia publicar o texto da edição impressa no site, uma vez que estava a pensar escrever um novo texto para o online apenas sobre a contradição relativa à notícia sobre o Bush. O editor respondeu-me que já existiam duas peças sobre a audição do ministro no site, mas que isso não invalidaria publicar um novo texto sobre a história do Bush.
Pouco depois das 15h00, enviei um pequeno texto para o última hora, para ser publicado no site. O Victor Ferreira chamou-me e sugeriu-me perguntar ao ministro se não quereria esclarecer aquela contradição. Aceitei de imediato e o Victor Ferreira disse que esperaria então pela resposta do ministro para publicar o texto.
15h27: enviei um mail ao ministro, que está agora apenso ao comunicado que o mesmo enviou para a ERC, com apenas uma pergunta, pedindo para que a resposta fosse dada até às 16h00, uma vez que iria publicar aquele texto no online.
Pouco depois de ter enviado a pergunta, a minha editora chamou-me para me comunicar que recebera um telefonema do ministro devido à questão que eu tinha enviado. Segundo a minha editora, o ministro ameaçara publicar na Internet dados da minha vida privada, iria fazer queixa contra mim na ERC e no MP e iria contactar todos os ministros para fazerem blackout ao PÚBLICO.
16h01: recebi a resposta do ministro, por escrito, dizendo que já prestara todos os esclarecimentos na Comissão de Assuntos Constitucionais, no dia anterior. Acrescentei a resposta ao texto que já tinha redigido e enviei novamente para o “última hora”.
Decidi então comunicar o teor do telefonema do ministro à directora. A minha editora acompanhou-me e confirmou as palavras do ministro. A directora considerou o teor do telefonema de Miguel Relvas irrelevante. E disse-me que o ministro já lhe tinha telefonado diversas vezes e que ela não tinha atendido. Nessa altura, a directora, juntamente com a editora-substituta do online, Joana Gorjão Henriques, estava a ler o texto que eu enviara para o última hora (Victor Ferreira já tinha saído). Apresentaram algumas dúvidas e a directora sugeriu-me que eu fizesse mais perguntas ao ministro, nomeadamente sobre outras contradições proferidas na audição e que não tinham sido questionadas pelos deputados.
17h15: enviei mais três perguntas ao ministro.
17h16: recebi, por escrito, do seu assessor, a mesma resposta do mail anterior, com o acrescento de que o ministro só conhecera Silva Carvalho quando era secretário-geral do PSD. Redigi um novo texto, elencando as perguntas e a resposta do gabinete do ministro. Enviei-o para a editora-substituta.
Pouco depois, a minha editora comunicou-me que conversara novamente com o ministro e que este não só reiterara as ameaças, como também me acusara de lhe estar a fazer uma “perseguição pidesca”.
Recebi um telefonema da editora-substituta com algumas dúvidas sobre o meu texto, nomeadamente se deveria ser escrita a palavra “incongruências”, e pedindo-me ainda para recordar, no último parágrafo, que o ministro tinha afirmado ao PÚBLICO, por escrito, na semana anterior, não “ter ideia” de ter recebido quaisquer emails ou sms de Jorge Silva Carvalho. Acrescentei o parágrafo e enviei.
Fiquei a aguardar a publicação no site.
Ao fim da tarde, a directora telefonou-me dizendo que tinha falado com o ministro e que este lhe garantira que a notícia sobre o Bush era “um exemplo”. Perguntei por que é que ele não me respondeu isso na resposta que me enviou por escrito. A directora disse-me que lhe fez a mesma pergunta e se ele não queria falar comigo. Ele recusou. A directora pediu-me para ver o vídeo da audição.
Enviei à directora o vídeo, notando o momento em que ele fala sobre o assunto (1h40:15). Como não consegui enviar o vídeo à Joana Gorjão Henriques, pedi-lhe para ela subir ao 3º piso para ouvir o ministro na audição. Ela ouviu e disse-me que subsistiam ainda algumas dúvidas sobre a publicação da notícia, pelo que iria enviar o texto para o Miguel Gaspar e ele decidiria.
Perto das 22h00, o Miguel Gaspar pediu-me para descer ao 2º piso. Disse-me que tinha falado com a minha editora (que aceitara a publicação no online, mas não no papel porque já não tinha espaço) e com a directora e que considerava que o texto era uma “não notícia”. Expliquei que era relevante o ministro não responder às contradições proferidas na comissão parlamentar e às perguntas que não tinham sido feitas pelos deputados.
O PÚBLICO estava a fazer um follow up da audição e a escrutinar as declarações do ministro. Disse-lhe ainda que se a notícia era inócua não se percebia o comportamento do ministro, que, por duas vezes, tinha feito ameaças intoleráveis. Miguel Gaspar disse-me que poderíamos voltar a escrever sobre o assunto, num trabalho mais alargado, chegando a sugerir um artigo de opinião, que eu recusei. Entendi que aquele follow up deveria ser feito no dia seguinte à audição, e adverti para o facto de a decisão de não publicar a notícia no online vir a ser interpretada como uma consequência dos telefonemas do ministro.
6) Pode resumir as questões que considera importante vir ainda a esclarecer no domínio das relações entre o ex-director do SIED, Silva Carvalho, e o ministro Relvas, no âmbito da investigação que tem vindo a fazer sobre o chamado “caso das secretas”?
R – Prefiro, por ora, não revelar mais dados sobre o assunto.
7) Na comunicação que enviou à ERC, e a que suponho que terá já tido acesso, o ministro queixa-se de que, no dia 18, lhe fez um “ultimato” para responder a uma pergunta no prazo de 32 minutos. Quer comentar essa queixa?
