À justiça o que é da justiça, aos jornais o que é dos jornais

(Crónica da edição de 27 de Junho de 2010)

Não devo pronunciar-me, neste espaço, sobre o conteúdo dos editoriais do PÚBLICO. São textos de opinião, que como tal devem ser julgados pelos leitores. Excepções a esta regra podem surgir quando é posta em questão a base factual (e o seu tratamento informativo) em que a opinião se apoia, ou se colocam dúvidas quanto à sua compatibilidade com valores e orientações que o jornal livremente assumiu e em que funda o seu contrato de confiança com os leitores.

Por isso vou hoje deter-me na carta de um leitor que se afirma “defraudado” por um editorial (“Insegurança pública?”) publicado no passado dia 2, depois de o jornal ter noticiado, na véspera, incidentes envolvendo agentes da PSP e um grupo de jovens, no Bairro Alto lisboeta, na madrugada de 30 de Maio. Desses incidentes resultou a detenção de cinco pessoas, que se queixam, por sua vez, de terem sido agredidas pelos polícias, o que as obrigou a receber tratamento hospitalar. O editorial defendia que não pode ser a própria polícia a pôr em causa a segurança pública, e que sucessivos casos ocorridos no Bairro Alto configurariam “um padrão de comportamento” censurável por parte de elementos policiais. Concluía: “Se a PSP quer ser respeitada, que mude de métodos”.

Na carta que me enviou, o leitor Ricardo Correia refere precisamente que “nas últimas edições” do jornal têm surgido “notícias que dão como agressores agentes da PSP e como agredidos pessoas indefesas e civis”. Diz que essa informação deve ser feita com “isenção” e “rigor”, e que tais princípios não teriam sido seguidos no editorial referido, no qual, considera, “se faz um julgamento prévio e sem audição dos arguidos (agentes da PSP) “. Pede-me que me pronuncie sobre o caso, por achar que o texto — ao pôr em causa a acção policial — pode gerar “um sentimento de insegurança e revolta para com as forças de segurança”.

Comecei por consultar a notícia dos incidentes, publicada a 1/6 e assinada por Marisa Soares. É uma peça que descreve os detalhes do caso, e regista as versões contraditórias da PSP e das pessoas feridas e detidas. Os títulos não são conclusivos, acolhem ambas as versões. Ao lado, uma coluna de texto documenta outros acontecimentos recentes na zona, tendo em comum alegadas agressões a cidadãos por agentes policiais. O PÚBLICO voltou ao tema na edição de 3/6, para relatar a queixa apresentada por um cidadão inglês que afirma ter sofrido “uma fractura exposta dos ossos do nariz” e ter sido “deixado no chão”, “a necessitar de assistência médica”, depois de um amigo seu ter procurado fotografar os incidentes da madrugada de 30/5, em relação aos quais corrobora a versão da violência policial injustificada.

Confrontado com a reclamação que recebi, o director adjunto Nuno Pacheco começa por recordar que “um editorial marca, por princípio, uma opinião”, e que “os conceitos de ‘isenção’ e ‘rigor’ [invocados pelo leitor] devem ser entendidos neste contexto pelo facto de essa opinião se basear em dados que o jornal tem como correctos”. E resume, em seguida, os factos que o jornal pôde apurar, cruzando testemunhos que considerou credíveis.

Entre eles: os detidos iam “a passar na rua por mero acaso, quando depararam com a polícia a agredir uma jovem”, que estava “deitada no chão, com um polícia a pisar-lhe a cabeça com o sapato e os outros a agredirem-na com cassetetes”; não havia outros sinais de “desordem na rua”; um dos jovens é fotógrafo, “resolveu fotografar”, tiraram-lhe a máquina e um agente “começou a bater-lhe”; “outro jovem, que entretanto dissera ‘isso não se faz a uma rapariga’ (…), foi também agredido”; “levaram-nos depois todos para a esquadra e continuaram a bater-lhes”. Amigas desses jovens foram à esquadra, onde lhes foi negada a identificação dos agentes envolvidos. Todos os testemunhos exteriores à PSP, incluindo o do “jovem britânico que ia a passar no mesmo sítio”, coincidem entre si.

“Há casos em que podemos ter muitas dúvidas e esperar”, explica o director adjunto, mas aqui “havia uma história de violência policial evidente e injustificada, acrescida de abusos” e “de mentira” — referência aos espancamentos na esquadra, onde um dos rapazes terá sido obrigado, “debaixo de pancada”, a “assinar um papel a ‘confessar’ que tinha agredido os guardas”.

