(Crónica da edição de 29 de Abril de 2012)
Foi um pedido inesperado o que recebi há dias de um leitor devidamente identificado, a quem chamarei aqui A.B. (iniciais fictícias). Pretendia esse leitor, e vinha por meu intermédio solicitá-lo à direcção do PÚBLICO, que “fosse retirada da Internet” uma peça que recolhia declarações por si prestadas ao jornal, e publicadas na edição on line há mais de um ano.
Tratava-se de um entre muitos depoimentos obtidos no âmbito de um trabalho divulgado pelo Público Online em Março de 2011, nas vésperas do que ficou conhecido como manifestação da “geração à rasca”. Aos inquiridos era pedido que respondessem à pergunta “Por que é que vou [ou não] participar no protesto?”. Dezenas desses testemunhos, pró e contra a participação nas manifestações convocadas para 12 de Março em diversas cidades, foram reproduzidos na edição impressa desse dia. Entre eles não figurava o depoimento em que A.B. explicava os motivos da sua adesão, e que não divergiam muito do padrão geral das respostas positivas: frustração pelo estado do país, pela não realização de expectativas profissionais, pela precariedade do trabalho, pela falta de emprego.
O que então disse, em resposta ao inquérito do PÚBLICO, foi publicado apenas na edição para a Internet e permanece no arquivo on line do jornal. Por que motivo quer agora que seja “retirado”? Terá mudado de opinião, já não se revê no que pensava há um ano? Parece não ser esse o caso. A.B. diz ter participado “com bastante orgulho” nos protestos de 2011, mas alega ter entendido que o seu contributo se destinaria “apenas à publicação em papel”. E refere “o facto de tais informações aparecerem indefinidamente na Internet”, para explicar: “Parecem-me agora descontextualizadas sempre que se faz uma pesquisa pelo meu nome”.
Como não dá mais explicações para o seu pedido, e não põe em causa a fidelidade da transcrição do que disse ao PÚBLICO, julgo poder concluir que, por razões que entende dever guardar para si, A.B. se sente desconfortável com o facto de as suas declarações de há um ano se encontrarem acessíveis a quem quer que digite o seu nome num motor de pesquisa da Internet. Verifiquei que o seu depoimento a este jornal é o resultado que aparece a encabeçar a lista de referências no Google ao seu nome verdadeiro, indicando que é o mais lido entre os textos ali indexados.
Os responsáveis editoriais do jornal não vão anuir ao pedido de A.B., e a directora executiva do Público Online, Simone Duarte, faz notar que, ainda que retirassem o seu depoimento do arquivo da edição para a Internet, este “continuaria a existir no ciberespaço”. Por outras palavras: mesmo que o leitor apresentasse razões atendíveis para o seu pedido, este nunca poderia ser satisfeito com alguma eficácia sem o envolvimento das empresas que detêm motores de busca como o Google. “Uma vez no mundo virtual, sempre no mundo virtual. Mas no papel também é assim: uma vez no papel, para sempre no papel”, resume Simone Duarte, que recorda apenas dois precedentes de pedidos semelhantes dirigidos ao Público Online, nenhum dos quais foi atendido (“nunca apagámos um texto”).
Por mim, sem discordar das decisões tomadas nesses casos, gostaria de chamar a atenção para duas características do jornalismo na Internet que devem ser tidas em conta na análise da legitimidade de reclamações deste tipo. Por um lado, a plasticidade própria das edições on line permite intervenções correctivas impossíveis de fazer no papel. Por outro, a fácil acessibilidade torna possível que uma qualquer peça jornalística, antes destinada a jazer esquecida numa hemeroteca, possa ganhar nova vida, às vezes anos depois, com o concurso dos motores de busca e os efeitos multiplicadores das redes sociais.
Imagine-se, por exemplo, uma notícia nociva para a reputação de uma pessoa, que à altura da publicação não levantou dúvidas, mas cujos desenvolvimentos posteriores, não acompanhados pelo jornal, conduzem a conclusões contrárias ao que se escreveu. Ou, mais simplesmente, uma informação errada que passou despercebida e que por qualquer razão renasce para uma propagação viral, meses ou anos depois, num contexto diferente. Situações como essas levantam problemas éticos que os jornais de referência devem estudar e debater, procurando fixar os melhores procedimentos para os enfrentar.