R – Remeto para a resposta à primeira pergunta.
8) Quer comentar outras críticas que Relvas faz nessa comunicação, nomeadamente quando cita frases soltas de várias notícias por si assinadas este mês sobre o “caso das secretas”, a que ele chama “jornalismo interpretativo”?
R – Essa exposição não merece qualquer comentário.
9) Consegue recordar, tal como lhe foram transmitidos, os termos em que terão sido formuladas ameaças contra si? São correctas as frases “(…) Relvas ameaçou (…) divulgar detalhes da vida privada da jornalista (…)” (nota da direcção) e “(…) Relvas terá dito que, se o jornal publicasse a notícia (…), divulgaria, na Internet, dados da vida privada da jornalista” (comunicado do CR)?
R – Aquilo que me foi comunicado, por duas vezes, pela minha editora, foi que o ministro ameaçou publicar na Internet dados da minha vida privada caso fosse publicada a notícia. Acrescentou ainda que iria fazer queixa contra mim na ERC e no MP e contactar todos os ministros para fazerem blackout ao PÚBLICO.
10) Como qualifica as ameaças que lhe foram transmitidas?
R – A ameaça de devassa de vida privada e a chantagem exercida sobre o jornal, tentando condicionar o meu trabalho, são inadmissíveis e constituem também atentados contra a liberdade de informação.
11) Na sua opinião, o PÚBLICO deveria ter divulgado de imediato as pressões e ameaças que vieram a ser relatadas, em nota da direcção, na edição de sábado [19.05]? O que pensa da doutrina enunciada nessa nota, segundo a qual o PÚBLICO tem a “posição” de “não reagir ou denunciar publicamente ameaças ou pressões”, excepto, eventualmente, quando “existam violações da lei”, que não teriam ocorrido neste caso?
R – O PÚBLICO deveria ter divulgado o teor dos telefonemas do ministro logo na edição de quinta-feira [17.05]. Quanto à segunda pergunta: discordo da posição assumida pela direcção editorial. Segundo o artigo 5º dos Princípios e Normas de Conduta Profissional do Livro de Estilo do PÚBLICO, “o jornalista do PÚBLICO rejeita quaisquer pressões ou directivas de ordem institucional, política, militar, económica, cultural, desportiva, religiosa ou sindical que pretendam orientar, condicionar ou instrumentalizar o trabalho jornalístico”. E o artigo 3º do Código Deontológico define: “O jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. É obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes direitos.
12) A direcção anunciou ter recebido um pedido de desculpas de Miguel Relvas. Essas desculpas foram-lhe transmitidas? Em que termos?
R – A meio da tarde de sexta-feira [18.05], a minha editora comunicou-me que o ministro tinha pedido desculpa.
Novas perguntas a Maria José Oliveira / Respostas da jornalista
Li o “Esclarecimento aos leitores sobre o caso Relvas” na edição de hoje, 25.05, onde se revela o conteúdo das ameaças feitas pelo ministro respeitantes à divulgação de dados da sua vida privada. Venho perguntar se autorizou essa revelação, se quer pronunciar-se sobre o seu conteúdo e alcance, e se se trata, no que é de seu conhecimento, de uma descrição fiel da ameaça feita pelo ministro.
R – Li hoje pela primeira vez o “esclarecimento” feito pela direcção editorial e ninguém me pediu autorização para explicitar a ameaça relativa à minha vida privada.
Segundo os relatos da minha editora, que recebeu os telefonemas do ministro, ele terá apontado, de facto, que eu viveria com uma pessoa da oposição, no caso do Bloco de Esquerda.
Na quinta-feira [24.05], saí do jornal às 19h00, tendo pedido à minha editora para o fazer, pois estava extremamente cansada. Até essa hora, nenhum membro da direcção editorial me contactou. Quando cheguei a casa, tirei o som dos telemóveis, pois precisava de dormir. Perto das 23h00, depois de acordar, vi que tinha uma mensagem das 19h39 de Bárbara Reis com o seguinte conteúdo: “Como combinado ontem, queria que lesses o esclarecimento aos leitores antes de paginar.” No mesmo telemóvel tinha ainda uma chamada dela às 20h17. No meu telemóvel pessoal tinha a mesma mensagem enviada às 20h42. No dia anterior, a directora anunciou-me que iria ser feito um destaque sobre o assunto, com a publicação das minhas duas notícias e com uma cronologia (na segunda-feira, a directora pedira a todos os intervenientes uma cronologia da tarde de quarta-feira). Nesse momento, a directora falou-me apenas numa cronologia e não na referência à ameaça.
Ao fim da manhã de hoje [25.05] abri o meu mail e vi que a directora enviou um mail para mim, direcção editorial, Joana Gorjão Henriques e Victor Ferrreira às 22h44 com o “esclarecimento” e outro sob o título “versão final” às 23h39, com o mesmo “esclarecimento”.
Lamento que a direcção não me tenha pedido autorização para o fazer. E não tenha, ao escrever sobre a dita ameaça, sublinhado que se trata de uma informação falsa que pretendia colar-me a uma agenda ideológica e descredibilizar o meu trabalho.
Lamento profundamente que ao executar publicamente a ameaça do ministro, a direcção do jornal tenha transformado em facto a ideia de que eu vivo com uma pessoa da oposição, quase corroborando as queixas do ministro sobre a “perseguição” que lhe faço.
Neste momento, e isso é visível nas redes sociais e nas caixas de comentários dos sites de jornais, os leitores acusam-me de estar a trabalhar para a oposição e que as críticas do ministro tinham sustentação.
Não percebo como é que ninguém da direcção teve lucidez e inteligência para não pensar nestas consequências que estão agora à vista de todos.
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