Cultura, espectáculos e território



(Crónica da edição de 6 de Março de 2011)

Esta é uma queixa que, à partida, parece estranha. O leitor José Albino Nogueira, de Vila Nova de Gaia, leu a notícia que no passado dia 21 de Fevereiro o PÚBLICO dedicou, na secção Local da sua edição Porto, à abertura do 31º Fantasporto, que hoje chega ao fim nas salas do Teatro Rivoli. Leu e protestou, não para objectar a qualquer passagem do texto, mas para se insurgir “contra a opção editorial de colocar (…) na secção Local” o texto sobre o conhecido festival de cinema portuense.

Argumentando que o Fantasporto será “o festival de cinema português mais conceituado no estrangeiro”, que “é único no género”, um “dos mais antigos” e “dos que tem mais público”, sendo procurado “por espanhóis e estudantes Erasmus”, e além do mais “não é em Lisboa (razão para celebrarmos a descentralização cultural)”, este leitor sublinha que “o PÚBLICO tem feito uma cobertura exaustiva de outros dois grandes festivais de cinema: Doc Lisboa e Indie Lisboa” e “dado a devida atenção a outros mais antigos”, que enumera. “Coloca-os”, refere, “na secção Portugal, no P2 e Ípsilon”. E pergunta: “Mas então porque não fazer o mesmo com o Fantasporto?”. Conclui sugerindo que se trata de uma “discriminação”, que reflectiria “o velho aforismo” segundo o qual “Lisboa é Portugal, o resto é paisagem”.

Dois dias depois, em nova mensagem, comentava que “o copo entornou”. Referia-se, já não ao cinema, mas à publicação, na mesma secção Local, de uma notícia sobre um acontecimento que considera de importância “nacional e internacional” no âmbito do sector vinícola: o certame “Essência do Vinho”, que também hoje encerra no Porto a sua 8ª edição.

José Albino Nogueira vê a paginação destas peças na área do noticiário Local como sintomas do que chama um “complexo centralista”. Será assim? Terá na verdade alguma importância discutir em que página ou secção surge uma determinada notícia, quando o essencial será encontrá-la no jornal? Creio que a resposta passa por analisar duas ideias sugeridas pelo raciocínio do leitor: a de que o PÚBLICO tenderia a desvalorizar acontecimentos, nomeadamente de índole cultural, exteriores à região de Lisboa, e a de que a secção Local seria uma área menos importante ou menos nobre do jornal. Penso que a primeira é uma questão em aberto, que vale a pena discutir. E que a segunda corresponde a uma percepção errada, que o jornal deveria aliás combater de forma mais efectiva. Vamos por partes.

O PÚBLICO é certamente o diário português em que o jornalismo cultural, atento ao que se passa no país e no mundo, tem mais forte expressão. É reconhecido e apreciado por essa opção editorial, que está em sintonia, tudo o indica, com os interesses dos seus leitores. No plano nacional, é uma evidência que o espaço dedicado a espectáculos e acontecimentos culturais na área de Lisboa é esmagadoramente superior ao que é concedido ao que se passa no resto do país. E é natural que assim seja: este é de facto um país altamente centralizado, e as actividades culturais não são excepção.

Há pois, nesta matéria, uma diferença quantitativa que se limita a espelhar a realidade. Resta saber se ela esconde uma falta de equidade no serviço prestado pelo jornal ao conjunto da sua audiência, que, ao contrário do que é regra nos diários, se reparte equilibradamente entre o norte e o sul do país, e terá perfil e interesses semelhantes. A avaliar pelas mensagens que recebo sobre este tema, com queixas sobre a omissão ou a desvalorização de acontecimentos na metade norte do país, uma parte dos compradores da edição Porto pensará que sim, que o PÚBLICO não dá a atenção suficiente nem afecta os recursos necessários à vida cultural que lhes é mais próxima ou aos espectáculos relevantes, e já de si escassos, a que podem de facto assistir na região onde vivem. A espelhar de novo a realidade — a da oferta cultural, mas também a dos recursos mediáticos —, registo que são mais frequentes as reclamações de leitores de Braga, Guimarães ou Coimbra, por exemplo, do que as que têm origem, como neste caso, na área do Porto.

No caso da presente edição do Fantasporto, e sem conhecer ainda a matéria eventualmente dedicada às sessões finais e à tradicional entrega dos prémios, verifica-se que o jornal antecipou as linhas gerais da programação nas suas páginas nacionais e deu depois pouca atenção e nenhum acompanhamento crítico à evolução do festival, que durou duas semanas e mostrou “uma selecção de três centenas de filmes”, apresentando-se, nas palavras do jornalista Sérgio C. Andrade, “como espelho da mais recente produção cinematográfica mundial no domínio do fantástico”. A peça citada pelo leitor, de que extraí a citação antecedente, destinava-se essencialmente a apresentar o programa “dos quatro dias que antecedem o início das secções competitivas” e foi publicada no Local Porto (e em forma resumida na edição Lisboa). Quatro dias depois, uma notícia no caderno P2 antecipava a fase de competição, e três dias mais tarde, de novo no Local (e apenas na edição Porto), reportava-se, ao fim da primeira semana da mostra, a já habitual grande afluência de público às sessões do festival.