Para o caso de que hoje me ocupo, importa no entanto sublinhar que o pedido feito por A.B. não deve, de facto, ser atendido. Não há motivo válido para que declarações prestadas livremente a um jornal, publicadas de boa fé e correctamente transcritas sejam posteriormente “apagadas”. Mesmo que o seu autor nelas não se reveja um ano mais tarde (ou dez, ou vinte), fazê-lo seria atentar contra a verdade e o direito à informação. O editor de plataformas e multimédia do PÚBLICO, Sérgio Gomes, explica porquê: “Retirar o que foi publicado parece-me um apagamento da história (…). O contexto em que foi publicado o depoimento deste leitor está no tempo, no espaço e nos outros textos que naquela ocasião foram publicados”. Pronunciando-se “contra a retirada de notícias/textos online que se provem correctos e respeitadores das normas éticas e deontológicas da prática jornalística”, Sérgio Gomes acrescenta, e eu subscrevo: “Mesmo aqueles [textos] em que se provem erros grosseiros (nomeadamente a nível factual) devem permanecer online com as modificações que se impuserem e as notas acerca dessas modificações”.
Aqui entramos no tema, a que voltarei, das correcções a peças disponíveis nos arquivos on line dos jornais, em que se defrontam hoje duas correntes principais: a dos que defendem que a detecção de erros numa notícia arquivada deve dar lugar à sua reedição corrigida, em nome da reposição da verdade dos factos, e a dos que consideram que as peças em arquivo devem ser mantidas, em nome da sua integridade histórica, mas acompanhadas da necessária correcção. Quer o leitor que se interessa pela ética jornalística participar no debate?
Erros de facto e de forma
O amplo trabalho que este jornal dedicou no passado domingo à primeira volta das eleições presidenciais em França ficou marcado por um erro que não passou despercebido aos leitores atentos. “Na edição de 22 do corrente, na página 5, o PÚBLICO (…) informa que François Hollande promete 1.700 euros de salário mínimo. Na página 7, no comentário de Teresa de Sousa, quem faz esta promessa é [Jean-Luc] Mélenchon. Em que ficamos?”, pergunta o leitor Fernando Ribeiro.
Outro leitor, Carlos Queirós, nota que também no texto da jornalista Clara Barata, enviada a Paris, “fica claro que quem propõe o aumento do salário mínimo para 1.700 euros é Mélenchon e não Hollande”, em contradição com o que se afirma na legenda de um número destacado ao alto de uma página: “François Hollande diz que, se ganhar, decreta um aumento do salário mínimo para 1.700 euros”. E acrescenta uma observação pertinente: “Parecer-me-ia bem que numa peça em que se dá algum destaque a esta questão, viesse nalgum sítio referido o valor actual do salário mínimo em França, dado importante para, por exemplo, avaliar o real significado de uma proposta como a de Mélenchon”.
Sem dúvida. O valor actual do SMIC (o salário mínimo francês) situa-se um pouco abaixo dos 1.400 euros. Brutos. E quem propôs a subida para 1.700 foi Mélenchon, já afastado da corrida, tendo Hollande, que nela permanece, reagido no final da campanha para a primeira volta com a promessa de “uma pequena subida” do SMIC (Teresa de Sousa), estimada “em metade da percentagem do crescimento” económico (Clara Barata). Mais uma vez, informações correctas foram manchadas por um erro no fecho da edição, só explicável por um desleixo semelhante ao que, na última quinta-feira, tornou possível que saísse “cresceramram” em vez de “cresceram” num título a toda a largura da página 12. Lamentável.
A cobertura das eleições em França suscitou uma crítica de outro leitor, José Carlos Costa, pondo em causa a isenção da frase de abertura da reportagem publicada no dia 21, em que Clara Barata se refere a Mélenchon nestes termos: “O candidato não vai ganhar as eleições, mas é o melhor!”. Alega a jornalista: ” Essa frase não é uma adesão minha ao que diz o candidato, é uma forma de ilustrar o ambiente e o que me pareceu o sentimento dos seus apoiantes”. Percebe-se a intenção, que o texto confirma, mas a “forma” escolhida para a transmitir não é aceitável e justifica plenamente a crítica do leitor.
José Queirós
Documentação complementar
“Uma solicitação inesperada”
Mensagem de um leitor devidamente identificado
Gostaria que esta publicação [declarações prestadas ao PÚBLICO em Março de 2011 acerca das manifestações que ficaram conhecidas como protesto da “geração à rasca”] fosse retirada da internet.
Eu sou [nome do leitor, aqui suprimido] e entendi que este meu contributo se cingisse apenas á publicação em papel. Agradeço a vossa compreensão.
10 de Abril de 2012
Esclarecimento pedido ao leitor
Para melhor tratamento do seu pedido, que transmitirei aos responsáveis do jornal, seria muito útil que indicasse o motivo por que o faz. Se bem compreendi a sua mensagem, terá prestado um depoimento ao PÚBLICO, ciente de que poderia ser publicado, mas não deseja que esse depoimento permaneça na Internet, na edição on line do jornal. Será possível explicar melhor porquê?
