(Crónica da edição de 18 de Março de 2012)
A notícia intitulada “Artigo científico defende como aceitável ‘aborto pós-nascimento’” (PÚBLICO, 3 de Março) e a versão ligeiramente mais longa da mesma peça publicada na véspera no Público Online com o título “Artigo científico defende como moralmente aceitável a morte de um recém-nascido” suscitaram protestos de vários leitores.
Domingos Henrique contestou o título escolhido: “O que é referido como artigo ‘científico’ é um artigo de opinião”. João Bastos criticou a edição do texto: “O Público (…) não pode editar uma notícia de tal teor sem a fazer acompanhar do seu contraponto, subscrito por pessoas que defendam o valor da vida, da dignidade humana e do primado do direito”. Vários outros leitores condenaram liminarmente a própria publicação da notícia, acusando o jornal de dar espaço a teses “repugnantes” ou “criminosas”.
Na perspectiva da responsabilidade editorial e da ética jornalística, que é aquela de que me ocupo, julgo que só é razoável a crítica do primeiro leitor citado. Recordo alguns factos, para tornar compreensível a questão a quem não tenha lido a peça contestada. A notícia do PÚBLICO dá conta da polémica gerada por um artigo acolhido numa publicação especializada em ética médica, o Journal of Medical Ethics (JME), associado ao prestigiado British Medical Journal. Uma polémica que ultrapassou em poucos dias as fronteiras dos círculos académicos, com a imprensa generalista a divulgar a tese exposta nesse artigo, cujo título — na tradução deste jornal, “Aborto pós-parto: por que deve o bebé viver?” — tinha à partida todos os ingredientes para chocar múltiplas sensibilidades.
O texto do JME é da autoria de Alberto Giublini e Francesca Minerva, académicos especializados na área da filosofia aplicada na universidade australiana de Melbourne, sendo a segunda também investigadora do Centro de Ética Prática da Faculdade de Filosofia de Oxford. A sua tese central é a de que o que chamam “aborto pós-nascimento” — um eufemismo para infanticídio, a que recorrem para enfatizar a ideia de que o “estatuto moral” do recém-nascido “é comparável com o do feto” — deveria ser permitido em todos os casos em que o aborto seja considerado legítimo. Não sendo possível reproduzir aqui a argumentação que sustenta essa tese (o artigo pode ser consultado através de hiperligação disponibilizada na peça do Público Online), pode no entanto dizer-se que ela é apresentada como a conclusão lógica de três premissas defendidas pelos autores e citadas na notícia deste jornal. A saber: “O feto e um recém-nascido não têm o mesmo estatuto moral das pessoas”; “é moralmente irrelevante o facto de ambos serem pessoas em potência”; “a adopção nem sempre é no melhor interesse das pessoas”.
A partir dessas premissas, obviamente não consensuais no plano ético, e desenvolvendo-as através de uma argumentação cuja racionalidade interna será em vários pontos discutível, Giublini e Minerva constroem um edifício de aparente solidez no plano lógico para sustentarem que “matar um bebé nos primeiros dias não é muito diferente de fazer um aborto”. Uma tese tão semelhante à dos movimentos pró-vida que gerou mal-entendidos (visíveis por exemplo na caixa de comentários do Público Online), com opositores a todos os cenários de aborto a saudarem a divulgação do artigo do JME como uma forma de deslegitimação moral de qualquer interrupção voluntária da gravidez, o que não é, manifestamente, o que nele se defende.
Pela natureza do tema, pelo aceso debate que gerou, pela respeitabilidade da publicação que o acolheu e até pela “qualidade académica” que vários especialistas em bioética, concordando ou discordando dos autores, lhe reconheceram (dos últimos faz parte o responsável directo pela publicação no JME, o clérigo e professor de ética médica Kenneth Boyd), o artigo dos investigadores de Melbourne merecia certamente ser noticiado, condição prévia para ser debatido. Não pela novidade da sua tese central, já anteriormente defendida por vários filósofos contemporâneos. A definição de “pessoa” que guia as premissas de Giublini e Minerva é devedora do norte-americano Michael Tooley e a equiparação moral do infanticídio ao aborto em casos de deficiência extrema foi teorizada pelo influente filósofo australiano Peter Singer, de quem várias obras sobre ética estão traduzidas em português. Os seus argumentos sobre este tema podem ser consultados num livro que publicou em 1988 (Should the baby live?),inspiração óbvia, até no título, do artigo dos investigadores de Melbourne.
