Um assistente atípico e as suas razões



(Crónica da edição de 15 de Agosto de 2010)



“Sou assistente no processo Freeport e sê-lo-ei noutros”. Sob este título, o jornalista do PÚBLICO José António Cerejo respondia, na edição do passado dia 2, às críticas dos que põem em causa a utilização desse estatuto jurídico por parte de quem acompanha o caso no plano noticioso. “Tornei-me assistente”, explicava, “para garantir que a informação chegaria aos leitores”. A avaliar por mais de uma dezena de notícias sobre o processo publicadas imediatamente antes e depois dessa data, é isso que tem vindo a acontecer.

A explicação de Cerejo não satisfez, no entanto, vários leitores, que consideram que o jornalista recorreu a um expediente sem “sustentação ética”. As queixas e críticas de que tomei conhecimento têm em comum as seguintes acusações: 1ª) o jornalista e o jornal teriam escondido dos leitores o seu estatuto processual; 2ª) o jornalista (tal como a direcção do jornal, que o autorizou a constituir-se assistente no processo) estaria a subverter o espírito da lei que regula aquela figura jurídica; 3ª) o jornalista ter-se-ia tornado “parte interessada” no processo, o que tornaria deontologicamente censurável que escrevesse sobre ele; 4ª) o facto de Cerejo escrever sobre o caso Freeport seria ainda condenável por ter litígios em tribunal com o primeiro-ministro, José Sócrates, cujo nome fora envolvido como suspeito em inúmeras notícias sobre o tema; 5ª) tendo obtido uma posição privilegiada de acesso ao processo, o jornalista do PÚBLICO estaria a protagonizar um caso de concorrência desleal no universo da informação.

O jornalista e a direcção do jornal rejeitam as acusações. Começando por uma questão de facto: a constituição de Cerejo como assistente no processo Freeport data do início de 2009 e foi, segundo escreve o director adjunto Nuno Pacheco, “baseada na ideia de que o acesso directo aos autos (mas nunca a informações em segredo de justiça, como na altura erradamente se disse) poderia permitir servir melhor os leitores”. A iniciativa tinha precedentes por parte de outros órgãos de comunicação (em outros casos judiciais) e foi na altura objecto de explicações do então director do jornal, José Manuel Fernandes, que recordava que “a lei permite que qualquer cidadão se constitua assistente em processos relativos a suspeitas de corrupção” e defendia que “colaborar com a investigação judicial em casos de interesse público não é incompatível com a profissão de jornalista”. O caso foi na altura analisado pelo anterior provedor do leitor, Joaquim Vieira, que considerou que “do ponto de vista ético nada obsta (…) a que um jornalista colabore com a justiça”, mas alertou contra o risco de “o compromisso principal do jornalista” deixar de ser com os leitores, “para passar a ser com o aparelho judicial”.

É como uma negação dessa hipótese que deve ser lida a declaração de Cerejo no seu artigo de 2/8. Assegurando ter requerido a constituição como assistente com fins unicamente profissionais, o jornalista afirma: “Não o fiz para me tornar parte interessada na investigação, para contribuir com informações, requerimentos de diligências ou com uma acusação particular”.

Fê-lo, explica num depoimento que me enviou, para evitar “expedientes” a que agentes do sistema judicial recorrerão para obstruir o acesso a “informação que temos direito de obter e divulgar”, e por rejeitar que essa informação “seja passada, por baixo da mesa, a interlocutores privilegiados”, eventualmente “de harmonia com estratégias e agendas ocultas”.

E conclui: “Dir-se-á que me estou a servir da figura do assistente para fins que foram alheios à sua instituição. Admito. Mas não estou a fazer nada de ilegal, antes pelo contrário, estou a jogar nos limites estritos da lei para fugir aos entraves abusivos que sistematicamente são levantados ao seu cumprimento, em matéria de livre acesso à informação que não está em segredo de justiça, e estou apenas a tentar cumprir a minha obrigação profissional: informar com rigor”.

Por seu lado, Nuno Pacheco torna claro que a argumentação de Cerejo” tem a concordância da direcção nestes pontos: 1) usar a constituição como assistente no processo ‘com um objectivo claro e exclusivamente profissional: garantir a obtenção, de forma legal e transparente, de informação consistente e documentada sobre um assunto de indiscutível interesse público’; 2) não a usar, em nenhum caso, para ‘intervir efectivamente no processo graças ao estatuto de assistente’ “. Neste quadro, diz o director adjunto, a constituição do jornalista como assistente “pode ser, ao permitir relatar com fidelidade os trâmites registados nos autos, útil ao jornalismo, aos leitores e ao país”.

No depoimento que me enviou, o jornalista esclarece não ter em curso qualquer litígio judicial com José Sócrates (“houve apenas um processo posto por mim contra ele, que está resolvido e arquivado há muito tempo”), mas recusa que tal motivo possa ser invocado para “impedir um jornalista de escrever”, comentando que esse seria o desejo de “alguns políticos” com “tentações totalitárias”: “Bastar-lhes-ia, para afastar um qualquer jornalista que considerassem incómodo, provocar um qualquer litígio”. Tal raciocínio, argumenta, visa apenas” tentar condicionar a minha liberdade profissional e pôr em causa, sem motivo ou justificação, a minha independência e isenção”. E remata: “Se há críticas ao que escrevo, concretas, com indicação de erros e de incumprimento de deveres e obrigações, venham elas. Discuti-las-ei e, como já aconteceu, se as achar justificadas darei a mão à palmatória”.

