(Crónica da edição de 4 de Julho de 2010)
Ao fim de quatro meses de exercício do cargo de provedor do leitor, posso dizê-lo sem receio de errar: a maioria das queixas que me chegam relaciona-se com matérias publicadas na edição electrónica do jornal.
O facto começou por me surpreender, mas hoje vejo-o com naturalidade. O Público Online, segundo me informa Sérgio Gomes, editor responsável pela plataforma noticiosa na Internet, tem, em média, 200 mil visitantes diários, responsáveis por cerca de um milhão de consultas por dia. São muitas vezes mais do que aqueles que compram a edição em papel. Uma grande parte buscará sobretudo a informação quase instantânea e sem custos, dispensando a maior profundidade noticiosa, a informação mais trabalhada, os exclusivos, a análise ou a opinião que o núcleo mais fiel dos que adquirem o jornal nas bancas procura no PÚBLICO, de acordo com o que são hoje algumas marcas diferenciadoras entre os dois rostos do jornal.
Muitos serão, certamente, leitores menos fidelizados a um título, que se terão habituado a consultar diferentes sítios informativos na rede e a compará-los por critérios de qualidade, utilidade e credibilidade, o que contribuirá para interiorizar níveis de exigência. O facto de estarem familiarizados com as novas tecnologias e as potencialidades da interactividade ajuda a perceber que sejam os que mais se queixam do que não lhes agrada no jornal: é simples acabar de ler uma notícia no computador e desabafar, com um clique, no endereço do provedor.
Tendo, em geral, uma relação mais volátil com o PÚBLICO do que os que o lêem diariamente no papel, não são por isso menos conscientes dos seus direitos de consumidores de informação. E têm razão. Sob o logótipo do jornal, em papel ou na rede, não se esperará que sejam diferentes os níveis de qualidade do serviço prestado, nem as normas éticas e profissionais que o devem balizar. É interessante constatar que, com ou sem razão, me chegam com frequência protestos contra notícias divulgadas no Publico Online que são originárias de agências noticiosas, e podem por isso ser encontradas ao mesmo tempo nos sítios informativos de outros jornais, mas que são contestadas em nome da credibilidade do PÚBLICO, da sua marca de jornal de referência. Apesar de a sua origem externa estar identificada, são, para esses leitores, notícias do PÚBLICO. E, mais uma vez, têm razão. A partir do momento em que são colocadas em linha, são da responsabilidade editorial da direcção do jornal.
E, no entanto, a natureza dos dois meios é substancialmente diferente. Os processos de produção das notícias — que me cabe apurar e apreciar perante queixas dos leitores — têm características diferentes. Se na rede se valoriza naturalmente a velocidade na difusão da informação, a notícia para a edição no papel beneficia de mais tempo de reflexão, de busca do contraditório, de validação de informações recolhidas. Dediquei já várias crónicas a casos de notícias do Público Online que foram alvo de queixas justificadas por nelas se terem dispensado boas práticas jornalísticas que mais dificilmente seriam negligenciadas no trabalho para a edição em papel.
O PÚBLICO pode orgulhar-se de pioneirismo, em Portugal, no jornalismo on line, e de um esforço continuado para melhorar a sua qualidade. Mas parece-me evidente que a sua crescente audiência vem acompanhada de novos problemas e desafios, em que se joga quotidianamente (melhor, a cada hora, a cada quarto de hora) o seu capital de credibilidade. Por isso resolvi dedicar hoje este espaço, não à habitual análise de reclamações específicas dos leitores, mas a uma primeira abordagem de problemas que, por serem recentes, não terão ainda soluções verdadeiramente consolidadas nos planos editorial e organizativo.
Não é tema que possa esgotar neste texto. Inquiri a direcção do jornal sobre um conjunto de tópicos relacionados com a edição electrónica que me foram sugeridos por numerosos leitores e procurarei ir dando conta da reflexão em curso nesta matéria e das soluções em discussão para o futuro, revelando ao mesmo tempo os procedimentos, normas e soluções organizativas actualmente em vigor na produção do Publico Online e na sua articulação com a edição em papel.
Começarei por abordar, hoje, uma questão decorrente de casos já analisados neste espaço. Perguntei à direcção do PÚBLICO se notícias oriundas de agências noticiosas ou outros órgãos de comunicação são ou podem ser colocadas de imediato no sítio do jornal na Internet, sem qualquer diligência prévia de validação. E quis saber com que critérios, a ser esse o caso, se assegurava estar a utilizar-se informação credível. Recordei, a propósito, o caso, aqui abordado na edição de 16 de Maio, da “notícia” falsa da morte de um adepto de futebol, que esteve várias horas em linha na edição electrónica, citando como única fonte a Benfica TV.
