“Já não consigo aguentar”

P23 entre nós
É uma descrição paradigmática do sofrimento dos mais novos, o conto escrito por Beatriz Infante, aluna do 8.º ano da Escola Secundária Alves Martins, Viseu, que venceu o Concurso de Contos, subordinado ao tema “Pela Tolerância”, no escalão relativo ao ensino básico (no secundário, ganhou José Almeida, do 10.º R). É um texto muito significativo, pelo que nele é dito e pelo que nele se subentende. Reclama reflexão e sugere consequência. O conto, que aqui se apresenta, foi publicado no número mais recente do jornal Entre Nós.

Era o seu primeiro dia naquela escola. Catarina tinha sido transferida devido ao fraco nível das suas notas. Ela tinha muito baixa auto-estima e era muitas vezes menosprezada por todos. Naquele dia tudo para ela estava diferente: caras diferentes, espaços diferentes, professores diferentes, enfim! Catarina sentia-se mal, não conhecia ninguém e era demasiado tímida para começar a fazer laços de amizade, e em vez de se chegar à frente e tentar, refugiava-se na casa de banho a chorar. Ao fim do dia, Catarina só queria ir para casa e, ao soar do toque, ela correu o mais rápido que conseguiu até à porta do prédio, e mais ninguém a viu naquele dia.
No segundo dia, tudo parecia estar a correr bem… Algumas raparigas da turma tinham começado a falar com ela e a formar amizades. Até que, na aula de educação física, tudo mudou. Quando o professor a mandou fazer cinco flexões e ela não conseguiu sequer acabar a primeira, o pavilhão encheu-se de gargalhadas dos seus colegas, que só a fizeram perder mais forças e desistir.
Catarina não se importou e faltou ao resto das aulas. Mal chegou a casa, refugiou-se no seu quarto, abriu um pequeno livro que tinha escondido debaixo do colchão e começou a escrever:
“Querido diário,
Porquê? Porque é que tudo isto tinha de acontecer comigo? Porque é que toda a gente me julga sem sequer conhecer a minha história? Ninguém me aceita na sociedade devido a estas estúpidas banhas que eu transporto todos os dias!!! Se em vez de gozarem me viessem perguntar se preciso de ajuda ou se está tudo bem… Não… rebaixam-me cada vez mais! O que esta gente não sabe é que eu passo fome todos os dias para emagrecer, apesar de não ter resultados notáveis! E para piorar a situação, as saudades do meu pai são cada vez maiores, o que me faz ficar ainda pior! Pai, porque é que me deixaste nesta altura tão difícil? Porque é que partiste? Tenho tantas saudades tuas, pai! Volta por favor!!!
Fico à espera que o dia de amanhã seja melhor…”
Catarina não jantou, como sempre, e adormeceu muito cedo.
No dia seguinte, todos tiveram um teste surpresa a matemática, e como era de esperar, Catarina teve “fraco”, pois todos os seus problemas a impediam de se concentrar.
Rapidamente, aquela miúda gorda, feia e que ninguém se dava ao trabalho de conhecer, passou a ser vítima de bullying. Chamavam-lhe nomes horríveis, troçavam dela sempre que a viam passar, chegavam mesmo a fazer-lhe partidas só para a humilhar.
Como Catarina não podia falar sobre tudo isto à sua mãe, pois esta passava a vida inteira a trabalhar, libertava todas as suas mágoas cortando os pulsos. Aquelas feridas superficiais representavam feridas profundas, feridas que ninguém conseguia ver, mas que gritavam dentro dela por um pouco de amor que as pudesse tratar.
Certo dia, enquanto Catarina estava no balneário, uma colega de turma reparou nas marcas dos braços dela. Rapidamente o caos se instalou e sempre que olhavam para ela, olhavam-na com rejeição, com vergonha, dizendo que ela não tinha razão para ter feito tal coisa. A partir deste dia, tudo ficou ainda pior. Os insultos não paravam e Catarina começava a perder a paciência.
Um dia, chegou a casa, pensou na sua vida e pensou que era inútil para todos, que estava apenas a ocupar um espaço que podia ser preenchido por uma pessoa melhor e que se ela desaparecesse ninguém ia notar, ninguém ia preocupar-se.
Depois de refletir, tomou uma decisão, a maior que ela alguma vez tinha tomado.
No dia seguinte, a mãe de Catarina chegou a casa de madrugada e, ao abrir a porta, deparou-se com a sua filha deitada no chão, sem vida, mais pálida que a neve. Os gritos imediatamente ressoaram pelo prédio inteiro. Ao seu lado estava um bilhete que dizia:
“Desculpa, mãe, sei que vai ser muito doloroso, mas eu tenho que o fazer. Já não consigo aguentar. Foi demasiada pressão. Mas também ninguém se importa comigo, portanto não devo fazer muita falta. Pelo menos, vou ter com o pai, e, finalmente, vou ser feliz.”
A mãe de Catarina abraçou a sua filha, uma última vez, enquanto as lágrimas lhe corriam pela cara. Levantou-se e chorou. Naquele momento decidiu que a morte da sua filha não tinha sido em vão, e a partir daquele dia, dedicou-se a campanhas contra o bullying, campanhas que apoiam a tolerância, pois não interessa se uma pessoa é magra, gorda, alta, baixa, usa óculos, tem roupas de marca… o que realmente interessa é o seu interior.

Beatriz Infante, aluna n.º 6 da turma B do 8.º ano da Escola Secundária Alves Martins

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