As queixas que recebi e as respostas do jornalista visado poderão ser consultadas, com maior detalhe, no blogue do provedor. Passo a responder às questões colocadas pelos leitores, pela ordem em que acima as enunciei:

1) O PÚBLICO não escondeu o estatuto processual de José António Cerejo no caso Freeport. Mas, na minha opinião, deveria tê-lo recordado com clareza logo que deu início à publicação de notícias resultantes da consulta do processo pelo jornalista na qualidade de assistente.

2) Deixando aos especialistas o esclarecimento de qualquer dúvida no plano jurídico, depreendo de tudo o que li que não há motivo para considerar ofendido, neste caso, o preceito deontológico segundo o qual “o jornalista deve utilizar meios legais para obter informações”. Parece-me óbvio, por outro lado, que Cerejo e a direcção do PÚBLICO recorreram a um subterfúgio que poderá não se adequar ao espírito das normas que regulam a figura do assistente no processo. A bem da transparência na relação com os leitores, deveriam ter sido claramente explicados os motivos que ditaram essa escolha, e teria sido útil dar a conhecer os termos exactos do requerimento para constituição como assistente, e da decisão do juiz que a autorizou.

3) O jornalista e a direcção editorial assumiram o compromisso de que a posição de assistente será exclusivamente usada para fins profissionais, sem qualquer intervenção no processo, e terão de o respeitar integralmente, em nome da credibilidade do jornal. No limite, o mérito da iniciativa será avaliado pela utilidade pública do trabalho jornalístico daí decorrente, devendo reconhecer-se que o noticiário publicado desde finais de Julho, credibilizado pelo acesso directo aos documentos, trouxe já alguns dados novos, e a clarificação de outros, relativos a um caso de evidente interesse público. Porém, ao servirem-se de uma figura a que a lei atribui no processo penal a posição de “colaboradores do Ministério Público”, ao mesmo tempo que declaram não estar essa colaboração nas suas intenções, jornalista e jornal obrigam-se a uma redobrada exigência de encararem o escrutínio do caso Freeport também como um escrutínio da investigação e da actuação dos procuradores responsáveis pelo inquérito.

4) José António Cerejo tem toda a razão em considerar que pode e deve continuar a escrever sobre este caso.

5) O argumento da concorrência desleal foi utilizado às avessas pelos seus críticos. Claro que Cerejo se colocou, como assistente, numa posição privilegiada. Mas, ao que tudo indica, nada impediria outros de o fazerem. Deslealdade, também para com os leitores, é termo que se aplicará melhor a quem prefira o ambiente promíscuo e inescrutável do tráfico de “informações” calculadamente sopradas a conta-gotas por agentes do processo.

Em suma: com os dados de que disponho, entendendo as dúvidas colocadas por vários leitores sobre a opção feita pelo PÚBLICO, e concordando que merecem debate clarificador, penso que no conflito de valores aqui em causa devem prevalecer os direitos de informar e ser informado, e o dever de o fazer com rigor.

Investigar a investigação



Vários leitores criticaram, alegando falta de isenção, o que alguns chamam o “folhetim” de notícias que no PÚBLICO se sucederam à divulgação do despacho de acusação no caso Freeport. Sem prejuízo de poder regressar ao tema na sequência de um depoimento pedido à direcção editorial (as queixas poderão entretanto ser consultadas no meu blogue), deixo aqui um primeiro comentário telegráfico a essas críticas, que incidem nos seguintes tópicos: 1) o PÚBLICO teria dado à notícia das conclusões do Ministério Público (MP) um relevo inferior ao que dera no passado a suspeitas que incidiram sobre José Sócrates; 2) a manchete de 29/7 (“Procuradores quiseram ouvir Sócrates mas não tiveram tempo”) não seria suficientemente distanciada e crítica da actuação do MP; 3) algumas peças publicadas nas edições seguintes seriam reprováveis, por alimentarem novas suspeitas sobre o primeiro-ministro.

A primeira crítica é justa, e aliás extensível à generalidade da imprensa, mas deve ter-se em conta que era já conhecido que o MP não encontrara razões para acusar Sócrates. A segunda é compreensível, tendo em conta a abertura assertiva do texto (“Afinal, José Sócrates não pode afirmar ‘finalmente’, como fez anteontem…”) e a sugestão nele feita de que os procuradores foram impedidos de levar a investigação até ao fim — o que não está apurado e só poderá avaliar-se com rigor, espera-se, no fim de um inquérito já ordenado. Embora tenda a concordar que seis manchetes (mais algumas chamadas de capa) em treze dias foram um excesso, considero a terceira crítica deslocada: o “folhetim”, ou seja, as notícias assinadas por José António Cerejo em sucessivas edições trouxeram dados novos e esclareceram questões em aberto, e formam no conjunto um relato consistente resultante do estudo do processo. Não são fugas de informação descontextualizadas e insusceptíveis de verificação, e a sua relevância não me parece questionável. Só posso desejar que sejam o ponto de partida para uma “investigação à investigação” do caso Freeport, que não esqueça o contraditório nem se limite à informação libertada por diferentes poderes.

