(Crónica da edição de 21 de Novembro de 2010)
1. “Príncipe William vai casar-se na Primavera ou no Verão”, anunciava a edição on line do PÚBLICO na passada terça-feira. “Foi com o anel de Diana que William pediu Kate em casamento”, lia-se no dia seguinte na capa do jornal, remetendo para uma notícia, no caderno P2, sobre o noivado que acabava de ser confirmado pela casa real britânica.
Erro, diz o leitor F. Pinto dos Santos. E explica: “Se a rainha é Isabel II e se o seu filho é o príncipe Carlos, o filho deste é o príncipe Guilherme e não ‘William'”. Ou não saberá o jornal, interrogava, ” que os nomes dos membros das casas reais são (…) sempre traduzidos?”.
William ou Guilherme? A dúvida assaltou a jornalista Rita Siza, quando redigia a peça sobre o noivado do príncipe: “Coloquei a questão às editoras do P2, que me explicaram que havia uma regra, vertida no Livro de Estilo, estabelecendo que se utiliza o ‘uso corrente’ do nome, e que no caso esse era William e não Guilherme”. A editora Andreia Sanches, por quem passou o texto, consultara a equipa de copy desk do jornal e ouvira a opinião de que o normal seria “adoptar a designação que é mais corrente”, o que levaria à opção por William, ao contrário do habitual aportuguesamento — pelo mesmo critério de ser “mais comum” — dos nomes do pai (Carlos) e da avó (Isabel) do príncipe. Numa rápida pesquisa, constatou que o número de referências a “príncipe William” na imprensa nacional era duas vezes superior ao das menções a “príncipe Guilherme”.
Esse resultado, que não nos diz necessariamente qual é a opção dominante na comunicação social portuguesa, mostra que a questão não é pacífica. E nem sequer é pacífica na redacção do PÚBLICO. Aurélio Moreira, da equipa de copy desk (à qual cabe, entre outras, a tarefa de zelar pela harmonização de critérios na grafia dos nomes), concorda com a observação do leitor Pinto dos Santos, e lembra que “a regra antiga (…) era a de que se atribuía aos membros das famílias reais os nomes correspondentes em português”. E desfia os exemplos: Beatriz da Holanda, Balduíno da Bélgica, Carolina ou Estefânia do Mónaco, entre muitas outras figuras, vivas ou já desaparecidas, das monarquias europeias. Recorda apenas, como excepções, o espanhol Juan Carlos (talvez “por ter vivido em Portugal em criança e a imprensa se ter habituado a grafar desse modo o seu nome”) e o monegasco Rainier (por eventual dificuldade “de se encontrar um nome correspondente em português”). Na sua opinião, “fontes de noticiário social maioritariamente escrito em inglês” e o “desconhecimento” da norma por redactores mais jovens terão contribuído para o crescente esquecimento da “regra antiga”, “criando situações de incoerência” como a que “o leitor assinalou”. Conclui propondo que o PÚBLICO “reponha a coerência”, “admitindo apenas (…) as grafias de príncipe Guilherme e Henrique (Reino Unido), princesa Letícia (Espanha) e princesa Catarina, quando esta se casar com o príncipe Guilherme, uma vez que o seu nome não é Kate Middleton, mas Catherine Elizabeth Middleton, sendo Kate um diminutivo de Catherine”.
Manuela Barreto, também com funções de copy desk, não vai tão longe (“soa-me estranhíssimo traduzir Kate Middleton por Catarina”), mas aceita “que se escreva príncipe Guilherme em vez de William” (o que é “coerente com Isabel e Carlos”). Se no caso em apreço aconselhou a segunda opção foi porque “há que ter em conta o uso”, ” evitando ir contra o que os falantes vêm interiorizando”. “A cultura anglo-saxónica”, refere, “vem exercendo um domínio e uma contaminação/evolução da língua (organismo vivo) que em alguns casos não me parece que valha a pena contrariar”.
