(Crónica da edição de 22 de Maio de 2011)
1. A desvalorização das sondagens sobre intenções de voto é comum, por razões compreensíveis, no discurso político oficial. Mas isso não as torna menos úteis como instrumentos de conhecimento e reflexão para o conjunto dos eleitores nos períodos que precedem a chamada às urnas. Ponto é que as suas limitações sejam claramente assumidas pelos órgãos de comunicação que as divulgam, e que estes garantam o máximo rigor na análise e interpretação dos resultados fornecidos pelos inquéritos.
A série de oito sondagens que o PÚBLICO começou a divulgar a cerca de um mês de distância das próximas legislativas (falta ainda conhecer três) segue uma metodologia diferente da habitual. Uma das técnicas usadas nestes inquéritos, conhecidos por tracking polls, e que neste caso estão a ser divulgados com uma periodicidade bissemanal, é a de reaproveitar uma parte das respostas (as mais recentes) à sondagem anterior, eliminando-se outra parte (as mais antigas) e completando-se a nova amostra com um número de novos inquiridos equivalente ao dos que não transitaram da amostra antecedente. O objectivo é o de focar a atenção na evolução das preferências eleitorais ao longo de todo o período de campanha (e pré-campanha) e, eventualmente, no peso que determinados episódios do combate eleitoral possam ter nessa evolução. Mais do que dar a ver uma série de instantâneos sobre as intenções de voto, como os que são captados pelas sondagens tradicionais, este tipo de metodologia projecta o filme da evolução das preferências do eleitorado, à medida que se desenvolve a campanha e se aproxima a data da eleição.
Não me tendo sido possível obter, em tempo útil, uma explicação da direcção do PÚBLICO sobre as razões da adopção desta metodologia, que contribuísse para uma ponderação das suas vantagens e desvantagens, julgo que vale a pena citar a chamada de atenção de um leitor. Reconhecendo que “o valor acrescentado que [as tracking polls] trazem sobre outros métodos é o de se concentrarem, não na determinação do nível de votação previsto, mas na evolução do sentido de voto entre dois momentos”, procurando “avaliar (…) quem sobe, quem desce, que temas ganham importância, quais os que a perdem, etc.”, o leitor Rui Feijó considera que não estarão a ser aproveitadas da melhor maneira as potencialidades desta metodologia.”Apesar de [o jornal] ter optado por este tipo específico de sondagem,” — escreve — “os textos de comentário que tem publicado a acompanhar os seus resultados detêm-se com grande ênfase no nível de votação previsto para cada um dos partidos — o que não é o elemento que estas sondagens melhor medem. É pena que se faça um esforço de sofisticação e não se acompanhe esse mesmo esforço com o rigor que a análise dos resultados destas sondagens exige, resvalando para comentários mais adequados a resultados obtidos por outro tipo de métodos”.
É uma opinião que valerá a pena ponderar em futuras iniciativas. Poderia pensar-se, por exemplo, em incluir nos inquéritos questões temáticas ou referentes a episódios significativos da campanha, que permitissem dar maior sustentabilidade ao esforço interpretativo que o PÚBLICO tem já vindo a fazer, associando acontecimentos ou declarações políticas específicas às evoluções positivas ou negativas das intenções de voto em cada partido, patentes nos gráficos que ilustram o “histórico” dos resultados desde a publicação da primeira sondagem.
Por outro lado, as características próprias destes inquéritos, ainda pouco comuns entre nós, deveriam, na minha opinião, ser claramente descritas nas fichas técnicas que acompanham as sondagens, tal como é feito com outros dados relevantes para a sua leitura, como a dimensão da amostra ou os factores que possam condicionar a sua representatividade, como, neste caso, o facto de o inquérito se limitar a possuidores de telefone fixo.