José Queirós

Documentação complementar

Sou assistente no processo Freeport e sê-lo-ei noutros

(artigo publicado na edição do PÚBLICO de 2 de Agosto de 2010)

Pelo que se ouve e lê, há por aí algumas pessoas incomodadas pelo facto de o autor destas linhas, jornalista do PÚBLICO, se ter constituído assistente no processo Freeport e, ainda por cima, permitir-se escrever sobre esse tão peculiar tema. Pois bem, sobretudo para esclarecimento dos leitores deste jornal que possam ter dúvidas sobre o assunto, aqui deixo as minhas razões.

Pedi à Direcção do PÚBLICO, no ano passado, que me autorizasse a requerer a minha constituição como assistente naquele processo, com um objectivo claro, único e exclusivamente profissional: garantir a obtenção, de forma legal e transparente, de informação consistente sobre um assunto de indiscutível interesse público.

Não o fiz com a finalidade, que seria perfeitamente legítima a qualquer cidadão, mas que entendo ser incompatível com as minhas obrigações deontológicas, de intervir no processo graças ao estatuto de assistente. Não o fiz para me tornar parte interessada na investigação, para contribuir com informações, requerimentos de diligências ou com uma acusação particular. Não o fiz para recolher e divulgar informação que estivesse em segredo de justiça, a que aliás não tive nem podia ter acesso pelo facto de ser assistente no processo.

Fi-lo porque ando há muitos anos nisto e conheço como as palmas das minhas mãos as obstruções, os expedientes legais, mas também ilegais, a que muitas vezes os agentes do sistema judicial (e não só) recorrem, conscientemente ou apenas por rotina burocrática, para impedir o acesso dos jornalistas, nalguns casos apenas de alguns jornalistas, à informação que temos direito e obrigação de obter e divulgar. Fi-lo porque já muitas vezes vi ser-me recusada informação, por exemplo um despacho judicial, que não está em segredo de justiça, que me devia ser entregue sem qualquer hesitação e que no dia seguinte vejo escarrapachado no jornal ou na televisão do lado. Fi-lo para poder informar prontamente os leitores do PÚBLICO e para dar o meu contributo a uma das mais nobres missões do jornalismo: a fiscalização dos poderes públicos. Fi-lo também porque nunca pactuei com os esquemas promíscuos e indiscutivelmente condicionantes da liberdade de informação que vigoram em muitos meios, onde os jornalistas se transformam numa espécie de moços de recados dos detentores de informação de natureza pública, nomeadamente políticos, magistrados, polícias e titulares de cargos públicos.

Não faz qualquer sentido a existência de uma espécie de mercado em que a informação que devia estar disponível ao mesmo tempo para todos os profissionais que a tratam e divulgam seja passada, por baixo da mesa, a interlocutores privilegiados, a troco do tratamento conveniente ou de harmonia com estratégias e agendas ocultas — ou nem isso.

Mas enquanto for assim só há uma maneira de fugir a esses esquemas e poder continuar a trabalhar, a informar: é malhar contra a opacidade dos poderes, chatear, chatear muito; fazer perguntas escritas e exigir respostas escritas, às dezenas por mês; requerer consultas de documentos e processos; apresentar queixas à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, aos tribunais, onde for preciso, sempre que a informação não venha.

Fora isso, há os casos excepcionais, aqueles que pela sua delicadeza e relevância pública exigem atitudes igualmente excepcionais. É o caso do processo Freeport.

Tornei-me assistente para garantir que a informação chegaria aos leitores do PÚBLICO. E voltarei a fazê-lo quando o julgar necessário.

José António Cerejo

Cerejo e a ética, ou falta dela

(carta de um leitor, datada de 02.08.10)

Não sou jurista nem político nem jornalista. Sou um simples cidadão aposentado que leio jornais e tento ler com atenção.

O vosso jornalista José António Cerejo escreve hoje ua artigo a dizer porque se constituiu assistente no processo Freeport.

Ele está convencido de que tem razão mas não haverá por aí alguém, da direcção do jornal ou o senhor provedor, que lhe explique com toda a calma que aquilo que ele faz não tem qualquer sustentação ética?

O assistente no processo é alguém, como ele sabe e diz, que deve dar algo ao processo. Essa figura não existe para ir buscar algo ao processo!

Se ele tem direito, e tem, enquanto jornalista, a aceder ao processo, cabe-lhe chatear, chatear muito. Escrever as vezes que for preciso às autoridades que existem para manter a legalidade. Deve denunciar os impedimentos de que seja vítima.

Não deve, não pode usar uma via que não foi criada para os efeitos que ele quer. Qualquer dia sai uma lei a barrar o direito dos cidadãos a constituírem-se assistentes no processos sob o pretexto que andam para aí os jornalistas a abusar da coisa.

Não quer explicar lhe isto? (…) Não deve ser difícil pois (…) ele, quase no final do artigo, confessa que a atitude normal não é a que ele tem! E depois confessa que actuou assim porque o caso Freeport é excepcional, mas sem o fundamentar! Ora aí está: é preciso explicar-lhe que assim não vale.

R. A.

O incontornável justiceiro

(carta de um leitor, datada de 02.08.10)

(…) Como pode uma direcção (decente) dum jornal (pretensamente dito de

referência) autorizar que um jornalista se constitua assistente do Freeport (porque não do Casa Pia, dos submarinos, dos sobreiros e tantos outros) e escreva sobre o processo?

Não há conflitos éticos e deontológicos, sabendo-se que o JAC [jornalista José Anntónio Cerejo] tem um longo conflito com JS [José Sócrates] (com

processos judiciais cruzados em tribunal)?

