A “geração à rasca” e as Relações Internacionais
O destaque que o PÚBLICO dedicou, na edição de 13 de Março de 2011, à manifestação da chamada “geração à rasca” incluía um comentário da socióloga e escritora Maria Filomena Mónica, intitulado “Os mitras, os boys e os betos“. Uma passagem desse texto (“Os promotores da manifestação de ontem são todos licenciados em Relações Internacionais. Isto habilita-os a quê? Alguém se deu ao trabalho de olhar o conteúdo destes cursos? Os docentes que os regem sabem do que falam? Duvido.“) suscitou protestos de vários leitores, que consideraram pouco abonatória a referência aos cursos universitários em questão.
Como provedor do leitor, não faz parte das minhas competências pronunciar-me sobre o conteúdo de textos de opinião, como é o caso do referido artigo. Noto apenas que, tratando-se de uma reflexão sobre as relações entre educação e desenvolvimento, certamente motivada pelos temas associados à manifestação, mas não propriamente de um comentário sobre a própria manifestação (como a sua paginação no destaque noticioso parece indicar), teria sido preferível publicar este artigo na zona que o jornal dedica aos textos de opinião. Aqui ficam excertos das mensagens dos leitores que protestaram contra a referência da autora aos cursos de Relações Internacionais:
1) Taxa alta de empregabilidade
Enquanto socióloga, a dra. Maria Filomena Mónica deveria saber que hoje em dia é exigido aos jovens, nos seus empregos, versatilidade e domínio de várias áreas do conhecimento. Já não temos “empregos para a vida”. Neste cenário, parece-me extremamente importante que existam cursos como o de Relações Internacionais. É um curso com uma formação transversal – nas áreas do direito, ciência política, economia e gestão, que permite aos seus alunos compreender o mundo, abrir horizontes e ter uma perspectivada integrada dos vários domínios. Também a globalização e a crescente interdependência (política, económica e de segurança) do Estado e das empresas exige que os seus quadros compreendam as dinâmicas internacionais e que sejam capazes de criar pontes de cooperação, negócios e de partilha de conhecimentos. É claro que, como em todos os cursos, há Universidades que oferecem cursos de R.I. de fraca qualidade. Contudo, tive a sorte de estudar na Universidade [do Minho] e conhecer um corpo docente com uma excelente formação e com competência académica reconhecida internacionalmente. A taxa de empregabilidade deste curso é alta. Em nota de informação, o Núcleo de Investigação em Ciência Política e Relações Internacionais – NICPRI – foi avaliado com a nota de excelente pela FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) em 2010; o curso de Relações Internacionais da Universidade do Minho foi avaliado por um grupo de peritos europeus com a classificação de 5 estrelas (nota máxima).
14.03.11
Pedro Santana Cepeda
2) “Uma ofensa”
Este artigo é uma ofensa, um verdadeiro insulto a uma geração que ainda não teve tempo de provar o seu valor, nem teve sequer oportunidade disso. Mais, para mim, licenciado em Relações Internacionais, é um insulto pessoal (…).
14.03.11
Rui Pedro Melo
3) “Tentativa de diminuir”
(…) Se a autora não sabe o que são as Relações Internacionais deveria abster-se de comentários. (…). Todo o artigo é um insulto e uma tentativa de diminuir o outro (…).Como jornal de referência, que dedica muitas das suas primeiras páginas aos problemas das Relações Internacionais, e bem, deveria existir uma selecção mais criteriosa de quem opina/escreve.
14.03.11
Filipe Alves
4) O curso de Obama
Muito se tem dito acerca das sábias palavras proferidas pela dra. Maria Filomena Mónica em relação à manifestação da “Geração à Rasca”, palavras essas que, apesar de todas elas serem bárbaras, tiveram o seu auge quando se dirigiram especificamente a um curso superior! Para quem não sabe (e há mesmo muita gente que não sabe), o curso de Relações Internacionais é um dos cursos mais prestigiados na maioria dos países mais desenvolvidos do mundo, como é o caso dos EUA (o Presidente Obama tem o curso de Relações Internacionais), Reino Unido, França, etc. Em todos esses países, as pessoas que ocupam cargos mais elevados, as pessoas que tomam as decisões, quer a nível de política interna, como a nível de política externa, têm que ter necessariamente uma formação na área de Ciência Política ou de Relações Internacionais. O problema é que no nosso país não é assim, as pessoas que “comandam” a política nacional não precisam de ter uma formação na área, basta que sirvam os interesses dos partidos que representam. (…) É verdade que há muitas Universidades em Portugal que deixam muito a desejar, e que há uma abundância de cursos em todas as áreas, mas eu, como aluna do 3º ano da licenciatura de Relações Internacionais na Universidade do Minho, uma das mais prestigiadas do país, venho aqui mostrar a minha indignação contra uma senhora que, de longe, conhece a intencionalidade deste curso! (…) O pior nem é banalizar um curso superior, pior que isso é banalizar os seus docentes, pessoas que, no caso da Universidade do Minho, ocupam ou ocuparam maioritariamente cargos importantes na UE, ONU e embaixadas (…).