2. Passando ao rigor que deve ser exigido aos textos de comentário aos resultados das sondagens, o mesmo leitor adverte, com razão, que “o PÚBLICO tem vindo a assumir com alguma ligeireza que a maioria absoluta se obtém com 45% dos votos”. É, de facto, o que se lê em pelo menos dois desses textos, publicados, respectivamente, nas edições dos passados dias 14 e 17. Conhecida a importância que os cenários aritméticos sobre futuras maiorias parlamentares podem ter na determinação do voto individual — e em especial nas legislativas que se aproximam —, não é aceitável que se faça uma afirmação taxativa como esta, que se encontrava na edição da passada terça-feira: “Tendo em conta que uma maioria absoluta se consegue com 45 por cento dos votos, PSD e CDS não precisariam de mais nenhum partido para fazer passar os seus diplomas no Parlamento”.Como nota Rui Feijó, “é possível que até com 44% possa haver uma maioria absoluta de um só partido, mas as contas não se podem fazer da mesma maneira quando se está perante mais do que um partido”. Num sistema como o que vigora entre nós, em que a proporcionalidade global é afectada por haver apuramento de eleitos em 22 círculos de dimensão muito variável (dos 47 de Lisboa aos 2 de Portalegre), o que leva ao “desperdício” de muitos votos nos partidos de menor dimensão nos círculos mais pequenos, “não se pode somar a votação de dois partidos (sobretudo quando um deles não consegue converter votos em mandatos em muitos círculos eleitorais) como se dessa soma resultasse um aproveitamento completo desses votos”. É por isso, aliás, que “uma maioria absoluta, para ser obtida por dois partidos que não concorram coligados, exige mais votos do que se concorressem coligados”.
Sendo claro que uma maioria absoluta de deputados PSD+CDS, que foi o exemplo citado na peça do PÚBLICO, pode ser alcançada sem uma maioria absoluta de votos nesses dois partidos, o leitor acrescenta que a determinação de uma fasquia mínima (na votação nacional) para esse efeito é ainda prejudicada pela “imprevisibilidade derivada da distribuição do voto” entre essas duas forças políticas (“por exemplo, uma situação de PSD com 44% e CDS com 1% daria certamente mais deputados do que PSD com 35% mais CDS com 10%”). Tudo dependerá sempre da configuração dos resultados distritais, pelo que “um crescimento do CDS tanto pode ser benéfico [para a formação de uma tal maioria], se passar a eleger deputados em mais distritos, como nefasto, se o seu nível de votação não abrir novas portas e ‘roubar’ votos ao PSD na distribuição de mandatos”. Por isso, conclui Rui Feijó, “seria útil que o PÚBLICO fosse mais cuidadoso nas afirmações que profere sobre o nível de votação que ‘garante’ maioria absoluta — tema que é escaldante nas actuais eleições”.
O autor das peças em causa, Nuno Sá Lourenço, explica ter usado a referência aos 45% “como indicador”, por ter formado a ideia de que “esse valor é suficiente para se atingir uma maioria absoluta”. Confrontado com a crítica deste e de outros leitores, reafirma essa convicção após ter consultado “alguns especialistas”. Reconhece, no entanto, que “para tal é necessária uma conjunção de factores”, entre os quais o de “PSD e CDS conseguirem boas votações” em alguns dos maiores círculos. Ora, é precisamente essa “conjunção de factores”, que as sondagens nacionais aliás não contemplam, e ainda o facto de os dois partidos não concorrerem coligados, que concorre para uma imprevisibilidade que não autoriza a fixação rigorosa do limiar percentual de uma maioria absoluta.
3. Por trás desta falha está, naturalmente, uma confusão persistente acerca do processo de conversão de votos em mandatos. Como se a uma determinada percentagem nacional da votação popular correspondesse linearmente uma igual percentagem de eleitos no futuro Parlamento. E a verdade é que essa confusão não conduz apenas a exemplos de menor rigor informativo, como o que tenho vindo a referir. Pode mesmo levar a afirmações totalmente disparatadas.O leitor Carlos Queirós, que também fez notar que ” [não é] a mesma coisa um partido ou coligação terem 45% dos votos ou dois partidos somarem 45% e formarem uma coligação pós-eleitoral”, mostra como: “Afirmar desta forma peremptória que com 45% dos votos se garante a maioria absoluta permite que se tirem conclusões absurdas, o que o próprio artigo [PÚBLICO, 17.05] não deixa de fazer ao afirmar primeiro que, com estes resultados [da sondagem], uma coligação PSD-CDS teria maioria absoluta, e referindo mais adiante que também teria maioria absoluta uma coligação PS-CDU-BE”. Não fosse a impossibilidade aritmética, e esse seria de facto um cenário de crise inultrapassável, que ainda ninguém se atrevera a antever e que nenhum dispositivo constitucional poderia prevenir: o de um Parlamento em que coexistissem duas maiorias absolutas rivais…
O rigor informativo é sempre exigível, mas o que se escreve num período eleitoral obriga a uma atenção redobrada. E obriga à correcção rápida dos erros. Não só de atentados à lógica como o que acabei de citar, mas também de falhas de edição como a que levou a repetir, na secção “Distrito a distrito” da edição de 16.04, no quadro referente ao círculo de Aveiro, vários elementos respeitantes à peça da véspera sobre o círculo dos Açores.