A “conversa fiada” a título de pseudo-justificação (certamente porque

houve muitos leitores ,que já estão fartos desta saga, a manifestar a

sua estranheza) de assistente só serve para convencer ingénuos ou pessoas que estão na graça de Deus! O homem odeia o JS (ver o histórico) e outras pessoas e isso torna o “jornalista”(?) mais que suspeito (…)

Sérgio Brito

Lisboa

Caixa de ressonância do MP

(carta de uma leitora, datada de 10.08.10)

Foi com profunda estupefacção que vi publicado, no passado dia 2 de Agosto (…) um texto de José António Cerejo em que este apresenta as razões que o levaram a tornar-se assistente no chamado processo Freeport. Estupefacção que se acentuou quando, desde esse dia, passei a ver publicadas diariamente peças sobre o tema assinadas pelo mesmo jornalista. Esta pequena introdução serve-me para elencar já uma série de questões que gostaria de ver discutidas por si, uma vez que os problemas deontológicos que se levantam são de tal forma evidentes que, parece-me, não podem deixar indiferente quem ocupa o cargo de provedor. Tendo em conta que: 1. O estatuto de assistente num processo encontra-se claramente definido na legislação portuguesa (artigos 68º a 70º do Código [do Processo] Penal). 2. José António Cerejo afirma, de forma clara, no texto a que já aludi que se tornou assistente não para, e cito, “me tornar parte interessada na investigação, para contribuir com informações, requerimentos de diligências ou com uma acusação particular”, ou seja e em resumo, afirma claramente que se tornou assistente para não ser assistente (…) Dúvida: como pode admitir-se que um jornalista e um jornal pervertam desta evidente forma a lei portuguesa? 3. Qualquer pessoa de bom senso percebe que quando um cidadão se torna assistente num processo, torna-se (a repetição do verbo é propositada) de imediato parte interessada no referido processo, até porque, no limite, poderá no decorrer do mesmo pedir uma indemnização (os formalismos nunca são despiciendos). 4. O estatuto dos jornalistas é muito claro (no seu artigo 14º) quando refere, entre outras coisas, que dever do jornalista é, por exemplo, “recusar funções ou tarefas susceptíveis de comprometer a sua independência e integridade profissional”. Dúvida: como conjugar os dois itens acima referidos sem considerar que, objectivamente, José António Cerejo está a cometer uma falha deontológica muito grave? 5. Ainda no Estatuto dos Jornalista pode ler-se “Identificar-se, salvo razões de manifesto interesse público, como jornalista e não encenar ou falsificar situações com o intuito de abusar da boa fé do público”. 6. Refiro de novo o texto de J.A. Cerejo e as suas razões para se tornar assistente. Dúvida: se as afirmações de Cerejo não configuram uma encenação/falsificação de uma situação configuram o quê? Por último, mas não menos importante, como admitir-se que o referido jornalista assine as peças que tem vindo a escrever no Público sem que ele, ou alguém por ele no Público, refira de forma inequívoca que estamos perante alguém que é, sem margem para dúvidas, parte interessada em todo este processo? Refira-se aliás, porque não é de menosprezar esta informação, que já antes de ter publicado o texto em causa, J.A.Cerejo publicava textos sobre o assunto (por exemplo http://ww2.publico.pt/Sociedade/freeport-procuradores-quiseram-ouvir-socrates-mas-nao-tiveram-tempo1449221 ) sem que os leitores fossem informados do seu estatuto processual. Resumindo: estamos perante um “jornalista” (tenho evitado as aspas até este momento mas não o consigo fazer mais) que é, legal e formalmente, “colaborador do Ministério Público” (é isso que descreve um assistente), e escreve sobre o processo em causa sem questionar qualquer acção do referido Ministério Público. Aliás, este “colaboracionismo” acrítico foi evidente quando, não por acaso, não foi o Público que “reparou” no erro que os procuradores cometeram com os nomes dos secretários deEestado e que levou os procuradores a enviar um comunicado à SIC (presumo que tenha sido a SIC a dar pelo facto).Sintomático, digo eu. Fico à espera que possa responder às minhas dúvidas, partilhadas, tenho a certeza, por inúmeros outros leitores do Público. Como nota final não quero deixar de referir que ao decidir relatar o que consta do processo sem que questione nada do que lá vem plasmado J.A.Cerejo deixa de ser jornalista para se tornar uma mera caixa de ressonância do MP. Estou convicta que, depois do que escreveu na sua última crónica (de 8 de Agosto) a propósito de ausência de contraditório, esta forma de fazer notícias lhe merecerá o mais vivo repúdio.

Sarah Pires Saint-Maxent

Esclarecimento da direcção editorial do PÚBLICO



A autorização para o jornalista José António Cerejo se constituir assistente neste processo [caso Freeport] foi dada pela direcção do PÚBLICO no início de 2009, baseada na ideia de que o acesso directo aos autos (mas nunca a informações em segredo de justiça, como na altura erradamente se disse) poderia permitir servir melhor os leitores. Não foi a primeira vez que tal aconteceu em Portugal, já antes um jornalista da Sábado se constituíra assistente no caso Judas/A.Santo, em 2007, com idêntico objectivo. No dia 22 de Fevereiro de 2009, o caso foi já objecto de abordagem por parte do anterior Provedor dos leitores do PÚBLICO, Joaquim Vieira, devido a questões colocadas por um leitor (junto crónica a que faço referência, onde o director, por lapso, refere a possibilidade de acesso a documentos em segredo de justiça, o que é vedado a assistentes).