Por isso, não tem dúvidas em afirmar que, “face a todos os dados disponíveis”, os agentes da PSP envolvidos “exorbitaram funções e denegriram a farda que vestem”. Antes de mais, porque “uma rapariga manietada no chão, por muito mal que tenha feito, não deve ser agredida a cassetete”. E reafirma o sentido do editorial de 2 de Junho: “Criticar a polícia não é suscitar ‘um sentimento de insegurança e revolta’, é contribuir para que a polícia cumpra os seus deveres (…). Há no Bairro Alto um problema grave que a PSP tem que resolver. Talvez afastando pessoas, talvez mudando hábitos. Assim não. Foi nesse sentido que o editorial foi escrito. (…) Não levianamente, mas com rigoroso conhecimento de causa”.

Eu penso que Nuno Pacheco tem razão. Não vejo motivos para crítica ao trabalho informativo neste caso. O PÚBLICO não se ficou pela opaca versão oficial, e fez o que devia, talvez até com um esforço superior ao habitual em situações deste género. O editorial enquadra o caso com oportunidade e respeito pelos valores da cidadania. Uma polícia consciente dos seus deveres só poderá agradecer a chamada de atenção que representa.

Creio, finalmente, que o leitor incorre em equívoco ao invocar na sua carta o valor jurídico da presunção de inocência. O PÚBLICO não condenou ninguém. Não identificou os agentes envolvidos, não lhes negou nem certamente negará a possibilidade de responderem a qualquer acusação. Fez uma investigação jornalística de acordo com as regras e limitações do ofício, forneceu factos e testemunhos, e manifestou — em espaço próprio — a sua opinião. À justiça caberá agora, com os seus próprios meios e regras, inquirir e julgar.

Nota — Na carta que me enviou, o leitor Ricardo Correia afirmava que um dos agredidos “é um senhor que é fotojornalista”. E perguntava: “Terá o mesmo amigos no jornal?”. Nuno Pacheco confirmou-me que sim: um dos jovens “foi estagiário no PÚBLICO, na fotografia”. O facto até poderá ter estimulado o “esforço superior” que referi, mas, como é evidente, em nada altera as conclusões que aqui ficam.

A praga do anonimato
Será uma pequena mancha no notável trabalho jornalístico — redactorial e fotográfico, em papel e na Internet — que o PÚBLICO dedicou ao falecimento e cerimónias fúnebres de José Saramago. Mas podia e devia ter sido evitada.

A fechar a última página do destaque da edição da passada segunda feira — uma página certamente mal revista (basta atentar na legenda que identificava o secretário-geral do PCP como Jerónimo Pimentel) —, surgia o seguinte parágrafo: “À Lusa, um cidadão não identificado disse ontem: ‘Toda a gente se vai lembrar que 2010 foi o ano da morte de Saramago, mas ninguém se vai lembrar do verme que lhe proibiu um livro'”.

Não seria necessário dizê-lo, mas para que fique claro: à parte a maior ou menor finura do termo escolhido para qualificar um antigo subsecretário de Estado de Cavaco Silva, e a inexactidão do que lhe é imputado (não se tratou de “proibir um livro”), não está em causa a substância da opinião citada, certamente partilhada por muitos portugueses. Está em causa o facto de o PÚBLICO dar guarida a opiniões, desprimorosas para outrem, emitidas a coberto do anonimato.

“O PÚBLICO só reproduz opiniões que forem atribuíveis a fontes claramente identificadas”. “Um comentário nunca deve ser atribuído a fontes anónimas”. “Não são admissíveis (…) insultos (…), excepto quando são essenciais à fidelidade da notícia ou da reportagem e após consulta ao editor”. Estas são normas de conduta profissional que estão escritas e obrigam os jornalistas deste diário, e nenhum motivo atendível poderá justificar que tenham sido infringidas neste caso.
Acresce que a pequena reportagem em que surgem esta e pelo menos outra opinião não identificada era já suficientemente eloquente sobre a indignação sentida por muitos dos presentes na última homenagem a Saramago, quer em relação à lamentável atitude que um governo de Cavaco Silva tomou no passado contra um livro seu, quer em relação à polémica ausência do actual Presidente da República das cerimónias de despedida do Nobel português. E incluía, a propósito, uma apreciação dura sobre Cavaco, manifestada por uma personalidade devidamente identificada. Concluí-la, a despropósito, com a referida citação de um anónimo, que a agência Lusa decidiu acolher, que as duas jornalistas que assinam o texto entenderam merecer divulgação, e que um editor terá deixado passar, foi um acto censurável que não dignifica o jornal.

