(Crónica da edição de 19 de Junho de 2011)
A coluna Sobe e desce é um espaço dos mais sensíveis do jornal, pois tende a favorecer ou desfavorecer a imagem pública dos que diariamente escolhe como protagonistas — e neste caso pode falar-se de imagem em sentido próprio, já que os breves textos que a compõem são sempre acompanhados de uma pequena fotografia do rosto da personalidade referida. Acresce que a natureza desses textos oscila entre a descrição objectiva de um episódio (fulano perdeu ou ganhou uma eleição, por exemplo) e a apreciação subjectiva de um facto ou declaração. No segundo caso, essas notas, que não são assinadas, tenderão a ser lidas como representando a opinião editorial do jornal.
Aos sábados, esta coluna é replicada nas páginas de informação local, abrangendo temas noticiosos da semana anterior, o que pode tornar difícil aos leitores confrontar o que nela se escreve com as notícias que estão na origem das apreciações personalizadas — diferentemente do que sucede no Sobe e desce da última página, em que cada nota valorativa remete o leitor para uma notícia publicada nessa mesma edição.
Sejam mais ou menos subjectivos, o que tais apontamentos – marcados com setas dirigidas à reputação dos protagonistas – não podem deixar de respeitar são os factos em que se baseiam as apreciações efectuadas. Esta é uma matéria em que se exige especial cuidado para evitar erros, ou o agravamento dos que eventualmente tenham sido cometidos no plano da informação. Que nem sempre esse cuidado existe mostra-o a reclamação que recebi do leitor Hugo Meireles, alvo de uma “seta para baixo” na edição Porto de 28 de Maio passado (Local, pág.25).
Classificava-se negativamente, na nota em questão, o facto de estarem a ser exigidos aos funcionários do novo hospital de Braga entre 26 a 40 euros por mês para utilizarem o parque de estacionamento da unidade. E atribuía-se a responsabilidade por essa medida — alvo de críticas na autarquia bracarense, que no entanto aprovou o regulamento que a prevê — à “administração presidida por Hugo Meireles”, cujo rosto aparecia sob a seta descendente. Acontece que a sociedade que gere o estacionamento e define o seu preço é uma entidade diferente da que dirige o estabelecimento de saúde. Quem o sublinha é o próprio visado no Sobe e desce, explicando que “a gestão do Hospital de Braga está entregue a três sociedades diferentes, uma que gere a actividade assistencial, designada por Sociedade Escala Braga” (a que preside), “e outras duas, uma que construiu e gere o edifício e outra que gere os parques de estacionamento”. A sublinhar a distinção, Hugo Meireles assina a reclamação que me enviou com a extensa e algo arrevesada fórmula “Presidente da Comissão Executiva Hospital de Braga Sociedade Escala Braga, Entidade Gestora do Estabelecimento”.
Nessa mensagem, diz que “não teria sido difícil (…) esclarecer este facto”, e queixa-se de que “não é (…) a primeira vez que nesta mesma coluna o [seu] nome e fotografia aparecem ligados a notícias sobre o Hospital de Braga, notícias sem fundamento quanto à [sua] responsabilidade nos factos noticiados”. “É muito desagradável “, comenta, “ver assim exposto o meu nome e fotografia em associação a notícias infundadas e que lesam a minha honra e imagem”.
Álvaro Vieira, editor do Local, reconhece que “o leitor tem razão” e admite que o seu nome possa ter já sido anteriormente associado com menor rigor a outros factos relacionados com o hospital bracarense. Isto porque o erro agora detectado “decorreu do pressuposto de que Hugo Meireles, por ser o presidente da comissão executiva da Sociedade Escala Braga, Entidade Gestora do Estabelecimento, era o responsável máximo de toda a instituição, tutelando inclusivamente a gestão dos seus parques de estacionamento”. Existindo na redacção do jornal essa “convicção errada”, aquele gestor (“que o PÚBLICO já ouviu em várias ocasiões”) “tem sido apresentado como tal e ainda não tinha corrigido essa informação”. “Só agora”, nota o editor, “ficámos a saber que as três entidades de gestão do hospital de Braga estão ao mesmo nível em termos de poder e responsabilidade”.