José Queirós
Carta do leitor João Alvim
No Público de 14 de Maio, na primeira página e em destaque, mais uma sondagem. Do lado direito, como convém, os gráficos, do esquerdo um texto introdutório e dados sobre a mesma.Nesse mesmo texto, alguns dados da ficha técnica: foram contactadas 1029 pessoas, das quais 48% se recusaram a responder, o que, em contas redondas, dá 536 que não recusaram responder mas, destas, 21,2% “não responderam ou não souberam dizer «em que partido votariam»”, no que resulta, arredondando, 424 respostas. Consultando os detalhes da ficha técnica já no corpo do jornal lê-se:”A informação foi recolhida através de entrevista telefónica(…) A selecção de lares com telefone fixo foi efectuada de forma aleatória”. Ninguém pode negar que esta foi uma sondagem. Agora o que se questiona é o reduzidíssimo número de pessoas ouvidas e, ainda por cima, com telefone fixo, que é o que mais abunda actualmente nos lares portugueses… O que dá para pensar é se uma sondagem mirrada como esta, merece o destaque de primeira página. O que se conclui é que há objectivos políticos, e não de jornalismo isento, com estes simulacros, já que não é por acaso que os comentadores (os do costume, que enxameiam a comunicação social), comentam as mesmas e fazem juízes e sentenciam “tendências do eleitorado” a partir destas amostras (…).
Carta do leitor Carlos Queirós
(…) Detectei, estes últimos dias, vários casos em que há números que não batem certo. Nalguns casos, os erros são fruto da precipitação ou falta de atenção e da ausência de revisão e verificação, como é o caso do gráfico sobre Aveiro onde se mantinham alguns dados dos Açores (…). Mas há hoje [17.05] um caso que me parece mais interessante. (…) Trata-se da análise feita à sondagem sobre intenções de voto, onde a dado passo, para confirmar que as intenções de voto somadas no PSD e no CDS (acima dos 48%) garantem a maioria absoluta mesmo descontando a margem de erro da sondagem, se afirma que bastam 45% para garantir a maioria absoluta, como se o limiar da maioria absoluta não dependesse de uma série de factores ou como se fosse a mesma coisa um partido ou coligação terem 45% dos votos ou dois partidos somarem 45% e formarem uma coligação pós-eleitoral.
Afirmar desta forma peremptória que com 45% dos votos se garante a maioria absoluta permite que se tirem conclusões absurdas, o que o próprio artigo não deixa de fazer ao afirmar primeiro que, com estes resultados, uma coligação PSD-CDS teria maioria absoluta, e referindo mais tarde que também teria maioria absoluta uma coligação PS-CDU-BE.
Carta do leitor Rui Feijó
Sondagens são exercícios sérios de avaliação da opinião dos potenciais eleitores. O PÚBLICO deu recentemente um passo significativo ao aderir a uma nova metodologia, pouco (ou nada) usada entre nós (pelo menos na imprensa escrita): as “tracking polls”, Não vou discutir em detalhe o que diferencia este tipo de sondagens, mas claramente pode ser afirmado que o valor acrescentado que trazem sobre outros métodos é o de se concentrarem não na determinação do nível de votação previsto, mas na evolução do sentido de voto entre dois momentos. De forma simples: são um método que se destina a avaliar a evolução do eleitorado (quem sobe, quem desce, que temas ganham importância, quais os que perdem, etc.).
(…) Ora, apesar de ter optado por este tipo específico de sondagem, os textos de comentário que o PUBLICO tem publicado a acompanhar os seus resultados detêm-se com grande ênfase no nível de votação previsto para cada um dos partidos – o que não é o elemento que estas sondagens melhor medem. É pena que se faça um esforço de sofisticação e não se acompanhe esse mesmo esforço com o rigor que a análise dos resultados destas sondagens exige, resvalando para comentários mais adequados a resultados obtidos por outro tipo de métodos.
No que se refere a “especulação fundamentada”, há um outro dado que o PÚBLICO tem vindo a assumir com alguma ligeireza: que a maioria absoluta se obtém com 45% dos votos. É possível que até com 44% possa haver uma maioria absoluta de um só partido – mas as contas não se podem fazer da mesma maneira quando se está perante mais do que um partido. O que justifica que, num sistema teoricamente proporcional como o nosso, se obtenha uma maioria absoluta com 45% dos votos é a circunstância de não termos uma mas 20 eleições distritais, cada uma com o seu nível de “desproporcionalidade”. Se em Lisboa se elegem 47 deputados, uma votação na casa dos 2% nesse distrito garante um deputado (pode até dar 2…); mas em Portalegre, onde apenas se elegem 2, a percentagem necessária para eleger um deputado é muitíssimo superior e depende muito da distribuição entre os partidos: pode dar-se o caso de um partido com menos de 50% eleger os dois se os restantes votos forem distribuidos de modo regular por mais de 2 partidos (45 + 20 + 20 + 15).