Se um cidadão decide chamar “verme” a outro, espera-se que explique as razões porque o faz, que dê a cara pelo que diz e aceite as consequências. E espera-se sobretudo que, se o não faz, não veja depois estampada tal declaração nas páginas do PÚBLICO. Combater a praga do anonimato, e mais ainda a do ataque pessoal anónimo, em declarações tornadas públicas nos media, em vez de encorajar a sua difusão, deveria ser um dos primeiros deveres profissionais e cívicos dos jornalistas. Em nome, também, da sua credibilidade.
José Queirós

Documentação complementar

Carta do leitor Ricardo Correia
Escrevo porque me sinto defraudado pelo jornal Público. Nas últimas edições do jornal referido, tem-se assistido a uma actualização, e é salutar, das notícias que dão como agressores agentes da Polícia de Segurança Pública e como agredidos pessoas indefesas e civis …).
Penso que interessa, obviamente, ao cidadão português e , neste caso, ao leitor do Público estar informado em relação ao comportamento dos que (…) devem zelar pela Segurança Pública. Mas deverá ser realizada essa informação com isenção, independência, qualidade e com rigor. Não foi isso seguido no Editorial do Público do dia 2/06/2010. Nas escassas frases que o Editorial concede a essa temática constata-se que se faz um julgamento prévio e sem audição dos arguidos(agentes da PSP), violando-se claramente o princípio constitucional da inocência até prova em contrário. (Art.º 32, n.º 2 da CRP).
É que assume como verdade absoluta que os agentes daquela corporação se excederam perante “jovens pacatos”. Acaso conhece o jornal Público os jovens em causa? Como se pode qualificar os comportamentos desses jovens sem um prévio conhecimento? E em relação aos agentes, também os conhecem e são os mesmos uns amantes de violência gratuita?
(…) Como se pode cair no erro – alerte-se que falamos de um jornal como o Público e não d’O Crime -, de sentenciar algo que ainda se encontra em fase de investigação? Com que intuito é isso feito ? Terão os jornalistas algum sentimento de corporativismo? É de salientar que um dos últimos agredidos é um senhor que é fotojornalista. Terá o mesmo “amigos” no jornal que facilitem esta enorme celeuma a que assistimos?
(…) Penso que é de todo urgente o Provedor chamar à Razão os responsáveis por tão inusitado Editorial, que poderá acarretar consequências irreversíveis, como por exemplo um sentimento de insegurança e revolta para com as Forças de Segurança.
No caso de, e acredito veementemente que tal acontecerá, haver uma “mea culpa” dos responsáveis, deve essa ter a mesma visibilidade que o referido Editorial. É bom não esquecer que errar erramos todos, mas não emendar o erro já é ignorância.
Não deve o Público defender no seu Estatuto “recusando o sensacionalismo”e depois não cumprir essa recusa de sensacionalismo.
Ricardo Lopes Correia
Lisboa