Tudo somado, pode concluir-se que o investimento editorial foi fraco e discutir-se se foi o adequado. Admitindo que esta é “matéria de grande sensibilidade”, o director adjunto Manuel Carvalho garante que o facto de se tratar de um festival que decorre no Porto “não implica, por isso, qualquer tipo de discriminação”. Assegura que “os grandes eventos culturais da cidade (…) têm no PÚBLICO um tratamento semelhante aos que ocorrem (…) em Lisboa ou qualquer outra cidade do país”. E coloca o problema no plano da relevância jornalística.

Reconhecendo que o Fantasporto “é um sucesso em termos de público” e “um importante factor de animação cultural da cidade, o que justifica a atenção da secção Local”, o director adjunto explica a opção do jornal: “O relevo concedido a eventos culturais depende não apenas do seu sucesso junto do público, mas também da sua importância artística, ou cultural. Não se pode ignorar um festival de relevância cultural discutível que mobiliza 100 mil pessoas, como tem de se valorizar um acontecimento de evidente valor artístico que convoca 200 ou 300. (…) Se até 2004/2005 o Fantasporto era, de facto, um festival de impacte nacional e internacional (e nesses anos era inclusivamente primeira página do suplemento ípsilon), nos últimos anos, no nosso entendimento, foi perdendo parte desse fulgor”.

Fica explicada com clareza a opção editorial. É legítima e cabe aos leitores julgá-la. Por mim, noto que haveria outras formas de a afirmar, a começar pela aposta no acompanhamento crítico do festival. Julgo que o seu “sucesso em termos de público”, não sendo determinante no plano da avaliação artística, justificaria uma cobertura que fosse além da apresentação rotineira do programa e das notas de reportagem sobre a procura de bilhetes. E penso que não deveria ser subestimado o factor de proximidade territorial que está aqui presente para uma parte muito significativa dos leitores. Segundo me informa a direcção, a edição Porto representa quase metade (45%) das vendas do jornal impresso, e esse facto deverá pesar nas escolhas editoriais.

Finalmente, e regressando à queixa do leitor, a secção Local não é um espaço menor do jornal. Faz parte da matriz editorial do PÚBLICO dar às notícias de proximidade, sobretudo nas grandes áreas metropolitanas, o tratamento próprio de um jornal de referência. Mas faz igualmente parte dessa matriz — e portanto da natural expectativa dos que fizeram deste o “seu” jornal — a comunicação sem barreiras entre regiões. No caso de um festival de cinema, faz pouco sentido que o espaço territorial onde decorre seja um critério que, no plano da paginação, prevaleça sobre o interesse que o tema pode despertar a leitores de todo o país. A publicação de peças sobre o Fantasporto no Local, para além de poder contrariar hábitos de leitura, significa sobretudo que essas notícias não chegarão (a não ser, por vezes, em forma de resumo) a um pouco mais de metade dos leitores. Que o facto possa causar estranheza é tanto mais compreensível quanto é a própria reportagem do PÚBLICO que dá conta, em notícia só publicada a norte, de que abundam nas bilheteiras do festival os cinéfilos vindos do sul.

José Queirós

Documentação complementar

Primeira carta do leitor José Albino Nogueira



Na qualidade de leitor assíduo do Público venho por este meio protestar veementemente contra a opção editorial de colocar a notícia da abertura do festival de cinema Fantasporto na secção Local. Por várias razões:

1. O Fantasporto é o festival de cinema português mais conceituado no estrangeiro;

2.É único no género;

3. É dos mais antigos;

4. É dos que tem mais público (senão o que tem mais);

5. Parte do público é constituído por espanhóis e estudantes Erasmus, o que contribui para a projecção da cidade (e do país) no estrangeiro;

6.Não é em Lisboa (razão para celebrarmos a descentralização cultural).

O jornal Público tem feito uma cobertura exaustiva de outros dois grandes festivais de cinema: Doc Lisboa e Indie Lisboa. Tem dado a devida atenção a outros mais antigos como o Festróia, Cinanima e Curtas de Vila do Conde. Coloca-os na secção Portugal, no P2 e Ípsilon. De acordo. Merecem-no. Mas então, porque não fazer o mesmo com o Fantasporto? Não quero acreditar que seja porque o festival acontece no Porto! A ser assim, que saloiice da vossa parte! Que descriminação mais bacoca!

Espero que rectifiquem a vossa posição em futuras reportagens sobre este grande Festival de Cinema português (o sublinhado é meu). Se não o fizerem, mostram que, infelizmente, hoje em dia, ainda é verdade o velho aforismo: Lisboa é Portugal, o resto é paisagem. Para vossa vergonha!

21 de Fevereiro de 2011

José Albino dos Santos Nogueira

Perosinho -V.N.Gaia


Segunda carta do leitor José Albino Nogueira



Bem, hoje então, o copo entornou. Com que então a Essência do Vinho, simplesmente o maior evento nacional e internacional do sector vinícola merece uma referência no Local?! Já só me dá vontade de rir tanta saloiice e complexo centralista!

