A primeira coisa que me chamou a atenção foi o Instagram da Ana Moura. De repente, percebi que a chefe da Cave 23 estava a publicar o que parecia ser uma série com os seus pratos mais emblemáticos, uma espécie de balanço do seu trabalho. Pouco depois, num telefonema, ela própria explicou o que se passava: ia sair da Cave 23, onde entrou 2015, e, sim, estava a passar em revista o que tinha sido o seu percurso neste restaurante, o primeiro em que liderou uma cozinha em nome próprio.
Nessa altura, a Ana leu-me o texto que pouco depois enviou por email explicando as razões da sua decisão. Ainda quis voltar à Cave 23 antes da saída dela, mas, infelizmente, não consegui. Fiquei por isso com a memória de duas refeições muito boas e muito interessantes que ali comi. E fico à espera, com curiosidade, para ver o caminho que a Ana vai seguir – e que, espero sinceramente, continue a passar por Portugal.
Uma das coisas que me despertou a atenção foi o facto de a Ana partilhar connosco, nesses posts do Instagram, o pensamento que a levou a criar cada um dos pratos.
Por exemplo, o Tutti Frutti da imagem em cima, vinha acompanhado por esta legenda: “Ananás, limão, açaí, laranja, toranja, gengibre, mirim, sabugueiro, cristal de limão, funcho, magnericão, hortelã. Uma imagem que nos transmita a parte mais doce da nossa cidade, possivelmente todas aquelas montras das pastelarias lisboetas cheias de cor e de sabor. Cada um dos elementos expostos na vitrine formam um precioso mosaico de cor e de texturas. Transmitir essa sensação numa sobremesa foi o objectivo, até que surgiu o conceito Tutti Frutti, aparentemente muito doce, mas com uma grande gama de ácidos, sabores e texturas.”
Legenda: Ouriço, crista de galo, tamarindo, abóbora, anardana (sementes secas de romã), milho, sewai (massa de arroz), iogurte, lactose, sésamo preto, feno-grego, flocos de tamarindo. Rota das ìndias como ponto de partida leva à busca de produtos muito usados na Índia e ao mesmo tempo em Portugal mas muitas vezes tratados de forma muito diferente.” Entre as coisas que quis trabalhar aqui, explica ainda na continuação da legenda, estão os molhos: “Molhos como ponto de partida, busca do prazer a partir de 4 molhos num mesmo prato.”
Fica aqui em baixo o texto em que a Ana explica as razões da saída e que é revelador do que são algumas das preocupações de quem tenta fazer uma cozinha diferente hoje em Portugal. Todos sabemos que não é fácil. Mas acredito que é muito importante que existam condições para que se continue a fazer um trabalho mais arriscado. Será isso compatível com um negócio sustentável? A discussão vale a pena e deve acontecer. Se calhar, o simpósio que o festival Sangue na Guelra está a organizar no dia 5 de Abril, em Lisboa (no Hub Criativo do Beato) pode ser um ponto de partida para que se comece a discutir estas coisas cada vez mais abertamente.
“Uma saída do Cave 23
Quero seguir um caminho de excelência próprio, tenho um ponto de vista muito concreto e a disciplina é muito importante para conseguir alcançar esse objectivo.
Não se trata de atender muita gente a um preço baixo, nem de atender pouca gente a um preço caro.
Tentamos ter um negócio sustentável e criar conteúdo com valor, tanto em cozinha como em sala.
Nos últimos tempos, a disciplina foi a nossa maior ferramenta de trabalho e o que nos deu mais resultado.
Concentramo-nos na cozinha para que as elaborações sejam o mais perfeitas possível.
A nossa cozinha requer muitas horas de preparação e na hora de executar necessitamos tempo, trabalho e paixão.
Esta nossa forma de pensar é a que quero aplicar em qualquer outro restaurante onde esteja no futuro. Ter disciplina para conseguir a satisfação plena do cliente, porque é para isso que trabalhamos.
Queremos que o cliente pague o valor justo. Nem mais, nem menos.
Uma experiência de um restaurante não é um produto de fábrica. Acredito que cada qual deve fazer diferente, as cozinhas não podem tender para a estandardização.
Este é o meu discurso e estou a sentir que quem está no mesmo projecto não me acompanha em idêntica forma de pensar.
Agora continua o sonho de um dia abrir o meu restaurante e entretanto quero continuar a aprender com quem sabe.
A disciplina foi o que me fez ver que é melhor uma saída, do que viver num ambiente onde não me entendam. Não desisti, só quero é lutar por aquilo em que acredito.
Estou contente com a nossa cozinha, que quero que seja sincera, com uma equilibrada vertente económica e criativa. Gosto de sentir que somos corretos com os clientes.”
Legenda: “Cordeiro, pimenta-rosa, pimenta da Jamaica, pimenta preta, aji, goiabadam ervilha, papaia, foie, folhas de Primavera. Um produto, três elaborações: consomé frio de cordeiro e pimenta da Jamaica, glacé de cordeiro e ‘jarrete’ de cordeiro.” Neste prato, entre outras coisas, Ana quis explorar os picantes para “fazer elaborações diferentes a partir deles” e, por outro lado, “não perder pequenos recursos da gastronomia clássica, muitas vezes já pouco usados”, explorando as potencialidades de glacés, consomés e molhos.”
Legenda: “Pescada, spirulina, puri, poejo, folhas de caril, kashmiri, óleo de coco, manga, lima. Tradição como ferramenta de trabalho, acreditar nas elaborações próprias de receitas tradicionais para surpreender e conseguir altas concentrações de sabores e texturas.” E ainda: “Confeccionar pratos com muitos elementos em que estes poderiam ser por si só o argumento de um prato, busca do prazer puro, molhos sobre molhos, guisados sobre guisados, sabor com sabor, a nossa obsessão que o prato seja a história interminável.”
Legenda: Gema de ovo, boletos edulis, laranja, foie, galinha, kuzu, sichuan, amêndoa. Um prato que nos leva a um classicismo ocidental perfeito e ao mesmo tempo nos lança directamente para países orientais num conjunto de novas técnicas num só prato.”
Estes textos e imagens, abrindo-nos, de forma estimulanda, a porta do processo criativo na cozinha, deixaram-me com pena de não ter voltado uma última vez ao Cave 23 da Ana e com muita curiosidade pelos passos que dará a seguir. Ficamos à espera de (boas) notícias.
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