Por mim, penso que o mais importante é que o jornal siga um critério bem definido neste domínio, quer prevaleça, como tem acontecido, a tendência mais pragmática que invoca o “uso corrente”, quer se revalorize a norma tradicional em nome da “coerência”. Mas faço notar que o argumento do “uso corrente” é de tipo circular: quem produz hoje esse “uso” no que toca a nomes próprios como os das famílias reais é, em primeiro lugar, a própria comunicação social.
O Livro de Estilo deste jornal prevê que “nos nomes estrangeiros, a regra é respeitar a grafia original do nome de personagens vivas ou de um passado recente (…), mas adoptar a forma aportuguesada para figuras históricas”. O que é sensato mas neste caso não ajuda muito, já que na primeira linha das excepções à regra se encontram precisamente a maioria das cabeças coroadas da Europa e os seus parentes próximos. Falo da Europa porque o que está aqui em causa é a tradição de adaptar a cada língua (em concreto, a idiomas com um sistema de escrita comum e fortes relações de familiaridade entre si, no mesmo espaço cultural e histórico de matriz cristã) os nomes próprios de reis e outras figuras de relevo. Como tantas outras, é uma tradição que poderá não resistir à pressão globalizadora, à sociedade da comunicação instantânea e à hegemonia da língua inglesa. Não é por acaso que a tradução de antropónimos nas línguas europeias quase só subsiste em relação às figuras que hoje encabeçam instituições de longa continuidade histórica, como as monarquias dinásticas ou o Papado.
É essa dimensão de continuidade que devemos ter em conta quando falamos de William Arthur Philip Louis of Wales, possível futuro monarca do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. Sendo Gales um topónimo de tradução incontestada, não parece muito coerente chamar-lhe William de Gales. Nem mais tarde William, príncipe de Gales, se o noivo de Kate (ou Catarina) vier a sê-lo, como acontecerá se o pai for coroado. Nem, ainda mais tarde, William V, se e quando for ele o rei de Inglaterra, uns dois séculos depois de Guilherme IV.
Sei que a imprensa portuguesa é das mais vulneráveis à rápida adopção de expressões inglesas (veja-se como a sigla OTAN tem resistido melhor em outros países de língua latina) e não vejo aí motivo para desgosto melancólico. Mas inclino-me, como o leitor, a pensar que não faz sentido “desaportuguesar” os nomes da realeza britânica a partir do sucessor de Isabel II (ou de Carlos III). E menos sentido ainda teria uma coerência retroactiva. Passaríamos a chamar William, o Conquistador, ao mais célebre dos homónimos antecessores do jovem príncipe? E Edward VII ao conhecido parque lisboeta?
Guilherme, pois. E Catarina, quando for princesa.
2. Aung San Suu Kyi foi descrita como “a mais famosa dissidente” da Birmânia na titulagem da peça, assinada por Francisca Gorjão Henriques, com que o PÚBLICO noticiou no passado domingo a libertação da dirigente histórica da oposição ao regime birmanês.
Erro, considera o leitor J. Eduardo Brissos. Que explica: “Suu Kyi é a líder da oposição e resistência à ditadura militar da Birmânia. Dissidente é ‘o que sai de um determinado grupo ou organização (p.ex. política, religiosa), por divergir de seus princípios, ideias, doutrinas, métodos, etc.’ (Dicionário Houaiss). Ora Aung San Suu Kyi nunca pertenceu nem apoiou de qualquer forma a ditadura militar que (…) oprime e reprime o povo da Birmânia”.
Questão semelhante fora levantada em 21 de Julho passado pelo leitor Gabriel Silva, criticando a aplicação do termo “dissidentes” aos presos políticos cubanos numa notícia assinada por Isabel Gorjão Santos. “O conceito de dissidência”, afirmava, “tem origem nos tempos soviéticos, onde não se imaginava possível (nem se permitia) a simples discordância. (…).O que qualquer cidadão é, quando se opõe, pela via pacífica, às políticas e práticas do seu governo, tenha este a forma que tiver, é ser opositor”.