Estes foram no entanto mais longe, ao incluírem motivos de “vontade” ou “interesse” da mãe ou da família, previstos em diversas legislações sobre a interrupção voluntária da gravidez, na sua defesa da equiparação moral entre aborto e infanticídio. Se a este novo elemento do debate se acrescentar que a eutanásia de recém-nascidos em casos com prognóstico de extrema incapacidade funcional ou sofrimento insuportável é praticada desde há alguns anos com cobertura legal na Holanda (nas condições estritas formalizadas no chamado “Protocolo de Groningen”, fruto da cooperação entre médicos neonatologistas e magistrados judiciais), parece-me indiscutível que estão reunidas as condições de relevância e actualidade e o dever de informar que justificam a notícia do PÚBLICO. Os leitores que criticaram a sua publicação, manifestando-se chocados com o tema, confundiram mensagem e mensageiro.
A notícia sintetiza de forma competente o artigo do JME e reflecte a polémica gerada, citando cientistas que classificam de “defesa desumana da destruição de crianças” a tese exposta por Giublini e Minerva. Não terá o “contraponto” argumentativo, de opositores a essa tese, que o leitor João Bastos considerou indispensável, nem isso seria exigível. Uma peça informativa deste tipo não pode em regra abarcar o contraditório detalhado das opiniões que noticia. Pode, e deve, é estimular um confronto de ideias, procurando uma pluralidade de perspectivas acerca da polémica provocada pela informação. Neste caso, a caixa de comentários à notícia on line serviu, com algumas lamentáveis excepções, o propósito nobre de dar voz a um debate sério e argumentado. A abertura do jornal a esse debate nas suas páginas não está em causa, como mostrou a publicação no passado dia 10 de um primeiro artigo de opinião sobre o tema, na linha das chamadas posições “pró-vida”, assinado pelo juiz Pedro Vaz Patto.
No plano informativo, o “contraponto” deverá concretizar-se em peças subsequentes, se o PÚBLICO optar por manter atenção editorial ao tema. E seria útil que o fizesse, tanto pelas ameaças que o caso fez pairar sobre a liberdade no debate filosófico como pelos desenvolvimentos entretanto ocorridos. Deveria já ter sido noticiada, por exemplo, a invulgar carta aberta que Giublini e Minerva divulgaram na sequência da onda de críticas provocadas pelo seu texto. Nela, pedem desculpa a quem se tenha sentido ofendido pelo que escreveram, e apelam à compreensão das diferenças entre uma discussão académica e a “apresentação enganosa” que dela terão feito alguns media, bem como da “distinção essencial” entre a argumentação filosófica e a proposta política de normas legais. “Nunca pensámos sugerir que o aborto pós-nascimento deveria tornar-se legal”, alegaram, acrescentando que as leis não se inspiram apenas em “argumentos éticos racionais”.
Por fim, julgo que a escolha dos títulos para a notícia do PÚBLICO merece reparos. Não tanto pelo acolhimento dado na edição impressa à fórmula “aborto pós-nascimento”, em si mesmo contraditória para o senso comum, mas que vem grafada entre aspas e respeita a terminologia defendida no artigo do JME. É mais discutível que se titule, como se fez na edição on line, que esse artigo “defende como moralmente aceitável a morte de um recém-nascido”, generalização que o texto noticiado está longe de consentir.