11 de Abril de 2012
J.Q.
Segunda mensagem do mesmo leitor devidamente identificado
O meu depoimento deveu-se a um determinado acontecimento num determinado momento, em que participei com bastante orgulho. O facto de tais informações aparecerem indefinidamente na Internet parecem-me agora descontextualizadas sempre que se faz uma pesquisa
pelo meu nome.
11 de Abril de 2012
Questões colocadas aos responsáveis editoriais do Público Online
1. Vai o PÚBLICO aceder ou não a este pedido [do leitor devidamente identificado acima referido] e porquê?
2. Consideram que é um direito das pessoas que aceitaram livremente falar ao PÚBLICO pedir mais tarde a remoção de declarações prestadas? Como avaliam o argumento da “descontextualização” invocado pelo leitor?
3. Existem precedentes de pedidos para eliminação de textos publicados no site do jornal?
4. Existem regras e procedimentos previstos para situações eventualmente mais complexas de pedidos de “retirada de textos”, como por exemplo notícias desfavoráveis à imagem de alguém (em casos judiciais, p.ex.) que permanecem indefinidamente no site e podem até ter sido alvo de correcção posterior, noticiada ou não?
5. Consideram que existe alguma forma eficaz de “retirar uma notícia da Internet”, tendo em conta que ela terá sido entretanto “arquivada” por motores de pesquisa?
6. Como pensam que se deve responder a pedidos desse tipo quando eles forem julgados atendíveis, por se tratar, por exemplo, de um erro não detectado na altura da publicação? Mantendo o erro, em nome da integridade do que foi então escrito? Corrigindo o texto arquivado? Anexando-lhe uma correcção?
12 de Abril de 2012
J.Q.
Resposta de Sérgio Gomes, editor de plataformas e multimédia do PÚBLICO
Entendo que a resposta a estas questões deve ser dada pela direcção editorial, já que levanta problemas fundamentais de teor ético, deontológico e legal. Do que me lembro, este assunto nunca foi tratado em crónicas do Provedor , pelo que as respostas da direcção editorial fariam neste caso “jurisprudência” para tomadas de decisão neste e em casos futuros.
Gostaria no entanto de deixar a minha opinião: por princípio, sou contra a retirada de notícias/textos online que se provem correctos e respeitadores das normas éticas e deontológicas da prática jornalística. E mesmo aqueles em que se provem erros grosseiros (nomeadamente a nível factual) devem permanecer online com as modificações que se impuserem e as notas acerca dessas modificações.
Retirar o que foi publicado parece-me um apagamento da história. Não sou inocente: sei que é possível descontextualizar imagens ou textos de maneira a dizerem-nos coisas diferentes da intenção/vontade do seu autor.
O contexto em que foi publicado o depoimento deste leitor está no tempo, no espaço e nos outros textos que naquela ocasião foram publicados.
20 de Abril de 2012
Sérgio Gomes
Resposta de Simone Duarte, directora executiva do Público Online
1.(ver resposta seguinte)
2.Do mesmo jeito que hoje os nossos leitores nos lêem em todas as plataformas (papel,web,smartphones e tablets) os nossos jornalistas fazem entrevistas para o PÚBLICO em qualquer plataforma em que o nosso conteúdo esteja presente. A Internet impôs novas realidades a todos, jornalistas e leitores e esta é uma delas.
Repetindo as palavras do Sérgio Gomes: “Sou contra a retirada de notícias/textos online que se provem correctos e respeitadores das normas éticas e deontológicas da prática jornalística. E mesmo aqueles em que se provem erros grosseiros (nomeadamente a nível factual) devem permanecer online com as modificações que se impuserem e as notas acerca dessas modificações (…)”.
Mesmo que aceitássemos apagar, este conteúdo não sairia da web. Uma vez no mundo virtual, sempre no mundo virtual. Mas no papel também é assim, uma vez no papel, para sempre no papel.
3.Desde que assumi a direcção do online (Novembro de 2010) houve dois pedidos.
4.Se houver correcção a fazer, corrige-se sempre, assinalando no fim do texto o que foi corrigido. Nunca “apagámos um texto” (…).
5.Não, não existe.
6.Corrige-se o erro e explica-se a correcção no fim do texto, como é da praxe.
21 de Abril de 2012
Simone Duarte
Adenda à resposta anterior
1.Infelizmente não podemos atender o pedido [do leitor],pelas razões explicadas no e-mail anterior. Acho que ali estavam todas as razões pelas quais não o faremos. Mas, independentemente disso, se o fizéssemos a notícia continuaria a existir no ciberespaço.