Tendo consultado o Dicionário da Academia das Ciências, que define dissidente como alguém “que se afasta ou se separa” de um grupo ou organização por discordar das suas ideias, a jornalista aceitou parcialmente a crítica. Reconheceu que “esta questão da separação não se aplicará aos opositores cubanos que nunca tiveram qualquer ligação ao regime”, mas entendeu poder aplicar-se a outros, como “Guillermo Fariñas, que chegou a receber formação militar na União Soviética e foi condecorado pelo seu desempenho na guerra em Angola até entrar em completa discordância com o regime de Fidel Castro”.
Miguel Gaspar, director adjunto, argumentou por seu lado: “O leitor parece sugerir que o conceito de dissidência política não é universal, quando ele se aplica aos opositores políticos de regimes que não admitem qualquer oposição. (…) Ao falarmos em dissidentes estamos a dizer que a divergência não é aceite em países onde existem presos políticos, como é o caso de Cuba”. Considera que o mesmo raciocínio se poderá aplicar ao caso de Suu Kyi.
Por mim, creio que o que importa salientar é que o termo está de facto fortemente associado, na memória colectiva recente, à ideia de desilusão, ruptura e confronto com um sistema político e ideológico, tendo-se popularizado na linguagem política e mediática sobretudo como referência aos adversários internos nas últimas décadas do poder soviético (embora nem todos os chamados “dissidentes” fossem ex-comunistas). Utilizar a mesma palavra para caracterizar os que se opõem a um regime que nunca apoiaram ou integraram pode por isso confundir e ter até uma leitura pejorativa. Nessa acepção que creio ser a mais corrente (e a privilegiada pelos dicionários), podemos dizer que Humberto Delgado, reconhecido opositor de Salazar, foi um dissidente do Estado Novo. Mas não podemos dizer que Suu Kyi é uma dissidente do regime birmanês.
Uma peça do trabalho que este jornal lhe dedicou há uma semana tinha por título “Alguns chamam-lhe ‘Mandela da Birmânia'”. Penso que ninguém se lembraria de definir o ex-presidente sul-africano como um “dissidente” do apartheid. A bem da clareza terminológica, o PÚBLICO deveria reflectir nas críticas destes leitores, que considero pertinentes.
José Queirós
Documentação complementar
Príncipe William ou Guilherme?
Mensagem de um leitor
Se a rainha é a Isabel II e se o seu filho é o príncipe Carlos, o filho deste é o príncipe Guilherme e não “William”. Ou será que esse jornal não sabe que os nomes dos membros das casas reais são, em todas as línguas, sempre traduzidos?
F. Pinto dos Santos
Esclarecimentos e opiniões dos jornalistas do PÚBLICO
Exprimi exactamente a mesma dúvida quando estava a escrever o texto e coloquei a questão às editoras do P2, que me explicaram que havia uma regra, vertida no livro de estilo, estabelecendo que se utiliza o “uso corrente” do nome, e que no caso esse era William e não Guilherme.
Rita Siza (autora da peça sobre o noivado do príncipe britânico)
Tal como já tinha acontecido noutras ocasiões a propósito de nomes de príncipes e princesas, falei nesse dia com os Copy Desk sobre isto. (…) Manuela Barreto, com quem discuti o assunto explicou-me que a “lógica” no PÚBLICO é adoptar a designação que é mais corrente. Ou seja: “é mais comum” dizer-se príncipe Carlos do que príncipe Charles; é mais comum escrever rainha Isabel II e dentro desta lógica é mais frequente escrevermos príncipe William… Por curiosidade fiz um exercício pouco científico, mas acho que é um indicador: uma pesquisa na GESCO em todos os jornais que constam da base de dados revela que há140 referências a “príncipe Guilherme” para 287 a “príncipe William”. Enfim, foi este o raciocínio que nos levou, uma vez mais, a optar por… príncipe William. Decisão que percebo que possa ser perfeitamente discutível. Andreia Sanches (editora do P2)
Estou plenamente convencido da razão do leitor citado, uma vez que a regra antiga que era seguida nas publicações era a de que se atribuía aos membros das famílias reais os nomes correspondentes em português. Exemplos: Rainha Isabel II e Príncipe Carlos, do Reino Unido; Rainha Fabíola da Bélgica; Rainhas Juliana e Beatriz da Holanda; Reis Leopoldo e Balduíno da Bélgica, etc. As excepções são o Rei Juan Carlos (penso que por ter vivido em Portugal em criança e a imprensa se ter habituado a grafar desse modo o seu nome), e o Príncipe Rainier do Mónaco, talvez por desconhecimento ou impossibilidade de se encontrar um nome correspondente em português (mas note-se: Príncipe Alberto, Princesas Carolina e Estefânia, seus filhos).