A argumentação, que o jornalista defendeu em artigo publicado no PÚBLICO, a 2/8/2010, tem a concordância da direcção nestes pontos: 1) usar a constituição como assistente no processo “com um objectivo claro e exclusivamente profissional: garantir a obtenção, de forma legal e transparente, de informação consistente e documentada sobre um assunto de indiscutível interesse público.” 2) Não a usar, em nenhum caso, para “intervir efectivamente no processo graças ao estatuto de assistente”, coisa que o próprio José António Cerejo reconhece, e escreveu-o no já citado artigo, “ser incompatível” com as suas obrigações deontológicas. Por último: se for usada com estes claros objectivos, a constituição do jornalista como assistente pode ser, neste caso, ao permitir relatar com fidelidade os trâmites registados nos autos, útil ao jornalismo, aos leitores e ao país.

07.08.10

Nuno Pacheco (director adjunto)




Citação de um texto do anterior provedor do leitor, Joaquim Vieira

(excerto da crónica “Muitos ângulos para um só caso”, de 22 de Fevereiro de 2009)

O provedor regressa à cobertura do PÚBLICO ao caso Freeport, envolvendo a figura do actual primeiro-ministro numa controversa concessão de construção de um outlet na Zona de Protecção Especial (ZPE) do Estuário do Tejo, em Alcochete, a três dias das eleições legislativas de 2002, quando José Sócrates sobraçava a pasta do Ambiente.

(…). Uma outra notícia (mas não no PÚBLICO) a suscitar reacção foi a de que José António Cerejo assumira a categoria jurídica de assistente no processo Freeport. “Foi preciso ver noutros jornais”, constatou o leitor Sérgio Brito, interrogando: “O PÚBLICO não tinha obrigação de informar os leitores que um seu jornalista (…) se tinha constituído como assistente num processo em que não é queixoso nem acusado? Na história do jornalismo em Portugal quantas vezes é que esse desiderato já se verificou? Não estará em causa a habilidade de acesso ao processo para se tornar ‘a garganta funda’ – a confidencialidade da fonte, o eufemismo habitual… – a que os ‘jornalistas de investigação’ recorrem?”

Sobre a iniciativa, o provedor inquiriu o director do PÚBLICO, que explicou: “A lei permite que qualquer cidadão se constitua assistente em processos relativos a suspeitas de corrupção. O assistente passa a ter acesso ao processo dentro dos limites impostos por quem dirige a investigação. (…) Também se obriga a colaborar com o Ministério Público caso possua provas importantes para o decorrer das investigações. (…) Face ao pedido desse jornalista para se constituir assistente, entendi que devia autorizar, por duas razões: primeiro, porque colaborar com a investigação judicial em casos de interesse público não é incompatível com a profissão de jornalista nem pressupõe um qualquer juízo apriorístico sobre a culpabilidade de quem está a ser investigado; segundo, porque ao ter possibilidade de aceder a documentos em segredo de justiça o jornalista fica obrigado a esse segredo de justiça, mas isso não o impede de procurar seguir pistas que não tenham sido seguidas pela investigação. A relação com o segredo de justiça fica mais clara para o leitor, e o jornalista já não pode proteger-se alegando o sigilo das suas fontes se o violar, o que fará com que trabalhe de forma ainda mais responsável e ponderada. A relação com o Ministério Público também é mais clara: o assistente é alguém que quer colaborar com a justiça no esclarecimento da verdade (…). Não é a primeira vez que jornalistas pedem para se constituírem assistentes em casos como o actual (…)”.

Do ponto de vista ético, nada obsta, com efeito, a que um jornalista colabore com a justiça (embora se mantenha vinculado ao princípio do sigilo profissional quanto à confidencialidade das fontes). Mas existe nesta explicação um aspecto pouco claro: o compromisso principal do jornalista deixa de ser com os leitores para passar a ser com o aparelho judicial. Ou seja, há informações a que ele terá acesso mas não poderá noticiar porque legalmente está sujeito ao segredo de justiça (e se, de acordo com as palavras um tanto ambíguas do director, não encontrar “pistas que não tenham sido seguidas pela investigação”). Ora, um dos princípios do jornalismo independente consiste em não guardar notícias na gaveta, que é o que vai acontecer com Cerejo a partir do momento em que se tornar assistente no caso Freeport.

Quanto ao facto de o PÚBLICO não ter informado os leitores desta circunstância, justifica José Manuel Fernandes: “Até à data, o jornalista não teve qualquer acesso ao processo, não o tendo solicitado sequer. Só no momento em que isso sucedesse a forma como esse jornalista passaria a seguir o processo deveria ser tornada pública, logo noticiada no jornal (…). A ideia de que a informação devia ter sido dada antes resulta de um equívoco sobre o estatuto do assistente em casos como este. Parte do princípio de que o assistente é vítima ou acusação, quando, em sentido estrito, não é isso que sucede. Só em sentido lato poderemos considerar que se apresenta como vítima, pois, de acordo com o espírito da lei, e que justifica a possibilidade de qualquer cidadão se constituir assistente em casos como este, todos os cidadãos são vítimas de um acto de corrupção de que possa ter resultado um prejuízo público, como será o caso se se provar que houve corrupção e prejuízo público” (…).