Esclarecimento do director adjunto Nuno Pacheco

Um editorial marca, por princípio, uma opinião. Os conceitos “isenção” e “rigor” devem ser entendidos neste contexto pela facto de essa opinião se basear em dados que o jornal tem como correctos.
Ora o caso da intervenção da polícia no Bairro Alto, aquele que motivou o artigo que saiu no Local e também o editorial, deu-se com jovens que nós conhecemos. Um foi estagiário do PÚBLICO, na fotografia. Outros são estudantes que iam com ele, a passar na rua por mero acaso, quando depararam com a polícia a agredir uma jovem. Que estava, como diz o editorial, deitada no chão, com um polícia a pisar-lhe a cabeça com o sapato e os outros a agredirem-na com cassetetes. Não havia garrafas pelo ar nem desordem na rua. Havia apenas isto, quando eles passaram por lá. Como o fotógrafo resolveu fotografar, um dos guardas dirigiu-se a ele, tirou-lhe a máquina, tirou-lhe o cartão de memória. Podia ter ficado por aqui, podia ter-lhes dado ordem para abandonarem o local que não tinham nada que estar ali, etc. Mas não: começou a bater-lhe. O outro jovem, que entretanto dissera “isso não se faz a uma rapariga”, pedindo aos polícias para não lhe baterem, foi também agredido.
Mas não chegou: levaram-nos depois todos para a esquadra e continuaram a bater-lhes durante duas horas, não continuamente. As raparigas que iam com eles (…) foram nervosíssimas atrás deles, até à esquadra, tentaram obter a identificação dos guardas e nenhum se identificou. Só o que aceitou a queixa delas. (…). Eu falei pessoalmente [com uma das raparigas], pelo telefone (…), e uma jornalista nossa falou com os rapazes. A história coincidia. E coincide também com a versão apresentada pelo jovem britânico que ia a passar no mesmo sítio, tirou uma foto, e a polícia, em troca, partiu-lhe a cana do nariz.
Há casos em que podemos ter muitas dúvidas e esperar. Neste, pelo contrário, havia uma história de violência policial evidente e injustificada, acrescida de abusos (os espancamentos posteriores) e de mentira: obrigaram, na esquadra, debaixo de pancada, um dos rapazes a assinar um papel a “confessar” que tinha agredido os guardas. Revoltante, no mínimo.
Por isso, face a todos os dados disponíveis, acho que o editorial ainda foi brando. Veremos como prossegue a história, mas a polícia já conseguiu adiar o julgamento. A ideia é que os agredidos se cansem – coisa que acontecerá, certamente, porque nunca nenhum deles alguma vez se vira envolvido numa coisa deste género.
Portanto, em resposta ao leitor: sim, tive “prévio conhecimento”; não, não digo que os agentes são “amantes da violência gratuita”, seria ridículo fazê-lo; digo, isso sim, que exorbitaram funções e denegriram a farda que vestem. Uma rapariga manietada no chão, por muito mal que tenha feito, não deve ser agredida a cassetete. Terá o leitor alguma dúvida a este respeito? Os jovens que contemplaram a cena também não tinham. Saiu-lhes cara a carteza.
Depois: criticar a polícia não é suscitar “um sentimento de insegurança e revolta”, é contribuir para que a polícia cumpra os seus deveres sem exorbitar deles. A polícia é que, ao agir assim, contribui para criar na população “um sentimento de insegurança e revolta”. Os jovens agredidos, já agora, até tinham boa impressão da polícia e sentiam-se mais seguros com ela por perto quando iam ao Bairro Alto. Isso mudou, talvez definitivamente, depois daquela noite. Não viram polícias nos homens que lhes bateram, viram selvagens de farda.
Este caso, com os antecedentes ocorridos na mesma zona, mostra que há no Bairro Alto um problema grave que a PSP tem que resolver. Talvez afastando pessoas, talvez mudando hábitos. Assim, não. Foi nesse sentido que o editorial foi escrito. Repito: não levianamente, mas com rigoroso conhecimento de causa.


Resposta da direcção do PÚBLICO ao leitor

O leitor Ricardo Correia dirigiu também o seu protesto, sobre a questão tratada nesta crónica, à direcção editorial do PÚBLICO. Nuno Pacheco respondeu-lhe pessoalmente e facultou-me o conteúdo dessa resposta, que aqui se divulga como elemento suplementar para a clarificação da posição do jornal neste caso:

“Caro leitor:
Não é um julgamento precipitado. Sabemos do que falamos quanto à história em causa. Conhecemos as circunstâncias em que o caso se passou. Todos os agredidos são jovens estudantes que nada tinham a ver com qualquer zaragata, tiveram apenas o azar de ir a passar naquela rua.
São estudantes que fazem uma vida pacata e sem ligações a nada do que possa imaginar serem ameaças à ordem pública. Um deles é um jovem fotógrafo que já estagiou no PÚBLICO, não é nenhum desordeiro.
Somos pela manutenção da ordem, sem dúvidas, por uma acção policial eficaz e decente e pelo respeito pela segurança dos cidadãos. O que aconteceu, neste como nos casos anteriores citados no editorial, curiosamente no mesmo bairro, foram casos – que hão-de ser comprovados em tribunal – de violência exagerada e gratuita.
Homens assim não deviam envergar a farda da PSP. Envergonham-na. Por isso, embora tenha todo a direito a acreditar no que quiser, neste caso posso garantir-lhe, pessoalmente, que não há nenhum exagero.
O “mea culpa”, a existir, caberá à PSP, não ao PÚBLICO”.
Nuno Pacheco (director adjunto do PÚBLICO)