15.03.11
Cátia Helena Gonçalves Morais
(3º ano da Licenciatura em Relações Internacionais, Universidade do Minho)
5) “Mitras”
O grande erro detectado, e imperdoável a uma pessoa como Maria Filomena Mónica, é o uso da palavra “mitra” para descrever uma classe de jovens. Porventura, e se fosse possível, seria justo perceber o que é um “mitra” para Maria Filomena Mónica, sem ser um jovem que tem pais a fazer sacrifícios para os manter nas universidades. Os boys e os betos, como são descritos por Maria Filomena Mónica, parecem-me mais mitras, do que os outros que são chamados como tal.
15.03.11
Vítor Augusto
6) Resposta às interrogações de Maria Filomena Mónica
(…) No seu comentário a autora mostra uma total e absoluta falta de consideração pelos bons cursos de Relações Internacionais que existem no país, assim como desconhecimento sobre a referida área. (…) Não se percebe o porquê dessa referência, já que actualmente a larga maioria dos cursos das ciências sociais se encontra em igual ou pior situação.
(…) Listo as respostas às interrogações da autora:
1º- À questão: “Isso habilita-os a quê?” Considerando o caso específico, habilitou os autores à mobilização de milhares de cidadãos para que estes expressassem o seu descontentamento face às suas condições actuais. Saliente-se que esta manifestação foi uma lição de democracia porquanto se desenrolou dentro das leis na República Portuguesa e não foram registados quaisquer desacatos ou quaisquer actos de violência. De uma forma mais ampla os licenciados de RI são habilitados para funções em organizações internacionais, instituições da UE, diplomacia, departamentos de interface externo de empresas privadas, departamentos de assessorias de relações internacionais de ministérios e outros organismos públicos e organizações não governamentais (…).
2º – À questão: “Alguém se deu ao trabalho de olhar o conteúdo destes cursos?”. A autora desconhece e/ou faz de conta desconhecer que existem variadíssimas opções em termos de cursos de relações internacionais pelo que cada caso é um caso. Mais se acrescenta que dentro de cada curso há possibilidade de escolher vários conteúdos. Exemplifico com o curso de RI da Universidade do Minho, do qual sou orgulhosamente licenciado. De entre as áreas científicas cobertas por este curso estão: Ciência Política e Relações Internacionais, Economia, Direito, Filosofia e Línguas Vivas. Estas são as áreas obrigatórias para todos os estudantes, em termos de áreas opcionais o leque alarga-se para: Administração Pública, Marketing, Comunicação Social, Negociação e Estudos de segurança e Defesa. Isto parece-me ser um conteúdo muito bom para um curso que se pretende multidisciplinar (…).
3º – À questão: “Os docentes que os regem sabem do que falam?”. Muito sucintamente: sim. Com efeito, os docentes de RI da Universidade do Minho são altamente qualificados nas áreas que leccionam (…).Sei que foquei apenas um curso, mas a generalidades só se pode responder com casos concretos (…) Adianto, ainda, que o curso de RI é fruto da democracia, já que só em democracia é possível analisar os diversos sistemas, pensamentos e atitudes políticos (…).
Quanto à análise que [Maria Filomena Mónica] faz da geração actual, referir que a mobilidade social é um mito é um completo disparate e um contra-senso. Ora se os filhos dos sapateiros e empregadas de limpeza entram nas universidades, ao lado dos filhos dos doutores e engenheiros, não quer dizer que há uma maior igualdade de oportunidades? Não quer dizer que a mobilidade social é possível? (…) Como socióloga que é esperava que reflectisse sobre os problemas pessoais e profissionais que hoje se enfrentam como: Pode um casal de 30 anos ter filhos e garantir-lhes estudos? Pode um casal simplesmente casar? Pode alguém escolher viver onde foi criado? Pode alguém com 30 anos e que trabalhe há 10 anos viver fora de casa dos pais? Estas seriam as reflexões que esperava de uma socióloga!
(…) O problema dos desempregados licenciados não é um problema desta geração, é um problema do país, de todas as gerações. A comunicação social tem a responsabilidade de alertar para o facto de ser necessário capital humano de qualidade, massa crítica de qualidade para o desenvolvimento do país. Perder tempo com comentários do tipo dos publicados pelo seu jornal é contraproducente e pode criar a ilusão de que não vale a pena estudar, o que é errado (…).