Joaquim Vieira

Primeira resposta de José António Cerejo

(às críticas dos leitores R.A. e Sérgio Brito)

Vamos então às preocupações dos leitores, sem prejuízo do essencial, que está no texto que publiquei na segunda-feira [02.08].

Quanto ao primeiro:

O leitor diz que o assistente é alguém que deve dar algo ao processo e que essa figura não existe para ir buscar algo ao processo. Sucede que, como em tudo, cada um faz o que entende das figuras que assume. Eu entendi e entendo que, sendo jornalista, não devo levar nada ao processo, por razões exclusivamente deontológicas (se tiver informações publico-as, não as levo ao processo). E entendi e entendo que do ponto de vista legal e deontológico nada obsta a que eu concretize aquilo que é o meu principal objectivo quando me constituo como assistente. Faço perguntas, que têm de me ser respondidas claramente e sem delongas, ao contrário do que, infelizmente, muitas vezes acontece quando sou apenas jornalista, acerca do andamento da investigação: se já foi concluída, se foi requerida a instrução, se já foi para julgamento, se as audiências já estão marcadas. Não é meu objectivo perguntar, até porque os titulares do processo não me responderiam, nada que esteja em segredo de justiça. E a certa altura, não estando já o processo em segredo de justiça, sou notificado (foi exactamente isso que sucedeu no processo Freeport) da decisão final, com entrega do despacho respectivo, e de que tenho dez dias para, se assim o entender, deduzir acusação particular. Esta última parte, como já disse e tenho todo o direito de assim o entender, não me interessa por razões deontológicas. Quanto à primeira, o fundamental é que fico assim livre dos jogos de bastidores, muitas vezes com água no bico, que fazem com que, na maioria dos casos e ao contrário do que a lei prevê e a equidade determina, o documento que todos os jornalistas procuram, sobretudo em casos particularmente relevantes, vá parar apenas às mãos de alguns. Além disso, fico com a garantia de que não serei nem preterido na posterior consulta dos autos, que já não estão em segredo de justiça, repito, nem serei vítima da prepotência e arbitrariedade de magistrados ou funcionários que, com muita frequência, permitem o acesso aos mesmos conforme o lado para que dormiram, ou, pior ainda, conforme as relações que têm ou não têm com as partes no processo e com os jornalistas. E a partir daí sou informado, sem ter de correr seca e meca ou trocar simpatias e favores com quem quer que seja, daquilo que é público e devia estar acessível a todos os interessados, nomeadamente através da internet, que são os trâmites subsequentes do processo até à produção da sentença final, se o caso chegar a julgamento.

Dir-se-á que me estou a servir da figura do assistente para fins que foram alheios à sua instituição. Admito. Mas não estou a fazer nada de ilegal, antes pelo contrário, estou a jogar nos limites estritos da lei para fugir aos entraves abusivos que sistematicamente são levantados ao seu cumprimento, em matéria de livre acesso à informação que não está em segredo de justiça, e estou apenas a tentar cumprir a minha obrigação profissional número: informar com rigor.

Agora, se deste modo fico numa posição privilegiada em relação aos restantes jornalistas, como também há quem alegue, só tenho que dizer que a culpa não é minha. O sistema judicial tem à sua disposição meios tecnológicos para pôr cá fora, nomeadamente com destino aos jornalistas, os dados essenciais daquilo que é público, como sejam os despachos finais dos processos, e não é por minha causa que não o faz. Pelo meu lado, já há 23 anos, num Congresso de Jornalistas sobre deontologia profissional, defendi e fiz aprovar uma recomendação relativa à criação de condições de acesso equitativas a toda a informação dos tribunais que seja pública e relevante, nomeadamente através de gabinetes de imprensa (ainda não se sonhava com a internet).

Diz o leitor que em vez de recorrer à figura do assistente devia “denunciar os impedimentos de que seja vítima”. É o que faço recorrentemente, não só através das próprias páginas do PÚBLICO, como junto dos tribunais, da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos da Entidade Reguladora da Comunicação Social e não só.

Acha o leitor que eu devia fundamentar porque é que este caso é excepcional. Peço desculpa, mas a isso não respondo porque às evidências não se responde.

Acrescento ainda que a minha iniciativa nada teve de original. Já em 2007 um jornalista da Sábado se constituiu assistente no processo relativo ao antigo presidente da Câmara de Cascais José Luís Judas. E desde aí, falando só dos casos de que me lembro, outros o fizeram relativamente aos processos Portucale, Face Oculta e Cova da Beira. Devo notar que este último, que era acompanhado apenas por mim, enquanto jornalista, há muitos anos, foi aquele que me despertou para o interesse profissional de me tornar também assistente nalguns processos. Na sequência de muitos requerimentos que fiz ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, para ter acesso aos autos quando eles já não estavam em segredo de justiça, e que foram sempre indeferidos, uma outra jornalista que se tinha constituído assistente pôde consultar o processo e noticiar o caso, como era seu direito e dever.

Quanto ao segundo leitor:

No meu entendimento, a direcção do PÚBLICO não só faz muito bem em me autorizar a escrever sobre o processo Freeport em que, com o seu acordo, sou assistente, como faria muito mal, em primeiro lugar aos leitores do PÚBLICO, se não o autorizasse.

