“Para que serve a comunicação?”

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“A comunicação é um caso particular do transporte”, afirmou Robert Escarpit, um dos fundadores, nos anos 70 do século XX, da Sociedade Francesa das Ciências da Informação e da Comunicação. Philippe Breton, pro­fes­sor no Cen­tro Uni­ver­sitário de Ensino de Jor­nal­ismo da Uni­ver­si­dade de Estras­burgo, cita-o no início de Elogio da palavra (São Paulo: Loyola, 2006) por considerar que a fórmula é precisa e prática. Ela ajuda a compreender do que se fala quando se fala de comunicação, evitando “muitas ilusões e entusiasmos inúteis”. O mundo da comunicação é, portanto, segundo a lista não exaustiva de Breton, o dos telefones, das redes, dos livros, dos jornais e da televisão. Sendo a comunicação o conjunto desses dispositivos de transporte, há uma questão que se impõe: “Mas para transportar o quê?” A interrogação é frequentemente evitada, nota Breton, apesar de, acrescenta ele, a resposta ser “simples, evidente e essencial”: os dispositivos de comunicação servem para transportar a palavra humana.
Da observação, decorre a dúvida sobre o que preferir: palavra ou comunicação. Philippe Breton julga que todas as pessoas percebem aproximadamente o que quer dizer “sociedade de comunicação”, mas “sociedade da palavra” poderá originar interpretações menos exactas (“entender-se-á ‘sociedade do oral’, por oposição especialmente às sociedades que conhecem a escrita e esquecendo-se, de passagem, aliás, as que utilizam a linguagem dos sinais”). Ou seja, “ao utilizar ‘palavra’, corre-se o risco de não se conseguir fazer entender”. Para Breton, do que se trata é da necessidade de escolher o termo que designe uma instância mais fundamental, mais da ordem das finalidades que da dos meios. E, apesar da sua aparente facilidade de emprego, a palavra “comunicação” não cumpre o propósito.
O autor de Elogio da palavra constata que, “por bons e maus motivos, o termo ‘comunicação’ suscita uma irritação crescente. Ele, aliás, está deslizando suavemente para um sentido pejorativo. ‘Isso não é política’, escreve um editor ao falar do discurso de um primeiro-ministro. ‘Isso é comunicação.’ Em suma, a essência, o conteúdo, é a política, a fala política que se espera, e a comunicação é a forma, a aparência. Tomemos cuidado, no entanto, com os efeitos incontroláveis de uma oposição excessivamente romântica entre a forma e a essência, o autêntico e o superficial, a profundidade e a superfície”.
Philippe Breton não dispensa o vocábulo “comunicação”, pois ele engloba a grande – e honrosa – família dos termos que servem para designar os meios que utilizamos para dar forma, para dizer o que temos a dizer. O problema, diz ele, é que a comunicação e as suas técnicas “estão envoltas num clima de fetichismo relativamente generalizado”. De facto, “graças especialmente às novas tecnologias de comunicação, à digitalização e à Internet, o olhar concentra-se hoje mais nos instrumentos do que naquilo para que eles servem”. Ou seja: “A finalidade da comunicação parece ter sido progressivamente apagada”. A circunstância de a “ideologia da comunicação” estar tão implantada nas consciências faz com que, segundo Breton, não se coloque uma questão muito simples, mas essencial: “Para que serve a comunicação?” O mesmo é perguntar: “Qual é a finalidade de todos esses instrumentos de comunicação que inventamos a um ritmo cada vez mais acelerado? Para que serve tudo isso?”

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