O mais criticável, porém, é o que foi assinalado pelo leitor Domingos Henrique. Não é rigoroso designar como “artigo científico” um texto de reflexão filosófica. Os seus autores não trouxeram novos conhecimentos ou descobertas à ciência, não formularam nem testaram hipóteses de acordo com o método científico. São estudiosos da ética aplicada, que procuraram sistematizar argumentos — bons ou maus, mas só escrutináveis no plano da razão filosófica —, sobre o tópico altamente controverso da aceitabilidade moral do infanticídio em determinadas circunstâncias. O que escreveram foi um texto opinativo, o que propuseram foi um debate moral. As palavras têm o seu peso. O uso do adjectivo “científico” é no caso enganoso, e pode até ser visto como concessão ao sensacionalismo. Tem por única atenuante referir-se a um texto dado à luz numa publicação que (também) aborda temas de ciência.
José Queirós
Documentação complementar
Nota prévia
Acerca do tema tratado na crónica acima — “Bioética e títulos de jornal” — , suscitado pela peça intitulada “Artigo científico defende como aceitável ‘aborto pós-nascimento'” (Público Online, 02.03), enviei no passado dia 08.03 as seguintes perguntas aos responsáveis pelo Público Online:
1) Consideram correcto descrever o artigo em causa como “científico”, [qualificação contestada na queixa de um leitor]?
2) Consideram que se justificaria o “contraponto” reclamado [na queixa de um outro leitor]?
3) Por que motivo a peça não é assinada por quem a redigiu?
Infelizmente, só recebi as respostas a estas perguntas após ter redigido e enviado para o PÚBLICIO a minha crónica semanal. Elas foram-me de facto enviadas, ao princípio da tarde do dia 17.03, mas só tomei conhecimento do facto várias horas depois. Por isso, e contrariamente ao que é habitual, não pude citar no meu texto as explicações que pedira à redacção do jornal. Para colmatar essa falha, publico em seguida, como também é habitual neste espaço, a resposta (extensa e esclarecedora) que me foi remetida pelo editor do Público Online Victor Ferreira. E ainda uma segunda mensagem que o mesmo editor me enviou após a publicação da crónica.
J.Q.
Resposta de Victor Ferreira, editor do Público Online
1) O leitor em causa não foi o único a ter posto em causa o facto de o título desta peça definir o texto como um artigo científico. Houve outros que o fizeram, tanto na caixa dos comentários, como em textos publicados em blogues que fizeram ligações ao artigo do PÚBLICO, e também em emails de reclamação ou protesto enviados directamente para a redacção. Curiosamente, todos estes leitores – com uma única excepção – que puseram em causa o carácter científico do artigo de Francesca Minerva e Alberto Giublini também manifestaram implícita ou explicitamente a sua posição contra ou mesmo a sua repugnância em relação à tese de que o aborto ou o infanticídio pós-natal seja moralmente aceitável. A excepção foi um leitor que escreveu um texto em que não condena nem apoia a tese daqueles dois autores. Dito de outro modo, entre os que se manifestaram contra a cientificidade do artigo, todos (com excepção de um) eram contra.
Não sei se esta constatação merece alguma análise mais, mas o senso comum dir-me-ia que, tal como nestes casos, as restantes manifestações de desagrado vieram de pessoas que consideravam deplorável a tese defendida por Minerva e Giublini. Terão as críticas dirigidas ao PÚBLICO partido das críticas que eram, sobretudo, ao conteúdo da tese? Julgo ser legítimo levantar a questão, para a qual não tenho resposta, naturalmente, embora admita como possível que uma ou outra queixa contra o trabalho do PÚBLICO neste caso fosse, no todo ou em parte, consequência de um arrastamento de um desagrado que, inicialmente, seria contra uma tese defendida por dois autores. Adiante.
Não encontrei, em nenhum destes comentários de leitores, argumentos suficientes para se perceber por que não devia o título da notícia aludir a um artigo científico – ou porque seríamos nós uns “ignorantes” por termos escrito que o artigo era científico.
Houve quem fosse um pouco mais concreto e levasse os seus argumentos para lá do insulto e da mera irritação, considerando-o um artigo filosófico, mas a generalidade destas críticas que nos foram dirigidas eram, de facto, pobres, não nos ajudando a reflectir com qualidade sobre a adequação ou não do nosso trabalho.