Fontes de noticiário social maioritariamente escrito em inglês e o desconhecimento da existência desta regra por parte dos jovens que sucessivamente foram tratando este noticiário em novas publicações especializadas nessa área podem ter contribuído para o seu esquecimento, criando situações de incoerência que ficam patentes diariamente e que o leitor assinalou.
Concluo, assim, e proponho aos meus colegas da redacção, editorias e direcção editorial que se reponha a coerência, admitindo apenas como admissível nas páginas do PÚBLICO e Público Online as grafias de Príncipe Guilherme e Henrique (Reino Unido), Princesa Letícia (Espanha) e Princesa Catarina, quando esta se casar com o Príncipe Guilherme, uma vez que o seu nome não é Kate Middleton, mas Catherine Elizabeth Middleton, sendo Kate um diminutivo de Catherine.
Aurélio Moreira (Copy Desk)
Não me parece mal, no caso em apreço, que se escreva príncipe Guilherme em vez de William, de resto coerente com Isabel e Carlos, mas soa-me estranhíssimo traduzir Kate Middleton por Catarina. Assim, e foi isso que tive em mente ao aconselhar (…)a usar William, há que ter em conta o uso (…), evitando ir contra o que os falantes vêm interiorizando, tendo ainda em consideração que não se trata de um erro e que há muitos textos não lidos pelos desks no Público, tendendo os redactores para um “consenso” pelo estrangeiro (e há tantos nomes e lugares sem tradução, de facto; além disso, no Público nunca se seguiu a regra de tudo traduzir). Corrijo “inauguração” (“inauguration”, tomada de posse), mas não me parece fazer sentido escrever Cambrígia (Cambridge) ou Friburgo de Brisgóia (Freiburg im Breisgrau), porque ninguém os reconhece.
É verdade que os jovens vão tomando conta do noticiário (…), tal como a cultura anglo-saxónica vem exercendo um domínio e uma contaminação/evolução da língua (organismo vivo) que em alguns casos não me parece que valha a pena contrariar.
Admito que esta posição seja subjectiva e discutível.
Manuela Barreto (Copy Desk)
Uma explicação suplementar
O primeiro tema debatido nesta crónica suscitou algumas dúvidas, que me levaram a considerar útil uma explicação suplementar sobre os motivos pelos quais, concordando com a norma do Livro de Estilo do PÚBLICO referente à grafia de nomes estrangeiros, apoio a posição do leitor que considera dever ser escrito em português (Guilherme) o nome do príncipe que poderá vir a herdar o trono inglês.
O peso das listas históricas
O Livro de Estilo do PÚBLICO diz (cito) que “nos nomes estrangeiros, a regra é respeitar a grafia original do nome de personagens vivas ou de um passado recente (Raúl Alfonsín, Martin Luther King), mas adoptar a forma aportuguesada para figuras históricas (Carlos Magno, Martinho Lutero)”. É uma orientação genérica que me parece sensata, à qual nada tenho a objectar.