[Recordo apenas dois pedidos deste tipo no passado:]Um senhor que queria que tirássemos uma notícia de muitos anos atrás em que ele tinha sido condenado por um crime ou acusado de um crime(…)e não queria que o filho soubesse. (…)[O outro caso] tinha a ver com uma dívida do fisco. Publicámos uma notícia sobre devedores em que havia um link com uma lista da DGCI em que havia os nomes dos devedores. Isso foi há alguns anos e um senhor que tinha devido ao fisco e já havia pago a dívida queria que tirássemos o link e a notícia. (…) De novo, mesmo que tirássemos o link externo da notícia, ele continuaria a existir na DGCI (…).
27 de Abril de 2012
Simone Duarte
“Erros de facto e de forma”
(cobertura da campanha eleitoral em França)
Reclamação (1)
Na edição de domingo, 22 do corrente, na página 5, o PÚBLICO com destaque informa que François Hollande promete € 1.700 de salário mínimo. Na página 7, no comentário de Teresa de Sousa, quem faz esta promessa é Mélenchon. Em que ficamos?
22 de Abril de 2012
Fernando Pinto Ribeiro
Reclamação (2)
O que se diz na crónica de hoje [Crónica do Provedor, edição de 22.04.12] sobre títulos aplica-se também a subtítulos, legendas e outros elementos em que normalmente se dá destaque a determinados aspectos considerados importantes numa peça, e que suponho que são muitas vezes redigidos depois de já escrita a peça e nem sempre por quem a assina, circunstâncias em que deveriam ser redobrados os cuidados para que correspondam com rigor ao que na peça é dito.
Um exemplo do Público de hoje, no destaque de 6 páginas dedicado às presidenciais francesas:
No alto de uma página, um grande número, a verde, 1700, acompanhado de uma legenda, que afirma que “François Hollande diz que, se ganhar, decreta um aumento do salário mínimo para 1700 euros”.
A questão do que propõem os candidatos em relação ao salário mínimo é abordada no texto nessa página e também no comentário de Teresa de Sousa. Num caso e noutro fica claro que quem propõe o aumento do salário mínimo para 1700 euros é Mélenchon e não Hollande, cujas propostas são significativamente diferentes (Teresa de Sousa diz que Hollande admite “uma pequena subida do salário mínimo”, e o artigo de Clara Barata especifica que essa subida poderá ser “em metade da percentagem do crescimento”).
Parecer-me-ia bem, também, que numa peça em que se dá algum destaque a esta questão do salário mínimo, viesse nalgum sítio referido (creio que não vem) o valor actual do salário mínimo em França, dado importante para, por exemplo, avaliar o real significado de uma proposta como a de Mélenchon.
22 de Abril de 2012
Carlos Queirós
Reclamação (3)
Eleições francesas segundo a jornalista Clara Barata: “Jean-Luc Mélenchon é fenómeno das eleições presidenciais francesas – O candidato não vai ganhar as eleições, mas é o melhor! Os seus discursos empolgam (…).” Parabéns! Jornalismo lúcido, isento e imparcial! Melhores cumprimentos.
23 de Abril de 2012
José Carlos Costa
Esclarecimento da directora do PÚBLICO (reclamações 1 e 2)
Sim, foi erro nosso, de edição. A informação está correcta tanto no texto da Clara [Barata] como no texto da Teresa [de Sousa]. Os leitores têm razão.
26 de Abril de 2012
Bárbara Reis
Resposta da jornalista Clara Barata (reclamações 1 e 2)
Mélenchon é que decretaria a subida do salário mínimo para 1700 euros. E devia vir o valor do ordenado mínimo, sim. (…) Num texto posterior sei pus o valor do ordenado mínimo, tentando corrigir, embora tarde, essa falha
27 de Abril de 2012
Clara Barata
Resposta da jornalista Clara Barata (reclamação 3)
A peça é a reportagem de um comício de Mélenchon. Essa frase não é uma adesão minha ao que diz o candidato, é uma forma de ilustrar o ambiente e o que me pareceu o sentimento dos seus apoiantes – os seus adeptos sabem que ele não vai ganhar as eleições, mas seguem-no porque é o melhor candidato na sua opinião, é o que representa as suas opiniões, há um clima de grande entusiasmo em torno de Mélenchon e dos seus apoiantes. Isso foi o que tentei transmitir na reportagem – não era um comício normal, havia mesmo um calor, uma vibração nas pessoas especial. Não senti isso no comício de François Hollande, a que também fui. Senti, embora de outra forma, no de Marine Le Pen –embora ai não tenha podido ficar entre a multidão, enfim, era uma sala diferente, com lugares sentados, eu fiquei no balcão e não na plateia, tive uma experiência diferente do comício….
27 de Abril de 2012
Clara Barata