Respondeu-me o director adjunto Miguel Gaspar: ” Existem casos em que a informação é automaticamente válida (declarações políticas feitas na rádio ou na televisão por exemplo), mas a regra é existir uma validação prévia. Essa regra não foi seguida no caso apontado, com prejuízo evidente para o jornal. Noutros casos, como o da tragédia da Madeira, fomos dos poucos sites que não avançámos a notícia de que havia corpos no parque de estacionamento de um centro comercial no Funchal. Ficámos sozinhos, mas a contenção compensou, no plano da credibilidade. É a regra que aplicamos, mas há alturas em que se tomam decisões erradas”.
É uma boa regra e um bom exemplo. É frequente, em casos de desastres naturais ou acidentes graves, sermos confrontados, pelos meios de difusão imediata (rádios, televisões, Internet) com informações não confirmadas, números contraditórios de vítimas, especulações sobre causas e consequências, que, na voracidade da notícia em primeira mão, são divulgadas sem cuidado e muitas vezes se revelam pura “desinformação”. Para além da cautela defendida por Miguel Gaspar, penso que valeria a pena ponderar a adopção de uma regra simples: sempre que se trate de uma notícia que, pela sua importância, deva ser logo colocada em linha, mas em que as primeiras informações — ainda que oriundas de fontes geralmente credíveis — sejam, como não poucas vezes sucede, confusas e precárias e necessitem de ser validadas em contínuo (uma grande catástrofe, por exemplo), o Público Online poderia utilizar uma sinalização gráfica destacada para tornar claro que se trata de informações ainda por confirmar, e mantê-la até as ter validado ou desmentido.
Já analisei aqui alguns casos de notícias de produção alheia ao PÚBLICO que foram colocadas em linha sem que tivessem sido cumpridas com rigor normas de validação, equilíbrio e imparcialidade que o jornal se compromete a seguir. A direcção garante que “as regras éticas e deontológicas que se aplicam ao PÚBLICO aplicam-se ao Público Online”, e que nunca foram dadas instruções “para que a favor da instantaneidade se atropelassem essas regras”. E o editor Sérgio Gomes salienta que “as únicas notícias de produção alheia ao PÚBLICO publicadas no Público Online são as notícias de agência”, que “são sempre devidamente assinadas”. Seria útil, então, que os leitores soubessem quais as agências que o PÚBLICO considera suficientemente credíveis para fazer suas, sem mais, as notícias que delas recebe.
Creio, porém, que o problema é mais complexo e merece ser discutido. Uma notícia de agência, que é muitas vezes uma peça incompleta de um processo noticioso a decorrer, submete-se às normas desse meio específico e não obedece, nem tem de obedecer, em cada despacho, a certos requisitos mais exigentes, como os que o PÚBLICO adoptou para si. Ao ser colocada no Público Online, passa a ser uma notícia deste jornal. Mas poderá, seriamente, ser avaliada à luz das mesmas regras? Concluindo por uma vez com uma interrogação, espero regressar em breve a este tema.
A praga do anonimato e o respeito pela verdade
Pronunciei-me, na minha crónica anterior, contra a publicação de um comentário de natureza ofensiva, imputado a “um cidadão não identificado”, recordando que “um comentário nunca deve ser atribuído a fontes anónimas” e que, por regra, não são admissíveis insultos nestas páginas. Um novo dado obriga-me a voltar hoje ao assunto. O que então se apresentava como uma situação de menor respeito por normas profissionais e de estilo que o PÚBLICO fez suas, mas que estão longe de ser generalizadamente aceites na imprensa, mostra-se agora como uma falha em relação ao mais básico dever dos jornalistas: o respeito pela verdade.
Recordar-se-ão alguns leitores do que estava em causa. Numa notícia sobre as homenagens fúnebres a José Saramago, escreveu-se: “À Lusa, um cidadão não identificado disse…” (e seguia-se uma frase desprimorosa para um antigo governante). Defendi na altura que os jornalistas devem “combater a praga do anonimato” em declarações tornadas públicas nos media, e critiquei por isso a transcrição dessa frase.
Tive entretanto acesso ao despacho original da Lusa, do qual foi retirada a declaração em questão, descrita no PÚBLICO como tendo sido prestada à agência por “um cidadão não identificado”. O que é falso. Lê-se claramente no texto da Lusa que a afirmação foi feita pelo senhor “Fulano de Tal”, devidamente identificado, que não se furtou a dar a cara pela opinião que manifestou. É para mim incompreensível o que possa ter levado alguém neste jornal a decidir, num só e censurável movimento, dar-lhe voz e retirar-lhe a identidade.
José Queirós
This is the pecfert post for me to find at this time