Acontece que a parte dessa regra relativa a “personagens vivas ou de um passado recente” tem admitido desde sempre uma excepção, a que o Livro de Estilo não alude. Essa excepção é precisamente a das figuras da realeza europeia (“vivas ou de um passado recente”) que no PÚBLICO (e no uso corrente) continuaram na grande maioria dos casos a ter os seus nomes aportuguesados. Dizemos e escrevemos Isabel II, Filipe de Edimburgo, princesas Margarida ou Ana, príncipes Carlos, Eduardo, André (isto quanto ao Reino Unido), como escrevemos Carolina, Estefânia ou Alberto do Mónaco, Alberto da Bélgica (e antes Balduíno), Beatriz da Holanda (e antes Juliana), Carlos Gustavo e Sílvia da Suécia, e a sua herdeira Vitória, Margarida da Dinamarca e o herdeiro Frederico, ou mesmo Simeão da Bulgária, que já não é uma monarquia. Como antes Constantino da Grécia, Olavo da Noruega e por aí adiante. Creio que de fora ficam apenas o caso espanhol (Juan Carlos) e o dos nomes sem tradução óbvia para português, como Rainier, Astrid, Haakon…
Ou seja, à distinção proposta entre figuras históricas e personalidades contemporâneas, que faz sentido e corresponde aos costumes (é bom o exemplo do par Martinho Lutero/Martin Luther King) escaparam sempre as “altezas reais” europeias, cujos nomes continuaram a ser traduzidos, tal como os nomes escolhidos pelos Papas (Ratzinger é, pela Europa fora, Bento, Benedicto, Benedetto, Benoît, Benedict, etc.). Especulei na minha crónica que a razão poderá estar no facto de as monarquias e a igreja católica serem instituições com um percurso histórico particularmente longo, que resiste à tendência hoje dominante de não se traduzirem os nomes próprios estrangeiros.
Quando falamos de reis e príncipes, ou dos papas, falamos de gente que integra listas históricas, em que os nomes se repetem e são numerados. Houve outros William (ou Charles, ou Elizabeth ou Henry) no trono inglês, e, se forem referidos numa peça do jornal, irão ser designados (à luz da própria regra do Livro de Estilo) por Guilherme (ou Carlos, ou Isabel ou Henrique). Quem ache estranho escrever príncipe Guilherme acharia menos estranho que amanhã se lhe chamasse William V?
Em suma, não se trata de pensar que devêssemos hoje escrever João Kennedy ou Nicolau Sarkozy, como há séculos se começou a escrever (mantendo-se até hoje, de acordo com a norma do aportuguesamento dos nomes de grandes figuras históricas) Miguel Ângelo, Lutero ou Napoleão, ou, em tempos menos recuados, o Kaiser Guilherme ou o Czar Nicolau. Seria um disparate.
Mas, pelo que referi atrás, parece-me que se justifica manter, como excepção, o aportuguesamento dos nomes das figuras reais europeias, que vai, afinal, ao encontro, do nosso próprio uso corrente.
A invocação do uso corrente é, em geral, um argumento de bom senso. Veja-se o que acontece com os topónimos. Temos nomes portugueses para muitas cidades históricas europeias (e não só) que não faz sentido usar, porque não ultrapassaram o uso erudito para entrarem no uso corrente (Oxónia e Cantabrígia são exemplos caricatos e clássicos). Mas assumimos o aportuguesamento nos casos que se enraizaram no uso corrente: Londres, Nova Iorque, Bordéus, Milão, Colónia, etc.
Voltando ao ponto de partida, poderá objectar-se que William é já hoje a designação de uso corrente, em Portugal, para o filho de Carlos e Diana. Não estou seguro de que assim seja, mas admito que a tendência dominante para os nomes próprios “reais” possa vir a ser também a do não aportuguesamento, como já o é para os outros. Os exemplos que referi mostram, contudo, que hoje não é assim. E, enquanto assim não for, parece-me que deverão pesar mais os argumentos de coerência.
José Queirós
Dissidentes ou opositores?
Mensagem de um leitor — O caso Suu Kyi
(…) Suu Kyi é a líder da oposição e resistência à ditadura militar da Birmânia.