Teria gostado que as críticas tivessem apontado as razões para desmerecer o carácter científico – estamos sempre atentos aos argumentos e como ninguém se sente dono da verdade, talvez algum leitor nos tivesse convencido logo na hora de que estaríamos a cometer um erro. Porém, não foi o caso. E nem dentro da redacção do PÚBLICO surgiram críticas ou reparos relativos ao texto publicado primeiro online.
Sobre se é um artigo de opinião ou um artigo científico, julgo que a posição mais sensata seria a de afastar liminarmente a primeira hipótese e manter sob interrogação a segunda.
Quem leu o artigo – que disponibilizámos online, no original em inglês, em dois formatos (html e pdf), satisfazendo de resto o compromisso assumido com os leitores, de fornecer sempre que possível, os documentos citados em notícias que abordem estudos – não pode resumi-lo a um artigo de opinião. Fazê-lo seria negar, por exemplo, às ciências sociais o carácter científico apenas e só porque, ao contrário das ciências naturais e exactas, os factos sociais ou sociológicos nem sempre são comprováveis empiricamente.
Não é possível meter um bocado de ética num tubo de ensaio e fazê-lo reagir em laboratório. Nem analisar os constituintes da moral sob a ampliação das lentes de um microscópio. Mas também não podemos regredir séculos no nosso pensamento colectivo e considerar que não há ciência se não há experiência empírica.
O que distingue, portanto, o artigo contestado de um artigo de opinião? Não é o facto de ter sido publicado num “journal”, como sugeriram até com ironia alguns leitores críticos. O que o distingue é o método: a escolha de um objecto de estudo, a definição de um problema (de uma hipótese) e de um caminho de verificação para se chegar a uma conclusão.
A sistematização da reflexão que foi produzida por aqueles leitores é de tal modo verificável que aquela só pode ser considerada mais próxima de um trabalho científico do que opinativo – ainda que no final o que se produza seja aparentemente uma opinião. Afinal, não é isso que os nossos astrónomos fazem, por exemplo, quando estudam galáxias longínquas que se traduzem em números de equações e mínimos pontos brancos numa página de fundo preto, ou quando alguém sai de um laboratório de bioquímica achando que encontrou, num determinado gene, uma explicação para um mecanismo biológico da maior relevância? Todos eles, incluindo o filósofo, trabalham com instrumentos que permitem uma transparente verificação do caminho feito, a sua adequação aos problemas em estudo e, no final, a validade da tese ou conclusão em face do caminho percorrido. Um artigo de opinião é, se quisermos ser rigorosos, algo que pode partir de bases científicas mas que não necessita deste método que julgamos estar presente no artigo em causa. Caso contrário, teria sido aceite pelo Journal of Medical Ethics?
Dito isto, será de concluir que se trata de um artigo científico ou filosófico? E se for filosófico, deixa de ser científico? Estas perguntas ficam aberto – não tendo sido a questão levantada pelos leitores, seria interessante aprofundá-las com mais tempo e interlocutores.
A finalizar, diria o seguinte: se alguma coisa tivesse de mudar no título (e na peça) então a meu ver, e a esta distância, teria alterado o enquadramento: em vez de se centrar o conteúdo do artigo original, ter-se-ia realçado as consequências da publicação do texto – ameaças de morte, insultos e as reacções enérgicas que estão, aliás, descritas na notícia do PÚBLICO. Porque se é interessante desafiar a sociedade a reflectir sobre os argumentos que justificam ou não uma moral colectiva, é igualmente papel da imprensa confrontá-la com as reacções que surgem quando alguém pensa alto em contramão. Portanto, se fosse preciso escolher agora, teria preferido uma notícia que se centrasse em doses iguais na intolerância ao pensamento que não é comum e no conteúdo incomum (mas não insólito nem sequer caso único) de uma reflexão.
