Há quem, algo justificadamente, não aprecie que se classifique um livro como sendo de leitura obrigatória. Não se dirá, por isso, que é imperativo ler Os superficiais. No entanto, importa sublinhar devidamente que esta obra, por ser tão esclarecedora e proveitosa, tem de constar em qualquer lista de obras, por muito reduzida que seja, que devem merecer a atenção de quem pretende educar para os media.
Em Os superficiais. O que a Internet está a fazer aos nossos cérebros, Nicholas Carr, escritor residente na Universidade da Califórnia, faz sua uma noção de Marshall McLuhan, que dizia que as tecnologias entorpecem as mesmas faculdades que amplificam, e explica, de um modo assaz persuasivo, contra que efeitos nocivos da Internet nos devemos precaver. Os exemplos são incontáveis. Cite-se um: “Como mostram vários estudos sobre hipertexto e multimédia, a nossa capacidade de aprendizagem pode ficar comprometida quando os nossos cérebros ficam sobrecarregados com vários estímulos online. Mais informação pode significar menos conhecimento”.
Para o ensaísta, mesmo sendo difícil resistir aos apelos da tecnologia, importa “manter a esperança de que nós não nos deixaremos arrastar facilmente para o futuro cujo guião os nossos engenheiros informáticos e programadores de software estão a escrever para nós”.
Alguns sublinhados:
“No seu livro de 1993, Technopoly, Neil Postman enumerava os princípios fundamentais do sistema tayloriano de administração científica. A fundação do taylorismo baseou-se em seis pressupostos: ‘que o principal, senão o único, objectivo do trabalho e pensamento humanos é a eficiência; que o cálculo técnico é sempre superior ao raciocínio humano; que, na realidade, o raciocínio humano não é de confiança, porque está contaminado com imprecisão, ambiguidade e complexidade desnecessárias; que a subjectividade é um obstáculo ao pensamento claro; que aquilo que não pode ser medido ou não existe ou não tem valor; e que os assuntos dos cidadãos devem ser orientados e geridos por especialistas.’ O que é notável é como o resumo de Postman descreve na perfeição a ética intelectual da Google. Apenas é necessária uma pequena correcção para que esteja actualizada. A Google não acredita que os assuntos dos cidadãos devam ser orientados e geridos por especialistas. Acredita que esses assuntos são melhor guiados por algoritmos – o que é exactamente aquilo em que Taylor acreditaria se no seu tempo já existissem poderosos computadores digitais.”
Página 190
“Com cada expansão da nossa memória vem um alargamento da nossa inteligência.”
Página 238
“A Internet é uma tecnologia do esquecimento.”
Página 239
“O descarregar da memória para bancos de dados externos não ameaça apenas a profundidade e especificidade do eu. Ameaça também a profundidade e a especificidade que todos partilhamos.”
Página 243
“Quando estamos online, também nós estamos a seguir guiões escritos por outros – instruções algorítmicas que poucos de nós seriam capazes de entender, mesmo que os códigos ocultos nos fossem revelados. Quando procuramos informação através do Google ou de outros motores de busca, estamos a seguir um guião. Quando olhamos para um produto que nos é recomendado pela Amazon e o Netflix, estamos a seguir um guião. Quando escolhemos de uma lista de categorias para nos descrevermos ou às nossas relações no Facebook, estamos a seguir um guião. Esses guiões podem ser engenhosos e extraordinariamente úteis, como eram nas fábricas tayloristas, mas também mecanizam os processos desordenados da exploração intelectual e até das ligações sociais. Como argumentou o programador de computadores Thomas Lord, o software pode acabar por transformar a mais íntima e pessoal das actividades humanas em ‘rituais’ mecânicos cujos passos estão ‘codificados na lógica de páginas Web’. Em vez de agirmos de acordo com o nosso próprio conhecimento e intuição acompanhamos os movimentos.”
Páginas 267/8
“Como seria triste, particularmente no que diz respeito à educação das mentes das nossas crianças, se nós aceitássemos sem questionar a ideia de que os ‘elementos humanos’ são elementos antiquados e prescindíveis.”
Página 274
Os superficiais. O que a Internet está a fazer aos nossos cérebros foi editado pela Gradiva no ano passado.