Mais informação, menos conhecimento

Os que, no Verão, buscam na imprensa algo mais do que fotografias de famosos mais ou menos despidos nas praias de Portugal e do mundo ou sugestões de restaurantes bons e baratos, encontraram hoje no diário El País dois textos de leitura imperdível, uma reportagem sobre o modo como o Google modifica a nossa memória (“Google ya es parte de tu memoria”) e uma reflexão do escritor Mario Vargas Llosa, inspirada no livro The Shallows: What the Internet is Doing to Our Brains, de Nicholas Carr (“Más información, menos conocimiento”), um autor a que temos prestado atenção no Boletim PÚBLICO na Escola.
O texto de Mario Vargas Llosa merece ser lido na íntegra, claro, mas há um extracto que aqui vale a pena sublinhar:
“Não é verdade que a Internet seja só uma ferramenta. É um utensílio que passa a ser um prolongamento do nosso próprio corpo, do nosso próprio cérebro, que, também, de uma maneira discreta, se vai adaptando pouco a pouco a esse novo sistema de se informar e de pensar, renunciando pouco a pouco às funções que este sistema faz por ele e, às vezes, melhor que ele. Não é uma metáfora poética dizer que a ‘inteligência artificial’ que está ao seu serviço, suborna e sensualiza os nossos órgãos pensantes, que se vão tornando, paulatinamente, dependentes daquelas ferramentas, e, por fim, nos seus escravos. Para quê manter fresca e activa a memória se toda ela está armazenada em algo que um programador de sistemas chamou “a melhor e maior biblioteca do mundo”? E para quê aguçar a atenção se pulsando as teclas adequadas as recordações que necessito vêm a mim, ressuscitadas por essas diligentes máquinas?
Não é estranho, por isso, que alguns fanáticos da Web, como o professor Joe O’Shea, filósofo da Universidade da Florida, afirmem: ‘Sentar-se e ler um livro do princípio ao fim não tem sentido. Não é um bom uso do meu tempo, já que posso ter toda a informação que queira com maior rapidez através da Web. Quando alguém se torna um caçador experiente na Internet, os livros são supérfluos’. O atroz desta frase não é a afirmação final, mas que o filósofo julgue que se lêem livros apenas para obter ‘informação’. É um dos estragos que pode causar uma dependência frenética dos ecrãs. Daí, a patética confissão da doutora Katherine Hayles, professora de Literatura da Universidade de Duke: ‘Já não consigo que os meus alunos leiam livros na íntegra’.
Esses alunos não têm a culpa de serem agora incapazes de ler Guerra e paz ou D. Quixote. Acostumados a ir buscar informação aos computadores, sem terem necessidade de fazer prolongados esforços de concentração, foram perdendo o hábito e até a faculdade de o fazer, e foram sendo condicionados para se contentarem com esse borboletear cognitivo a que os acostuma a Rede […] de modo que se foram tornando de certa forma vacinados contra o tipo de atenção, reflexão, paciência e prolongado abandono ao que se lê, e que é a única maneira de ler, gozando, a grande literatura. Mas não creio que a Internet torne apenas supérflua a literatura: toda a obra de criação gratuita, não subordinada à utilização pragmática, fica fora do tipo de conhecimento e cultura que propicia a Web. Sem dúvida que esta armazenará com facilidade Proust, Homero, Popper e Platão, mas dificilmente as suas obras terão muitos leitores. Para quê ter o trabalho de as ler se no Google posso encontrar sínteses simples, claras e amenas do que inventaram nesses fastidiosos tomos que liam os leitores pré-históricos?”

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