Fica explicado o erro, que é compreensível e foi entretanto corrigido na secção O PÚBLICO errou da edição de 2 de Junho. Limito-me a notar que ele poderia ter sido evitado se tivesse existido a preocupação de confrontar o “presidente da Comissão Executiva Hospital de Braga Sociedade Escala Braga, Entidade Gestora do Estabelecimento”, na sua pressuposta qualidade de “responsável máximo da de toda a instituição”, com as noticiadas críticas da autarquia bracarense à política de preços do estacionamento hospitalar.
O Sobe e Desce, escreve Álvaro Vieira, “é um espaço de opinião editorial, ao qual não se impõe nem convém o confronto prévio com os visados. Impõe-se, sim, o conhecimento dos factos e circunstâncias sobre os quais se formulam juízos, e foi a esse nível que errámos”. Nada a objectar à doutrina. Mas é precisamente porque os visados não são ouvidos sobre o juízo a que são sujeitos que os leitores têm de poder confiar, sem margem para dúvidas, no “conhecimento dos factos” por parte de quem escreve esses pequenos textos opinativos. Tal como deverão esperar, naturalmente, que a sua redacção seja confiada a quem alie a um desejável espírito crítico e de atenção cívica a maturidade, equilíbrio e bom senso exigíveis a quem têm o poder de influir — sem assinar o que escreve — sobre a reputação dos outros.
O caso do comentador demasiado rápido
A coexistência de edições na Internet e em papel é ainda suficientemente recente para ser causa de alguns equívocos. E nem sempre os responsáveis editoriais têm o cuidado necessário para os evitar.
No passado dia 4 de Junho, uma notícia saída na página 20 da edição impressa dava conta do estado das negociações entre a TAP e o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, visando a eventual suspensão, entretanto conseguida, da anunciada greve de protesto contra o “emagrecimento” das tripulações nos voos da companhia. Era acompanhada por uma “caixa” em que se revelava que uma empresa concorrente — a Ryanair — enviara um ramo de rosas aos sindicalistas, agradecendo-lhes a anunciada greve na TAP. Uma imagem provavelmente concebida para reforçar essa pouco canónica operação de marketing da low cost irlandesa mostrava dois funcionários segurando, sorridentes, as rosas oferecidas aos potenciais grevistas.
Na página 38 da mesma edição — no espaço intitulado Comentários online, que passou a ser publicado junto às Cartas à Directora —, um leitor de nome José comentava criticamente a atitude da companhia irlandesa e sugeria que “esses sorridentes modelos ou não trabalham para a Ryanair ou amanhã são despedidos por dá cá aquela palha, precisamente porque não têm sindicato (nem podem, ou não os contratam)”. A seguir à palavra “modelos” foi inserida uma indicação editorial, entre parênteses rectos, remetendo para a fotografia publicada na página 20.
O leitor Hernâni Beltrão manifestou a sua perplexidade pelo facto de tal comentário ter sido “publicado no mesmo dia em que é publicada a notícia a que se refere”. “Como pode o senhor José”, interroga-se, “ler a notícia, saber o número da página, enviar o e-mail e conseguir que ele seja publicado nesse mesmo jornal? O senhor José deve ser muito rápido e muito poderoso. Ou será que faz parte dos quadros do PÚBLICO?”.
Os leitores mais familiarizados com as diferentes edições do PÚBLICO já terão compreendido o que se passou. A notícia de 4 de Junho, referindo o que era classificado como “acção de charme” da Ryanair “para se promover junto dos passageiros que têm reservas na TAP”, fora já divulgada na véspera no Público Online, vindo a ser recuperada para acompanhar, na edição impressa, o relato sobre o estado das negociações entre a TAP e o sindicato dos tripulantes. Junto a todas as notícias da edição na Internet há um espaço próprio para acolher comentários dos leitores, e foi esse espaço que José utilizou, logo no dia 3 de Junho, para criticar a Ryanair. Diariamente, dois ou três desses comentários on line são escolhidos por um editor de fecho para figurar na edição em papel do dia seguinte, e foi o que aconteceu neste caso com o texto de José.
