Marmelada Branca no centro da festa em Odivelas

Marmelada branca de Odivelas do princípio ao fim da refeição: é sempre este, com diferentes produtos, o desafio dos jantares Endògenos, e foi, mais uma vez, o do jantar de quinta-feira, desta vez dedicado a este doce de Odivelas – que, aliás, vai ser também a estrela do fim-de-semana, no I Festival da Marmelada Branca de Odivelas (até domingo no Largo de D. Dinis).

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(foto retirada da página de Facebook do projecto Endògenos)

O cenário do jantar foi o magnífico refeitório do Mosteiro de São Dinis e São Bernardo, onde funciona desde o início do século XX o Instituto de Odivelas, colégio interno de raparigas. Na cozinha velha, de paredes forradas a azulejos e uma roda para fazer passar os pratos para o salão, foi apresentado um gin tónico com carpaccio de marmelo, Marmelada Branca de Odivelas e flor de anis. A partir daí, tudo o que se provou tinha a marmelada, uma receita antiga que estava em riscos de ser perder por praticamente já não ser produzida, e que há cerca de quatro anos a Câmara Municipal e os comerciantes locais decidiram relançar.

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(foto retirada da página de Facebook do projecto Endògenos)

O projecto passou pelo desenho da marca, pela formação de produtores, que neste momento são cinco, e pelo início do processo de certificação do produto (uma das exigências será que quem o faça esteja baseado em Odivelas). A marmelada terá tido grande fama no passado, quando o mosteiro, mandado construir pelo rei D. Dinis em 1295, era habitado pelas freiras Bernardas e recebia as filhas de nobres que não tinham dote. Aí, freiras e donzelas ocupavam-se da doçaria: Suspiros de Amêndoa, Raivas, Tabefes, Esquecidos, Toucinho do Céu, Pudim da Madre Paula, e a tal Marmelada de Odivelas, diferente das outras por ser branca, mais dura, e servida em quadrados. A cor explica-se pela forma de confecção, complexa a exigente, na qual é essencial evitar que os marmelos que os marmelos oxidem.

site dedicado à história desta marmelada cita o livro Os Grandes Amores de Portugal, no qual Rocha Martins escreve sobre as freiras Bernardas o seguinte: “Em Odivelas tudo era doce, desde o amor que as freiras prometiam no fusilar das suas pupilas e na suavidade das suas vozes, até à marmelada de exquisita composição, com que se atafulhavam os aristocratas e os vates.” Depois da extinção das ordens religiosas e da morte da última freira, D. Carolina Augusta de Castro e Silva, que deixou a receita num caderno confiado à afilhada, foi criado no Mosteiro o Instituto de Odivelas, onde se terá continuado a confeccionar a marmelada até às décadas de 30 ou 40. Com a divulgação da receita, os comerciantes locais passaram também a produzir e vender marmelada.

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Vítor Claro (foto retirada da página de Facebook do projecto Endògenos)

Mas foi só em 2010 que a Câmara decidiu apostar mais seriamente neste doce como imagem de marca do município. Um processo que culmina no festival setecentista deste fim-de-semana e que arrancou com o jantar Endògenos. Desta vez o chefe desafiado foi Vítor Claro, do restaurante Claro! de Paço de Arcos, que na primeira entrada serviu queijo gorgonzola com endívias e marmelada (estamos sempre a falar da de Odivelas). A seguir veio escabeche de codorniz com mousse de marmelada – a fazer lembrar puré de maçã mas com maior consistência e uma suavidade dada pela menor acidez. Depois, tartelete de foie gras com cornichons e marmelada, um excelente lombinho de porco com vinagrete de marmelada e puré de aipo. E as sobremesas: marmelo cozido, geleia de marmelo e marmelada branca, e para terminar, bijou de Berlim (Vítor Claro usou o pão bijou que tem no seu espaço no Mercado da Ribeira como base para uma bola de Berlim com recheio de creme de marmelada) e pastéis de nata de marmelada, fabrico da casa Espiga Dourada, de Odivelas.

Como sempre acontece nos jantares Endògenos, o potencial da marmelada na combinação com tantos sabores diferentes foi uma surpresa para todos, incluindo Vítor Claro. Agora, e durante todo o fim-de-semana (a partir das 18h de sexta), vai-se continuar a comer marmelada branca em cubos, em tijelas ou pastéis… Mas não há perigo que o doce acabe: ali ao lado, nos terrenos da Escola Profissional Agrícola Dom Dinis, em Paiã, há mil marmeleiros carregadinhos de frutos prontos a apanhar.

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