Mensagem do editor do Local Lisboa

No seu último texto [“À justiça o que é da justiça, aos jornais o que é dos jornais”] analisa o comportamento do PÚBLICO em certas notícias de denúncia de violência policial. O provedor aprova o trabalho dos jornalistas dizendo que o PÚBLICO “fez o que devia”, mas exprime uma dúvida: o PÚBLICO trabalhou “talvez até com um esforço superior em situações deste género”. Na nota final agrava a suspeita referindo que um dos supostos agredidos é um ex-estagiário do PÚBLICO. Tal facto, conclui o provedor, “poderá ter estimulado o ‘esforço superior’” que referiu.
O provedor não questionou os jornalistas envolvidos na produção daquelas notícias – não tinha de o fazer, até porque a reclamação do leitor que deu origem à crónica debruçava-se sobre um editorial. Essa opção, porém, lança uma dúvida, sem a desatar. Tomo, por isso a liberdade, de lhe enviar os seguintes dados, que podem ajudar:
1. Cinco dias antes da notícia de 1 de Junho, envolvendo o ex-estagiário da fotografia, publicámos a notícia “Dois jovens acusam a PSP de agressões no Bairro Alto mas a polícia nega”.
2. Os acontecimentos de 27 de Maio envolvem dois desconhecidos, um dos quais surge identificado por uma pequena foto. Esse caso está, aliás, citado nas peças de 1 de Junho.
3. Dois meses e meio antes, a 16 de Março de 2010, o PÚBLICO noticiou o caso do rapper MC Snake, morto em Lisboa, vitimado por um tiro após perseguição policial. Um agente da PSP já foi alvo de acusação do Ministério Público. A notícia da morte do rapper e do inquérito da PSP teve o mesmo destaque que as anteriores, numa página de abertura da secção Local, na edição Lisboa.
4. As notícias de 16 de Março, 27 de Maio, 1 e 3 de Junho (com mais um caso sobre um cidadão inglês) tiveram o mesmo destaque, em página de abertura na secção Local, da edição Lisboa.
Face a estes factos, tenho uma percepção diferente da do provedor. O esforço foi sempre o mesmo, tal como o destaque, fosse a história sobre um estudante, um rapper que ficou famoso depois de morrer, um cidadão inglês ou um ex-estagiário do jornal.
28 de Junho de 2010
Victor Ferreira
(editor do Local Lisboa)

Esclarecimento

Utilizei a expressão “talvez até com um esforço superior ao habitual em situações deste género” (na frase “O PÚBLICO não se ficou pela opaca versão oficial, e fez o que devia, talvez até com um esforço superior ao habitual em situações deste género”) para transmitir uma percepção genérica que não sustentei com exemplos concretos. Essa percepção é a de que, em certas notícias sobre “casos de polícia”, nem sempre há um esforço para verificar e submeter a contraditório a informação vinda das autoridades policiais.
Não se tratou de “lançar uma dúvida”, nem muito menos uma “suspeita”. Pelo contrário. Se referi, na nota final da minha crónica, o facto de um dos agredidos no Bairro Alto ter sido “estagiário no PÚBLICO”, foi porque o leitor que contestou o editorial de 2/6 sobre este caso levantou explicitamente essa questão na carta que me enviou (“terá o mesmo ‘amigos’ no jornal?”) e esse dado foi igualmente referido no depoimento que o director adjunto Nuno Pacheco me prestou sobre o assunto (ver acima mensagens trocadas sobre o caso). O que quis dizer aos leitores, e creio que terá sido entendido, foi:
a) Esse era um dado verdadeiro, que, admiti, “até poderá ter estimulado” o tal “esforço superior” neste caso, o que, a ter acontecido, seria na minha opinião perfeitamente compreensível, ao contribuir para que fosse mais fácil aceder, à partida, a informações sobre o caso, contraditórias com as da PSP.
b) Sendo verdadeiro, e não havendo razão para ser ocultado face à insinuação contida na carta do leitor, esse dado deveria ser considerado irrelevante para a análise do tratamento jornalístico do caso.
José Queirós



Mais documentação complementar

A praga do anonimato e o respeito pela verdade
(Nota publicada na edição em papel do PÚBLICO de 4 de Julho de 2010)

Pronunciei-me, na minha crónica anterior [27 de Junho], contra a publicação de um comentário de natureza ofensiva, imputado a “um cidadão não identificado”, recordando que “um comentário nunca deve ser atribuído a fontes anónimas” e que, por regra, não são admissíveis insultos nestas páginas. Um novo dado obriga-me a voltar hoje ao assunto. O que então se apresentava como uma situação de menor respeito por normas profissionais e de estilo que o PÚBLICO fez suas, mas que estão longe de ser generalizadamente aceites na imprensa, mostra-se agora como uma falha em relação ao mais básico dever dos jornalistas: o respeito pela verdade.