Mas a verdade é que os leitores não têm obrigação de saber tudo isto, nem de reconhecer o código gráfico que lhes permitiria concluir que a remissão para a página 20, colocada entre parênteses rectos, não seria da responsabilidade do comentador. Sérgio Aníbal, editor de Economia, explica que essa referência foi certamente “acrescentada pelo editor de fecho, para que os leitores pudessem compreender melhor o comentário”. É claro que se essa remissão para a fotografia dos “sorridentes modelos” tivesse esclarecido que se tratava de uma imagem anteriormente publicada na edição on line se teria evitado o equívoco: não há comentadores tão rápidos que possam pronunciar-se sobre notícias que ainda não puderam ler.
José Queirós
Documentação complementar
“Sobe e desce”
Carta do leitor Hugo Meireles
Acabei de enviar uma reclamação (…) relacionada com a publicação na coluna “Sobe e Desce” da secção Local da edição do Porto [28.05], de uma notícia infundada e em que associam o meu nome e fotografia. (…) A gestão do Hospital de Braga está entregue a três sociedades diferentes, uma que gere a actividade assistencial, designada por Sociedade Escala Braga, Entidade Gestora do Estabelecimento, a cuja Comissão Executiva, de facto, presido, e outras duas, uma que construiu e gere o edifício e outra que gere os parques de estacionamento. É a esta última sociedade que cabe a responsabilidade de definir os valores a cobrar pelo estacionamento, seja em regime de avença, como é o caso dos factos relatados na notícia, seja pela utilização temporária, como se de qualquer parque de estacionamento se tratasse. Não teria sido difícil ao, ou à, jornalista que publicou a notícia procurar esclarecer este facto antes de publicar a mesma. E não é esta, infelizmente, a primeira vez que nesta mesma coluna o meu nome e fotografia aparecem ligados a notícias sobre o Hospital de Braga, notícias sem fundamento quanto è minha responsabilidade nos factos noticiados. Como deve compreender, é muito desagradável ver assim exposto o meu nome e fotografia em associação a notícias infundadas e que lesam a minha honra e imagem (…).
28 de Maio de 2011
Hugo Meireles
(Presidente da Comissão Executiva Hospital de Braga Sociedade Escala Braga, Entidade Gestora do Estabelecimento)
Perguntas dirigidas aos responsáveis pelo Local (edição Porto)
1) O leitor tem razão? A referência do “Sobe e Desce” está ligada a alguma notícia anteriormente publicada, eventualmente inexacta?
2) Por que razão não foi feita, segundo ele refere, uma tentativa de esclarecimento em tempo oportuno?
3) Se o leitor tem razão, e tendo em conta que já enviou uma reclamação, foi ou vai ser feita uma rectificação?
4) Tem fundamento a queixa do leitor, de que “não é esta, infelizmente, a primeira vez que nesta mesma coluna o [seu] nome e fotografia aparecem ligados a notícias sobre o Hospital de Braga, notícias sem fundamento quanto à [sua] responsabilidade nos factos noticiados”?
J. Q.
Resposta de Álvaro Vieira, editor do Local
1) O leitor tem razão, mas a referência do Sobe e Desce não decorre de qualquer inexactidão da notícia que a inspirou. Essa notícia nunca se referiu a Hugo Meireles e dizia respeito às críticas da Câmara de Braga aos valores –—por esta considerados elevados — que o novo Hospital de Braga está a cobrar pelo estacionamento. O erro circunscreveu-se ao Sobe e Desce e decorreu do pressuposto de que Hugo Meireles, por ser o presidente da comissão executiva da Sociedade Escala Braga, Entidade Gestora do Estabelecimento, era o responsável máximo de toda a instituição, tutelando inclusivamente a gestão dos seus parques de estacionamento.