2) O artigo em causa foi publicado às 9h31 do dia 2 de Março deste ano. Logo na altura foi pedido a jornalistas da redacção que se mantivessem a acompanhar o caso. O resultado desse esforço foi uma peça publicada online às 21h08 desse mesmo dia, com o título: “Especialistas em bioética rejeitam artigo que defende morte de recém-nascidos” (disponível em http://publico.pt/1536150). Não creio que a publicação da primeira peça exigisse primeiro um contraponto. Ficaria mais completo, sem dúvida, mas não ter reacções ou outros pensamentos contraditórios não significa, neste caso, violação das regras deontológicas do jornalismo.
A objectividade jornalística não é, de resto, um frasco de medição, no qual se tem de meter um “não” por cada “sim”. O procedimento do contraditório é, muitas vezes, usado como uma camuflagem: vai-se à procura de alguém – um cientista, um político, um especialista – que funcione como um contraponto, mesmo que no fim o recurso a essa fonte sirva quase como um adorno de mobília.
Então por que fomos publicar, quase 12 horas depois do primeiro artigo, um outro texto que cita abundantemente especialistas que fazem um contraditório? Porque foi isso que os nossos contactos posteriores permitiram recolher. Aquando da publicação da primeira peça, o PÚBLICO tentou ouvir um dos autores do artigo original, Francesca Minerva, a quem foram enviadas questões por email. Infelizmente, não obtivemos resposta. Enquanto isso, foram desenvolvidos contactos com outros especialistas – que são aqueles que estão citados na segunda notícia posta online; além disso, procurou-se identificar portugueses que fossem editores de revistas científicas para perceber os mecanismos de publicação de artigos num “journal” – um esforço que, se tivesse tido sucesso, teria permitido reflectir e debater o contexto de publicação de artigos polémicos pelo seu conteúdo e as reacções que estes suscitam.
No fim, e após aturado esforço e muita espera, o resultado foi uma espécie de contraditório, que permite o desejável alargamento do conteúdo do artigo original, mas que não era, deontologica ou eticamente, indispensável para a publicação da primeira peça.
3) Foi assinado PÚBLICO e não por quem o escreveu (no caso, eu próprio), cumprindo assim o que está disposto no Livro de Estilo do PÚBLICO nesta matéria: o artigo em causa não foi descoberto pelo jornalista que escreveu a peça; recolhe opiniões (como a do editor do “journal”) que não foram produto do esforço do jornalista; utiliza citações que se encontravam online, sendo as fontes originais disponibilizadas aos leitores por links indicados no texto com uma cor diferente da do texto.
Diz o livro de estilo que “Os textos baseados em despachos de agências devem ser assinados de acordo com o tipo de contribuição do redactor que elaborou a notícia”. “Um trabalho destes só deve levar o nome do jornalista se o material recebido da agência funcionar apenas como uma fonte como qualquer outra ou de conteúdo residual e o jornalista tiver conhecimentos, experiência ou informações novas que o legitimem. E sempre com a indicação obrigatória da(s) agência(s) utilizada(s) no corpo da notícia redigida.”
O que sucedeu no caso? Soube da polémica por outros jornais que citavam o caso de que tiveram conhecimento através do British Medical Journal. Deveriam esses jornais ter sido citados. Não faria mal, mas não era obrigatório. O Livro de Estilo prevê aliás que quando “telexes [ou notícias] citam outras fontes escritas seria ocioso referir a cadeia de fontes” [Ex.: “… noticiou o ‘New York Times’, citado pela Reuter”. A opção deve, então, ser atribuir a fonte original. Foi o que fizemos. Depois, houve um trabalho de escolha do jornalista, mas o conteúdo essencial vinha de outras fontes, não tendo sido aplicado conhecimentos próprios, experiências ou informação nova que justificasse que o jornalista assinasse a peça com o seu nome. De forma diferente, o segundo artigo sobre o tema publicado pelo PÚBLICO está assinado por uma jornalista – porque foi ela quem contactou as fontes, recolheu depoimentos, fez escolhas do material a incluir, do enquadramento e dos destaques.