Assim, é importante saber que alguns partidos “desperdiçam” votos que não convertem em mandatos. Veja-se o caso do CDS-PP, que em 2009 obteve mais de 70 mil votos (1,25% do total nacional) em distritos em que não elegeu um único deputado (Vila Real, Bragança, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora, Beja e Açores). Por isso cada deputado eleito do CDS-PP “custou” em termos nacionais 28.238 votos, enquanto ao PS cada deputado “custou” 21.420 votos e ao PSD 20.430 (menos que ao PS!…). O que se disse sobre o CDS poderia aplicar-se ao PCP e ao BE, que desperdiçam votos em distritos onde não elegem deputados
Esta situação explica porque é que não se pode somar a votação de dois partidos (sobretudo quando um deles não consegue converter votos em mandatos em muitos círculos eleitorais), como se dessa soma resultasse um aproveitamento completo desses votos – e porque é que uma maioria absoluta para ser obtida por dois partidos que não concorram coligados exige mais votos do que se concorressem coligados. Ou seja: acima de 45% se este for o nível para a maioria monopartidária.
É evidente que se pode dar o caso de a esquerda obter mais votos mas, por via da distribuição espacial desses votos, a direita conseguir mais deputados (e vice-versa – embora nas condições portuguesas de PSD + 1 à direita e PS+2 à esquerda, ser mais fácil a direita ganhar a maioria parlamentar mesmo com a esquerda maioritária no voto nacional).
Ou seja: há uma grande dose de imprevisibilidade derivada da distribuição do voto entre os vários partidos (p. ex: uma situação de PSD: 44% + CDS 1% daria certamente mais mais deputados do que PSD 35% + CDS 10%). O crescimento do CDS tanto pode ser benéfico para a direita (se passar a eleger deputados em mais distritos) como nefasto (se o seu nível de votação não abrir novas portas e “roubar” votos ao PSD na distribuição de mandatos): depende do nível que atingir! Daí que o crescimento do voto CDS não seja garantia de “soma positiva” com o do PSD.
Seria útil que o PUBLICO fosse mais cuidadoso nas afirmações que profere sobre o nível de votação que “garante” maioria absoluta – tema que é escaldante nas actuais eleições. Os excelentes contactos que o PÚBLICO tem com vários politólogos reputados deveria permitir maior rigor.
Explicação do jornalista Nuno Sá Lourenço
Uso esse valor [45%] como indicador. A ideia que formei, ao longo dos anos, é que por princípio esse valor é suficiente para se atingir uma maioria absoluta.
(…) Consultei alguns especialistas que me confirmam a minha posição. A partir dos 45 por cento torna-se possível uma maioria absoluta na AR. È certo que para tal é necessária uma conjunção de factores. Que têm que ver com os distritos em que CDS e PSD conseguiriam maior número de votos.
A saber, nos distritos com mais candidaturas em disputa, como por exemplo Lisboa Braga, Porto. No caso de PSD e CDS conseguirem boas votações nestes círculos, e por conseguinte, elevado número de deputados eleitos, não necessitariam de atingir os 50 por cento na votação nacional para conseguir o número de depurados na AR para assegurar maioria no Parlamento.E nesta situação é apontado como possível que tal se possa concretizar a partir dos 45 por cento.
Além disso, nos meus textos tenho tido o cuidado de, ao mesmo tempo que refiro a barreira dos 45 por cento, assinalar a prudência com que se devem ler os resultados. Desconto sempre, por exemplo, a margem de erro da sondagem. E quando admiti como possível essa maioria absoluta foi com valores acima dos 45 por cento.
Seria preferível, porventura, que estas questões em relação à barreira dos 45 por cento fossem mais exaustivamente descritas no texto da sondagem. Mas isso significaria que teria de usar o escasso espaço que já tenho, e assim deixar de fora outros dados da sondagem.
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Isto significa que se uma parte dos números da sondagem anterior serve para a elaboração da seguinte, se reduz a taxa possível de variação de uma para outra. Ou seja, não reflectem a evolução semanal, mas sim ao longo da totalidade do período. Mais importante do que isso seria conhecer o modo como são feitos os inquéritos. Recentemente li, na ficha técnica de uma destas sondagens, que elas eram feitas por telefone fixo… que eu e a maior parte das pessoas que eu conheço já não temos há anos!!!