Em Portugal, sempre que alguma coisa tem sucesso, multiplica-se até ao infinito. Aconteceu com os brunches – há-os já de todas as formas e feitios, desde os muito clássicos, tipo pequeno-almoço reforçado, até aos que são já verdadeiros almoços com toda uma variedade de pratos quentes. O grupo Pestana – que tem um dos brunches mais elogiados de Lisboa, no Pestana Palace – passou agora a ter também um na Cidadela de Cascais. E com uma particularidade que os distingue dos outros e que, curiosamente, não tem a ver com a comida: este é um “brunch literário”.
Na foto: Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz, figuras tutelares do “brunch literário”
O pretexto é a existência de um magnífico projecto de uma livraria solidária instalada desde o início de Março no primeiro piso de um dos edifícios da Cidadela, mesmo por cima do restaurante Taberna da Praça, onde é servido o brunch todos os sábados e domingos entre as 12h e as 16h. Quem nos recebe na Dejá Lu, a livraria, é Francisca Prieto, uma das mentoras do projecto, juntamente com Maria Faria de Carvalho. Francisca explica que os livros que nos rodeiam nas três salas da livraria são obras em segunda mão, todas elas doadas, e o resultado das vendas destina-se a apoiar a Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21. Todos os que aqui trabalham fazem-no em regime de voluntariado.
Nesse dia havia uma surpresa. Numa cesta estavam uma série de livros, cada um dentro de um envelope no exterior do qual fora reproduzido o primeiro parágrafo da obra. A ideia era proporcionar um “encontro às cegas” entre o leitor e o livro. Fomos convidados a fazer a nossa escolha a partir desse primeiro parágrafo – e houve vários resultados surpreendentes quando finalmente abrimos os envelopes.
A livraria já tem toda uma programação, que passa por workshops de escrita, clubes de leitura, debates, etc.. E, acrescenta Francisca, a partir de Setembro haverá uma pessoa totalmente dedicada a esta programação cultural. “Uma das dificuldades que temos é trazer as pessoas até ao primeiro andar”, explica, daí a necessidade de criar eventos que chamem a atenção. A Cidadela de Cascais é um hotel do grupo Pestana mas também, na Praça d’Armas, um Art District, com artistas residentes e arte espalhada pelos diferentes espaços (incluindo alguns dos quartos). Mesmo quem não está instalado no hotel pode visitar os ateliers dos artistas quando eles lá estão (geralmente de quarta a domingo) e os responsáveis calculam que desde Março de 2014 já tenham por ali passado mais de 5 mil visitantes. A entrada é sempre livre e o desafio da Dejà Lu é que quem entra no pátio da Cidadela repare que no primeiro andar existe esta livraria diferente das outras.
Na foto: O interior da Taberna da Praça
É por isso, também, que surge a parceria com a Taberna da Praça nestes brunches literários, que se realizam desde o início de Julho. Assim, talvez já com um livro novo na mão, os visitantes podem sentar-se na esplanada ou no interior do restaurante e escolher o brunch Eça de Queiroz (croissant, madalena, pastel de nata, bolo de iogurte, 3 variedades de pão e uma torrada, fiambre, queijo, iogurte com fruta e muesli, compotas e mel, café ou chá ou leite e sumo de laranja) a 13 euros por pessoa.
Quem quiser reforçar a refeição pode fazê-lo com a benção de outro escritor português um pouco mais encorpado que Eça, Ramalho Ortigão. Se o fizer, recebe (por mais 7,50 euros) panquecas com molho inglês e frutos vermelhos, scones com manteiga e compotas e tomate grelhado (pode também optar apenas pelo Ramalho). Para quem, mesmo assim, achar que fica com fome, há outros petiscos, entre os quais ovos Benedict ou Arlington (5,50 euros) ou salmão curado em gin, lima e pimenta rosa em tosta de pão alentejano (6,50 euros).
Não é por capricho que aqui se evocam Eça ou Ramalho. Reza a história que nos Verões a corte portuguesa, com D. Luís I e sobretudo com D. Carlos, se mudava para a Cidadela de Cascais para passar a época balnear. Vivia-se então aí um clima de boémia, no qual por vezes participavam intelectuais como Ramalho Ortigão. Faz, por isso, sentido que hoje os recordemos, por entre os ateliers de artistas, os ovos Benedict, as torradas com compota, e uma livraria que, apesar de escondida num primeiro andar, vale mesmo muito a pena visitar.