“Dissidente é o que sai de um determinado grupo ou organização (p.ex. política, religiosa), por divergir de seus princípios, ideias, doutrinas, métodos, etc.” (Dicionário Houaiss).
Ora Aung San Suu Kyi nunca pertenceu nem apoiou de qualquer forma a ditadura militar que há 48 anos oprime e reprime o povo da Birmânia, e que a manteve presa durante por muitos anos. (…) Chamar dissidente a Suu Kyi é no mínimo uma grande falta de respeito.
14 de Novembro de 2010
J. Eduardo Brissos
Mensagem de um leitor — O caso cubano
O Público insiste, como hoje, em chamar «dissidentes» a opositores cubanos. O conceito de dissidência tem origem nos tempos soviéticos, onde não se imaginava possível (nem se permitia) a simples discordância. Opor-se ao seu governo não pode ser classificado por «dissidência», uma vez que esta implica que seria suposto ou expectável concordar. Ora, não cabe aos jornalistas tomar por certos os conceitos dos governos, em especial quando não-democráticos.
O que qualquer cidadão é, quando se opõe, pela via pacífica, às políticas e práticas do seu governo, tenha este a forma que tiver, é ser opositor.
21 de Julho de 2010
Gabriel Silva
Esclarecimento da jornalista Isabel Gorjão Santos
Sem desvalorizar o contexto histórico que envolve a palavra dissidente e o facto de esta ter sido usada para designar os que se afastavam do regime soviético, recorri a ela por considerar que se pode aplicar ao caso de muitos opositores cubanos.
Diz-nos o “Dicionário de Língua Portuguesa” da Academia das Ciências de Lisboa que dissidente é o “que não concorda ou que não se conforma com as ideias, a conduta de um grupo, respectiva organização e se afasta ou se separa”.
Reconheço, no entanto, que esta questão da separação não se aplicará aos opositores cubanos que nunca tiveram qualquer ligação ao regime. Noutros casos terá havido, de facto, um afastamento, como aconteceu com Guillermo Fariñas, que chegou a receber formação militar na União Soviética e foi condecorado pelo seu desempenho na guerra em Angola até entrar em completa discordância com o regime de Fidel Castro.
Depoimento do director adjunto Miguel Gaspar
A dúvida colocada pelo leitor parece sugerir que o conceito de dissidência política não é universal, quando ele se aplica aos opositores políticos de regimes que não admitem qualquer oposição. Num país democrático, podemos ser opositores de um Governo e fazê-lo enquanto exercício de um direito. Nos países totalitários, é exigido a todos os cidadãos que concordem com o regime em vigor, sejam ou não membros das estruturas políticas que os dirigem. No Portugal do Estado Novo, tal como nos regimes comunistas, todos os cidadãos são obrigados a concordar, é essa a natureza do totalitarismo. Ao falarmos em dissidentes estamos a dizer que a divergência não é aceite em países onde existem presos políticos, como é o caso de Cuba. É nosso dever, enquanto jornalistas, identificar como tal os países onde existe esta situação.
Como leitor, espero que o Público não siga a anacrónica prática de aportuguesamento dos nomes de figuras públicas que foi ultrapassada pelos tempos e não faz qualquer sentido em pleno século XXI.O que acharia o Provedor do Público se o jornal passasse a referir-se, por exemplo, a Gilherme Portões (Bill Gates) e a Estêvão Trabalhos (Steve Jobs) por exemplo? Ou gostaria o Provedor que a imprensa estrangeira "naturalizasse" os nomes de personalidades Portuguesas e ter a imprensa internacional a referir-se a o José Sócrates como Joseph Socrates?Não tem o menor sentido o aportuguesamento dos nomes dos membros da família real da Grã-Bretanha, sejam William, Charles ou Elizabeth. E quanto às figuras históricas aceita-se apenas porque já entraram no uso.Sempre me agradou o facto do Público não cair neste arcaísmo e desagradar-me-ia profundamente passar a ver grafado "Guilherme" e "Catarina" (!).