23 de Fevereiro de 2011

José Albino Santos Nogueira

Perosinho – V.N. Gaia





Esclarecimento do director adjunto Manuel Carvalho



A atenção concedida aos eventos culturais é, por regra, matéria de grande sensibilidade. Nem sempre é possível escolher argumentos incontestáveis para justificar a atenção editorial que se concede a um festival, por exemplo, e a omissão a que se vota outro similar.

Neste particular, a Direcção Editorial, os editores e os jornalistas de cultura consideram que o relevo concedido a eventos culturais depende não apenas do seu sucesso junto do público, mas também da sua importância artística, ou cultural. Não se pode ignorar um festival de relevância cultural discutível que mobiliza 100 mil pessoas, como tem de se valorizar um acontecimento de evidente valor artístico que convoca 200 ou 300.

No caso do Fantasporto, não há dúvidas que o festival é um sucesso em termos de público e é por isso que a sua apresentação foi objecto de notícias nas páginas nacionais do Público; não há dúvidas também que a sua agenda é um importante factor de animação cultural da cidade, o que justifica a atenção da secção Local. Mas além do interesse que suscita, o Fantasporto é, na nossa avaliação sempre discutível, um festival com um impacte cultural e artístico menos consensual que o Curtas de Vila do Conde ou o DOC Lisboa, por exemplo. Se até 2004/2005 o Fantasporto era, de facto, um festival de impacte nacional e internacional (e nesses anos era inclusivamente primeira página do suplemento ípsilon), nos últimos anos, e, uma vez mais, no nosso entendimento, foi perdendo parte desse fulgor.

O facto de o Fantas ser um festival que decorre no Porto não implica, por isso, qualquer tipo de discriminação. O essencial das suas propostas é noticiado nas páginas nacionais, mas há uma fortíssima componente local que é acolhida no espaço respectivo. De resto, os grandes eventos culturais da cidade e as suas principais instituições têm no Público um tratamento semelhante aos que ocorrem nas suas congéneres de Lisboa ou de qualquer outra cidade do país.

Nem sempre se consegue a melhor opção sobre o relevo ou a secção em que um determinado tipo de evento deve ser publicado, é facto. Mas essa susceptibilidade ao erro acontece tanto no Porto como em Lisboa. De resto, a Direcção Editorial do Público concede a esta questão particular importância pelo facto de o Público ser o único diário verdadeiramente nacional, com cerca de 55 das suas vendas na edição Lisboa e 45 por cento na edição do Porto.

Finalmente, quanto à Essência do Vinho, a notícia a que o leitor se refere diz apenas respeito à primeira apresentação do programa do evento. Em anos anteriores, fizeram-se sobre ele notícias e/ou reportagens no suplemento Fugas. E essas notícias e/ou reportagens tiveram o mesmo destaque que as concedidas ao Encontro com o Vinho, que decorre em Lisboa e é, no contexto nacional, um evento com a mesma ou mais importância que a Essência do Vinho.

24 de Fevereiro de 2011

Manuel Carvalho





Terceira carta do leitor José Albino Nogueira



(…) É bom e necessário que um assunto tão importante como a equidade (ou iniquidade) de tratamento em Portugal das suas diversas regiões por parte do Poder Político central ou dos media “ditos” nacionais seja discutido, por muito polémico que seja.

A propósito, gostaria que [visse] um artigo no Fugas de hoje intitulado “Provar Portugal, também a Norte”. Não faço comentários. Depois da saloiice do programa “Allgarve”, o programa Provar Portugal ignora completamente a culinária que se faz a Norte!

De facto há dois países em Portugal: Lisboa, com as suas ramificações no Alentejo (montes para fins-de-semana) e no Algarve (casas de praia) e o resto do país, nomeadamente o que aí em baixo apelidam de Norte, apesar de aqui em cima ninguém se identificar com esse epíteto: somos portuenses, minhotos, durienses ou transmontanos e cada vez estamos mais próximos da Galiza e mais distantes da capital do Império (…).


12 de Março de 2011

José Albino Nogueira

Perosinho-V.N.Gaia

Um comentário a Cultura, espectáculos e território

  1. Ilmo.Senhor Provedor
    Peço a V.Exª.para que o povo Português não seja enganado,verifique o programa emitido pela TVI “Somos Portugal” no passatempo para ser atribuído um prémio de 20.000E e um carro, custo de 0,60€ + IVA, o vencedor de hoje 16/11/14 é natural da Reboleira-Amadora,não efectuou qualquer chamada para o referido passatempo,tinha chegado a casa naquele momento,nunca concorreu,vergonhoso,estão a valer-se da miséria dos Portugueses, assuntos destes já se verificaram anteriormente,o apresentador Nuno Eró ficou apavorado,sem palavras.Sr.Provedor acabe com essa maladrice a bem de todos os que gastam o seu dinheiro na esperança de dias melhores.Um abraço.

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