2) Creio que a questão não se coloca aqui. Hugo Meireles não foi referido na notícia em que se escreveu que a Câmara de Braga criticou, embora tivesse aprovado, o regulamento sobre o estacionamento proposto pelo hospital. Neste caso, a posição do hospital era o próprio o regulamento — um documento escrito. Quanto ao Sobe e Desce, é um espaço de opinião editorial ao qual não se impõe nem convém o confronto prévio com os visados. Impõe-se, sim, o conhecimento dos factos e circunstâncias sobre os quais se formulam juízos, e foi a esse nível que errámos.
3) Eduarda Pinto Leite, da assessoria de imprensa do Hospital de Braga, enviou-me um e-mail ao final da tarde de terça-feira [31 de Maio] com a reclamação de Hugo Meireles e ontem telefonou-me para conversar sobre o mesmo assunto. Foi-lhe dito que seria publicada uma rectificação, no PÚBLICO errou (…). No momento em que escrevo estas linhas, dizem-me que essa rectificação já está paginada na edição de quinta-feira [2 de Junho].
4) Francamente, não sei, mas admito que sim. A convicção, errada, de que Hugo Meireles — que o PÚBLICO já ouviu em várias ocasiões — era o responsável executivo máximo da sociedade que gere o hospital de Braga é antiga na redacção. Hugo Meireles tem sido apresentado como tal e ainda não tinha corrigido essa informação. Só agora ficámos a saber que as três entidades de gestão do hospital de Braga estão ao mesmo nível em termos de poder e responsabilidade. De qualquer forma, receio que o presidente da comissão executiva da Sociedade Escala Braga, Entidade Gestora do Estabelecimento, tenha sempre o ónus/vantagem de ser socialmente percepcionado como o rosto do primeiro responsável pela instituição, uma vez que este é o cargo máximo na área da prestação de cuidados de saúde, aquela que justamente confere aos hospitais a relevância pública que lhes é reconhecida.
1 de Junho de 2011
Álvaro Vieira
“O caso do comentador demasiado rápido”
Carta do leitor Hernâni Beltrão
(…) No dia 4 de Junho p.p. nas Cartas à Directora, sob o título “Ryanair envia rosas a tripulantes da TAP”, o sr. José escreve que na foto da página 20 do mesmo jornal os sorridentes modelos da Ryanair oferecem à TAP as rosas que traduzem os lucros que essa companhia vai ter devido à greve dos tripulantes da TAP. Depois diz que se admira por a companhia ter dinheiro para rosas e diz também que por não terem sindicato os modelos amanhã podem ser despedidos por dá cá aquela palha. A mim o que me admira é o e-mail ser publicado no mesmo dia em que é publicada a notícia a que se refere.
(…) Como pode o sr. José ler a notícia, saber o número da página, enviar o e-mail e conseguir que ele seja publicado nesse mesmo jornal? O sr. José deve ser muito rápido e muito poderoso. Ou será que faz parte dos quadros do Público? Eis pois uma estória intrigante! (…).
9 de Junho de 2011
Hernâni Beltrão
Esclarecimento de Sérgio Aníbal, editor de Economia
O comentário que é referido não saiu nas Cartas à Directora, mas sim na secção “Comentários online”, em que um editor de fecho escolhe alguns comentários feitos na edição online no próprio dia da produção do jornal. Acontece que a notícia que saiu na página 20 da edição de 4 de Junho tinha sido também publicada na edição online do dia anterior. A referência à página 20, feita entre parêntesis rectos, foi, adivinho eu, acrescentada pelo editor de fecho, para que os leitores pudessem compreender melhor o comentário. Alguns leitores, como Hernâni Beltrão, poderão ter ficado confundidos e intrigados.
9 de Junho de 2011
Sérgio Aníbal