O leitor sugere também que se eu sou assistente neste devia sê-lo numa série de outros. Sucede que eu não tenho o dom da ubiquidade e que os meus dias também têm 24 horas, mais de metade das quais passadas a trabalhar, sendo que a minha actividade principal se prende com a informação local e regional, designadamente relativa a questões de licenciamento de obras pelas câmaras municipais.

Este mesmo leitor pergunta depois, sendo esta uma velha e estafada questão, se não há conflitos éticos e deontológicos no facto de eu escrever sobre o caso Freeport quando tenho “processos judiciais cruzados em tribunal” com José Sócrates. Já falei disto muitas vezes, mas respondo-lhe com um rotundo não! Esclareço primeiro que nunca houve processos cruzados entre mim e o actual primeiro-ministro. Houve apenas um processo posto por mim contra ele, que está resolvido e arquivado há muito tempo. E depois respondo que tentar inibir-me de escrever sobre um qualquer assunto, ou porque já escrevi muitas vezes sobre outros temas relacionados com a mesma entidade, seja ela qual for, ou porque tenho, ou tive, um conflito (ainda por cima público) com essa entidade é apenas tentar condicionar a minha liberdade profissional e pôr em causa, sem motivo ou justificação, a minha independência e isenção. Se há críticas ao que escrevo, concretas, com indicação de erros e de incumprimento de deveres e obrigações, venham elas. Discuti-las-ei e, como já aconteceu, se as achar justificadas, darei a mão à palmatória.

07.08.10

José António Cerejo

Segunda resposta de José António Cerejo

Gostava de acrescentar duas coisas (…) que gostaria que fossem publicadas no blogue do provedor.

Ainda sobre as dúvidas do segundo leitor quando ao facto de eu ser autorizado a escrever sobre alguém, no caso o primeiro-ministro, com quem tive um litígio judicial, gostava de fazer notar o seguinte. Impedir um jornalista de escrever por um motivo desse género seria certamente o desejo e o sonho de alguns políticos e outra gente com poder e tentações totalitárias. É que bastar-lhes-ia, para afastar um qualquer jornalista que considerassem incómodo, provocar um qualquer litígio com o mesmo – coisa que pessoas desse género não teriam muita dificuldade em fazer, sem sequer necessitarem de esforçar muito a imaginação. Estava feito e era muito bom: o dito jornalista ficava impedido, a partir daí de escrever sobre eles!

Finalmente, e embora o tema não seja suscitado por nenhum desses leitores, apesar de ter aparecido em artigos de opinião publicados na imprensa, gostaria de refutar a tese de que o facto de eu me ter constituído assistente no processo em causa configura uma espécie de concorrência desleal, relativamente a outros jornalistas e outros meios de comunicação que igualmente quisessem ter acesso aos autos. Na verdade, se nenhum outro jornalista consultou o processo durante a semana em que eu o fiz (e não continuei até para que não me viessem estupidamente acusar de monopolizar a consulta) a responsabilidade está longe de ser minha. Quem decide sobre quem consulta o processo são os magistrados titulares do mesmo e não foi por falta de espaço, ou de outras condições físicas que não esteve lá mais nenhum jornalista. Durante os três dias e meio que lá estive, numa sala em que existe uma enorme mesa, com mais de três metros de comprimento, só lá vi uma advogada de alguns arguidos, que lá passou dois bocados de tarde. E tanto quanto consta dos autos, só um outro jornalista, no caso uma repórter da RTP, é que requereu, até há uma semana, a consulta dos mesmos.

10.08.10

José António Cerejo

Cartas de leitores acerca do noticiário do PÚBLICO sobre o despacho final do Ministério Público no caso Freeport

1. Seis anos não chegaram

O Público, qual cão de fila no seu ódio de estimação ao Sócrates, que julgou e condenou sem fundamento, não admite a sua inocência. Vai daí a cereja em cima do bolo, do Cerejo, no jornal de hoje: “Procuradores quiseram ouvir Sócrates mas não tiveram tempo”. (…) Título de conluio e conveniência entre jornalista e procuradores sem tempo para ouvir o Sócrates?

Do Sócrates inocentado, definitivamente inocentado, vem o Cerejo dizer não poder o mesmo dizer “Finalmente!”. Pelos vistos, 6 anos a arrastarem o homem na lama não chegaram! Quereriam outros 6?

29.07.10

A. Teixeira

Vilar do Paraíso – Gaia

2. Exame de consciência

Diz-se repetidamente que a justiça é demasiado lenta. No caso Freeport também não foi nada célere. O estranho é que passados quase 6 anos e meio venham agora procuradores do Ministério Público queixar-se, de forma ridícula, de que não tiveram tempo de fazer 27 perguntas ao primeiro-ministro. Não se percebe como conseguiram ser tão lentos…Há mesmo quem diga que se o Ministério Público tivesse encomendado essa diligência ao jornal Público e ao seu procurador José António Cerejo, isto não acontecia, nem teríamos só perguntas… Pode ser um exagero, mas estamos habituados a que os julgamentos jornalísticos andem mais depressa do que a realidade.