Recordar-se-ão alguns leitores do que estava em causa. Numa notícia sobre as homenagens fúnebres a José Saramago, escreveu-se: “À Lusa, um cidadão não identificado disse…” (e seguia-se uma frase desprimorosa para um antigo governante). Defendi na altura que os jornalistas devem “combater a praga do anonimato” em declarações tornadas públicas nos media, e critiquei por isso a transcrição dessa frase.

Tive entretanto acesso ao despacho original da Lusa [ver abaixo], do qual foi retirada a declaração em questão, descrita no PÚBLICO como tendo sido prestada à agência por “um cidadão não identificado”. O que é falso. Lê-se claramente no texto da Lusa que a afirmação foi feita pelo senhor “Fulano de Tal”, devidamente identificado, que não se furtou a dar a cara pela opinião que manifestou. É para mim incompreensível o que possa ter levado alguém neste jornal a decidir, num só e censurável movimento, dar-lhe voz e retirar-lhe a identidade.
José Queirós


Despacho da agência Lusa (de 20 de Junho)
Lisboa, 20 Jun (Lusa) – O corredor central do cemitério do Alto de São João, em Lisboa, foi pequeno para acolher as largas centenas de pessoas que quiseram assistir à última cerimónia fúnebre do escritor José Saramago. Pelas 13:10, a urna do Prémio Nobel da Literatura entrou, carregada em ombros e coberta com a bandeira portuguesa, no cemitério da capital.
A passagem do corpo de Saramago foi acompanhada de fortes aplausos, que duraram mais de 10 minutos, e com os populares a atirarem cravos vermelhos ao caixão.
“Saramago: a Luta continua”, foi a frase mais gritada pelas centenas de pessoas, que se concentravam à entrada do crematório.
Quando as portas do crematório se fecharam, reservando o espaço à família e aos amigos, continuaram a ouvir-se aplausos e gritos de apoio, como: “Saramago, amigo, o povo está contigo”. Pelas 13:25, o fumo começou a sair da chaminé do crematório, arrancando mais aplausos à população que assistiu, emocionada, a este momento.
Estava cumprido um dos pedidos expressos em vida por Saramago: ser cremado.
Os cravos vermelhos foram a principal nota de cor nesta despedida ao autor português, simbolizando a luta pela liberdade e também a sua militância comunista.
Mas uma única bandeira do PCP, empunhada por alguns militantes junto ao crematório, serviu para juntar naquela zona muitos apoiantes do partido.
Muitos foram também os admiradores do Nobel que decidiram levar alguns dos seus livros mais emblemáticos para esta despedida: “Memorial do Convento”, “Ensaio sobre a Cegueira” e “Caim” – a última obra do autor – iam sendo levantados à medida que os aplausos decorriam.
Álvaro Paninho, um dos populares presente no Alto de São João, fez questão de ir acompanhado pelo “Evangelho Segundo Jesus Cristo”, a polémica obra que levou um ex-secretário de Estado do PSD, Sousa Lara, a impedir Saramago de concorrer a um prémio.
“Toda a gente se vai lembrar que em 2010 foi o ano da morte de Saramago, mas ninguém se vai lembrar do verme que lhe proibiu um livro em 1992”, afirmou à agência Lusa este cidadão, referindo-se à polémica.
E houve outra polémica a pontuar os discursos de alguns dos presentes – a ausência do Presidente da República nas cerimónias fúnebres do único Nobel da Literatura português. Discursos.
“És um grande homem, Saramago. Ficas na história como um grande homem. E Cavaco Silva fica na história como uma vergonha, um homem pequeníssimo”, gritava um cidadão, secundado por várias pessoas que se encontravam perto dele.
À margem de polémicas, várias personalidades da política e da cultura juntaram-se à derradeira cerimónia fúnebre, como o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, que foi fortemente aplaudido quando chegou à zona do crematório, acompanhado pelo seu antecessor, Carlos Carvalhas.
O presidente da câmara de Lisboa, António Costa, o líder do Bloco de Esquerda, Francisco Louça, o ministro da Ciência e Tecnologia, Mariano Gago, e o cantor Carlos do Carmo foram outras das personalidades presentes.
No final da cerimónia, foi altura de prestar homenagem a Pilar del Rio, mulher de Saramago, também fortemente aplaudida pela população no momento em que abandonarva o local onde o corpo do marido se transformou em cinza.

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