17 de Março de 2012
Victor Ferreira
Nova mensagem de Victor Ferreira
Não tenho muito a acrescentar ao que já escrevi (…). Creio que no essencial estamos de acordo em que o PÚBLICO fez bem em tratar do assunto, que noticiou o caso com conta, peso e medida, incluindo uma segunda notícia desenvolvendo reacções de especialistas.
Li que considera o artigo [do Journal of Medical Ethics, noticiado pelo PÚBLICO] uma reflexão filosófica, mas não científica. Como disse anteriormente, deixo esse ponto em aberto, mas questiono-me se um artigo filosófico não deve ser considerado científico. Ou estes últimos só são científicos se tratarem de factos empiricamente comprováveis e quando trouxerem coisas absolutamente novas? Se assim fosse, a maioria dos artigos de História – que não trazem nada de novo ao conhecimento da humanidade – seriam artigos históricos mas não científicos?
Como estas dúvidas e interrogações permitem adivinhar, discordo em absoluto da tese que defende e menos ainda compreendo a alegação de que a referência ao “científico” no título da primeira peça do PÚBLICO tenha um cariz ou introduza algum sensacionalismo. Julgo que o debate está interessante.
19 de Março de 2012
Victor Ferreira
Nota final
A resposta de Victor Ferreira menciona uma segunda notícia sobre o mesmo tema [o polémico artigo do Journal of Medical Ethics], publicada no Público Online na mesma data [02.03] da que foi intitulada “Artigo científico defende como aceitável ‘aborto pós-nascimento'”. Essa segunda notícia, assinada pela jornalista Rita Araújo, com o título “Especialistas em bioética rejeitam artigo que defende morte de recém-nascidos”, inicia precisamente o “contraponto” reclamado por um dos leitores que se queixaram, e que eu próprio defendi que “deverá concretizar-se em peças subsequentes”. Não tendo tomado conhecimento anterior dessa peça — ou porque o link para ela não existia ainda quando consultei sobre este tema o Público Online, ou porque, estando já colocado, lamentavelmente me escapou — não pude referi-la na minha crónica, como gostaria de ter feito.
Por outro lado, como o editor do Público Online explica na sua segunda mensagem discordar “em absoluto” do reparo que fiz ao facto de o artigo do JME ter sido qualificado em título como “científico” (ver os seus argumentos na resposta de 17.03), devo acrescentar uma nota final, para insistir em que a distinção entre texto “científico” ou de “reflexão filosófica” é pertinente e relevante para o que escrevi. Deixando o aprofundamento da questão a quem esteja mais qualificado para o fazer, não vejo como a ética ou filosofia possam ser classificadas como “ciências”. O artigo publicado no JME é um texto que desenvolve opiniões morais com base em argumentos lógicos. O que nele se defende não poderá ser confirmado ou invalidado pelos métodos da ciência; poderá, sim, ser apoiado ou rejeitado a partir de visões éticas distintas e de outros argumentos racionais. O que é diferente de se reconhecer que um tal debate não deve ignorar, em vários aspectos, os dados produzidos pela evolução do conhecimento científico. O próprio JME é uma publicação de ética (médica). E a bioética é, segundo uma definição de dicionário, “a reflexão acerca das implicações éticas e filosóficas da investigação científica e dos problemas levantados pela aplicação da ciência e da tecnologia ao estudo de seres vivos”.
Dito isto, aceito o reparo de Victor Ferreira à expressão que usei, de que o uso do adjectivo “científico” neste caso poderia “até ser visto como concessão ao sensacionalismo”. Queria sublinhar que poderia “ser visto” por alguns leitores como uma forma de conferir um inadequado peso de “autoridade científica” à reflexão filosófica de Giublini e Minerva, e assim reforçar o inevitável apelo às emoções que a sua tese, pela temática envolvida, não deixaria de provocar, como provocou. Aceito que não terá sido a melhor, ou mais clara, forma de o dizer. Por fim, e até porque o debate deverá prosseguir e é importante, gostaria de sugerir que as dúvidas levantadas pelo título do PÚBLICO poderiam ter-se evitado chamando ao polémico artigo do JME aquilo que ele inegavelmente é: um artigo académico.
19 de Março de 2012
J.Q.