Para lá desta ironia, eu esperava que o jornal Público fizesse um exame de consciência jornalístico acerca do que nele se escreveu e insinuou ao longo destes anos. Em vez disso, continua a contribuir para que o jornalismo ainda esteja pior do que a justiça de que se queixa. É pena que, na edição de 29 de Julho, o comentário do ex-bastonário da Ordem dos Advogados, Rogério Alves, não tenha ocupado o espaço do inveterado José António Cerejo. Aeste jornalista apetece aplicar, precisamente, o comentário que Rogério Alves fez acerca do inquérito ao processo Freeport: “afectou gravemente o bom nome dos envolvidos, incluindo-se, no rol, o primeiro-ministro, que nem sequer foi constituído arguido”.

Que poderá o senhor Provedor fazer para que o Público se torne menos leviano, mais responsável, o tal “jornal de referência”?

30.07.10

Maria Luiza Sarsfield Cabral

Lisboa

3. Que justiça é esta?

Publicou o jornal Público no dia 29 [de Julho] em grande destaque na primeira página, que os “procuradores quiseram ouvir Sócrates mas não tiveram tempo”. Um processo com seis/sete anos ou mais, e os senhores procuradores não tiveram tempo? (…) Não seria mais notícia saber o que os senhores procuradores andam a fazer ou que justiça é esta nesta país de sol e … ? Mas isso trazia problemas para o jornal. Com cada vez menos leitores (compradores) o jornal corre o risco de desaparecer, pelo menos já perdeu mais um leitor comprador!

30.07.10

José Casimiro Almeida

4. Novo manto de suspeita

Quando ainda era jornalista do quadro do PÚBLICO, troquei alguns e-mails com o então director, José Manuel Fernandes, insurgindo-me contra a forma como o jornal estava a tratar o caso Freeport. Criticava, sobretudo, a ligeireza com que o PÚBLICO fazia notícias e manchetes com base em suspeições que iam saindo a conta-gotas do processo, não procurando aferir da sua veracidade ou, no mínimo, acautelar a possibilidade de nada do que se dizia envolvendo o primeiro-ministro e outras pessoas ser verdade. Havia a clara convicção de que o primeiro-ministro era culpado e isso acabava por influenciar as decisões editoriais e até a forma de escrever de alguns jornalistas. Só assim se pode compreender que o PÚBLICO tenha um dia feito manchete com base numa manchete da revista Sábado que vinculava o primeiro-ministro ao caso, sob a suspeita de ter participado em actos de corrupção. Em vez de fazer a sua própria investigação, o PÚBLICO optou por reproduzir as suspeitas levantadas pela Sábado, sem tratar de averiguar da sua legitimidade.

Não sou um admirador de José Sócrates, mas sempre coloquei reservas à forma leviana como muitos jornalistas o julgavam e julgam, dando-o por culpado sem antes se fazer prova de tal. Tratando-se de um primeiro-ministro, o PÚBLICO tem o direito e o dever de questionar e fiscalizar a sua conduta política, mas também tem o dever de nunca ultrapassar os limites desse direito. E fê-lo muitas vezes. E voltou a fazê-lo agora, após a revelação do despacho do Ministério Público. Desde logo, fazendo uma gestão “política” da informação, começando por dar a notícia correcta sobre o despacho, para, no dia seguinte, pegar na parte do despacho que voltava a lançar dúvidas sobre o primeiro-ministro. O teor do primeiro parágrafo dessa notícia é elucidativo, nomeadamente quando é dito que, afinal, o primeiro-ministro não pode falar em “finalmente”.

A notícia é assinada pelo jornalista José António Cerejo, colega que faz um trabalho notável mas, como acontece com toda a gente, não isento de erros. Mas, embora seja ele a assinar a peça em causa, o que merece reparo é a atitude editorial do jornal, não só pela forma como geriu a informação, mas sobretudo por não ter feito o que lhe competia, que era olhar para o despacho de forma crítica. E, se o tivesse feito, teria feito a pergunta que todos fizeram: como é possível que os procuradores responsáveis pelo processo tenham dito no despacho que não lhes deram tempo para fazer um conjunto de perguntas importantes ao primeiro-ministro, algumas das quais sobre assuntos que já eram do domínio público há muito tempo? Em vez de questionar a incompetência dos procuradores e do Ministério Público, cujo despacho revela até alguma má-fé, o PÚBLICO voltou a valorizar o teor das perguntas, lançando de novo um manto de suspeita sobre o primeiro-ministro, que nem arguido era. Fazia todo o sentido falar nas perguntas, mas de forma crítica, questionando também a actuação do Ministério Público, o que não foi feito. Na Comissão Parlamentar sobre a TVI, que durou pouco mais de dois meses, o primeiro-ministro respondeu a mais de 60 perguntas. No caso Freeport, que dura há seis anos, os procuradores não tiveram tempo para lhe fazer 27 perguntas, e, para o PÚBLICO, isso não mereceu qualquer observação. A opção do jornal foi insistir na suspeita sobre o primeiro-ministro e poupar a crítica aos procuradores e ao Ministério Público, como se os actores da Justiça estivessem acima da lei e da crítica.

Como já se percebeu, deste caso ninguém vai sair bem. Infelizmente, o PÚBLICO também não.

03.08.10

Pedro Garcias (jornalista, colaborador do PÚBLICO)

5. Exagero

Acho que o Público está a voltar a Agosto de há 1 ou 2 anos, de má memória!

Na altura com as primeiras e segundas e terceiras páginas de escutas ao PR! Agora sempre com o Freeport. A qualidade do Público não merece este exagero! Ou acham que sim?

10.08.10

Augusto Küttner de Magalhães

Porto


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