15.03.11
João A. Silveira
(Licenciado em Relações Internacionais, desempregado)
7) A utilidade do curso
(…) No seu artigo a dra. M. F. Mónica parece afirmar que os licenciados, mestrados e doutorados em Relações Internacionais não estão habilitados para nada (“Os promotores da manifestação de ontem são todos licenciados em Relações Internacionais. Isto habilita-os a quê?”) o que é absolutamente ridículo e uma ofensa pessoal para todos nós. A seguir passa para o insulto aos docentes de Relações Internacionais (“Alguém se deu ao trabalho de olhar o conteúdo destes cursos? Os docentes que os regem sabem do que falam? Duvido.”). Estas palavras (…) são um insulto generalizado a uma área científica que é reconhecidamente das melhores e mais conceituadas do país. (…) Passo a enumerar algumas áreas visadas no Programa de R.I. (neste caso do curso de R.I. da Universidade do Minho):
* Economia – Os alunos de R.I. têm formação na área económica, do comércio internacional, e do marketing.
* Administração Publica – Formação sobre as questões legais e funcionamento da administração pública.
* Ciência Politica – No nosso país não se dá grande valor à ciência politica, mas nos países mais desenvolvidos é necessária uma formação em Ciência Política para exercer cargos políticos de relevo. Os alunos de R. I. são dos poucos em Portugal que têm essa formação…
* Direito – Formação em áreas como Direito Internacional, Diplomático ou Consular. Portugal tem milhares de comunidades espalhadas pelo mundo. Os licenciados em R.I. são dos que melhor podem defender os interesses dessas comunidades pois têm a formação necessária para o fazer.
* União Europeia e Organizações Internacionais – O curso de R.I. prepara os seus educandos com a formação necessária para exercer um cargo nas mais prestigiadas organizações do mundo. Existe formação sobre as Organizações, os seus membros, as instituições que lhes estão ligadas, a sua concepção jurídica, a sua área de actuação, entre vários outros campos.
* Defesa – Além da formação em áreas como estratégia e geopolítica, o curso de R.I. aprofunda os conhecimentos dos seus educandos ao nivel da Defesa Nacional (o anterior ministro da Defesa, Nuno Severiano Teixeira, é graduado em Relações Internacionais , por exemplo…), tambem a defesa na UE e as várias organizações de defesa existentes no âmbito regional e global (NATO, ONU) são alvo de formação para os estudantes de R.I.
* O curso de R.I. abrange ainda áreas como a Comunicação Social, Política Internacional e Integração Regional, além de disponibilizar uma formação num variado leque de línguas estrangeiras, que inclui Inglês, Francês, Espanhol, Russo, Árabe…
Mas a melhor parte do curso de R.I. é a formação pessoal. Com uma área tão abrangente como são as Relações Internacionais como pano de fundo, as pessoas formadas neste curso ficam com um conhecimento cultural muito acima da média, pois as relações internacionais existem em todas as áreas e a todos os níveis e este curso deixa os seus formandos preparados para trabalhar a qualquer nível dessas relações (…) Espero ter dissipado as dúvidas (se alguma vez existiram…) quanto à utilidade do curso (…).
18.03.11
Tiago José Caseiro
(Licenciado em Relações Internacionais pela Universidade do Minho)
8) Relações Internacionais e Sociologia
(…) Tenho 34 anos e sou aluna do curso de Línguas e Relações Internacionais da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e venho por este meio mostrar o meu total repúdio em relação ao artigo [de] Maria Filomena Mónica. Se ela não sabe, talvez não lhe fizesse mal nenhum pesquisar sobre os conteúdos programáticos da Licenciatura que atrás referi. Entre as várias disciplinas que integram esta Licenciatura, está a de Introdução à Sociologia, área em que a referida senhora parece ser especializada, mas estão também disciplinas de Direito, História, Economia etc. Quero também referir que a média de entrada no meu curso é de 17,3 valores, e que o número de vagas é muito limitado, não ultrapassando as 50. Achei este artigo de uma presunção e prepotência atroz (…). Talvez não fosse mau de todo lembrar à dra. Maria Filomena Mónica que há 30 anos atrás o curso de Sociologia praticamente não era reconhecido em Portugal (…). Ao contrário do que foi escrito, e a dra. Maria Filomena Mónica generalizou ao utilizar a palavra “todos”, não somos filhos de famílias ricas, chegamos à Universidade pelos mesmos meios que todos os outros, não temos cunhas, e temos de estudar muito para alcançar os objectivos a que nos propusemos (…).
19 de Março de 2011
Benilde Maria Pinto