Central, de Virgílio Martinez, eleito o melhor restaurante da América Latina

O Central, em Lima, Peru, de Virgílio Martinez e da sua sócia e namorada Pía León, foi considerado o melhor restaurante da América Latina – num reconhecimento do excelente trabalho que Virgílio, Pía e toda a equipa têm feito em torno dos surpreendentes produtos amazónicos (e não só) do Peru. O anúncio foi feito esta noite, em Lima, numa cerimónia na qual foi anunciada a lista dos melhores restaurantes daquela região do mundo, de acordo com votação do júri da revista britânica Restaurant.

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Foto: Virgílio e Pía a festejar o anúncio, ontem em Lima. (Créditos Os 50 Melhores Restaurantes da América Latina 2014 patrocinado por S. Pellegrino e Acqua Panna, realizada em Lima, Peru, Setembro 2014) 

Em segundo lugar ficou outro peruano, o restaurante Astrid Y Gastón, que anteriormente ocupava a primeira posição (o Central ficou em terceiro lugar na votação de 2013). Os brasileiros D.O.M., de Alex Atala, e Maní, de Helena Rizzo e Daniel Redondo, ficaram em terceiro e quarto lugar (o que significa que o D.O.M. desceu uma posição e o Maní subiu uma). O quinto lugar foi conquistado pelo chileno Boragó, de Rodolfo Guzman. A lista completa de Os 50 Melhores Restaurantes da América Latina está disponível em http://www.theworlds50best.com/latinamerica/br/a-lista.

Virgílio Martinez já esteve em Portugal para participar no festival Peixe em Lisboa em 2013, e na altura fizemos este vídeo mostrando o trabalho dele com os produtos amazónicos (e acabámos a noite num excelente jantar na Taberna da Rua das Flores, com o André Magalhães como anfitrião). Eu tinha-o conhecido no ano anterior, quando estive em Lima para uma reportagem sobre a revolução gastronómica peruana, e tinha ficado muito entusiasmada com o restaurante e a conversa com Virgílio. Fica aqui um relato do jantar que tive no Central nessa altura:

“Virgílio Martinez reservou-nos uma mesa com vista para a cozinha no seu restaurante, o Central, em Lima. Ele é um dos mais jovens, e mais promissores, chefs peruanos, e acredita que o seu trabalho consiste, acima de tudo, em tratar com o maior respeito os ingredientes que utiliza — e que são, até para ele, uma constante descoberta. O Central é local de passagem obrigatório para quem quiser perceber o que está a acontecer actualmente com a cozinha peruana.

Cada prato do menu de degustação que chega à mesa é acompanhado por uma explicação. Às vezes é o próprio Martinez que os explica, outras são os empregados, e nós temos que pedir que nos repitam os nomes e nos digam se os escrevemos bem. O que é yacon? E arracacha? E cuchuro? Ou bahuaja? Uma refeição no Central é uma viagem à volta do Peru.

Começamos com uma entrada de “conchas e algas do sul”. As conchas são vieiras e vêm acompanhadas por um molho feito de cocona, uma fruta amazónica que se situa entre o tomate e os citrinos, e amaranto, uma semente também nativa do Peru. Segue-se um peixe cozinhado a baixas temperaturas, acompanhado por trébol vermelho (uma erva semelhante ao trevo, com um sabor cítrico); um polvo muito macio, sobre lentilhas bebés, com kohirabi (ou colirrábano, uma espécie de nabo), tamarilho (ou tomate arbóreo); depois um “camarão de águas baixas andinas” sobre um puré de beterraba, acompanhado por cushuro, que são pequenas algas, de sabor salgado, em bolinhas, como se tivessem passado por um processo de esferificação; e por fim um paiche ou pirarucu, um peixe pré-histórico e enorme do Amazonas (mas que actualmente é criado em aquacultura em Yurimaguas) e que é aqui servido com uns cogumelos especiais e um tubérculo a que no Peru chamam arracacha mas que no Brasil é conhecido como mandioquinha.

Chegam a seguir dois pratos de carne: uma bochecha de leitão, em triângulos estaladiços mas mantendo a gordura macia no interior, com pimenta rosa, quinoa negra selvagem e yacon, um tubérculo semelhante à batata; e cabrito com batatas nativas, tomate pachacamac e leite de cabra (em pedacinhos de queijo).

As sobremesas são uma continuação da viagem. Com a “noz de bahuaja” aparece, uma vez mais, o próprio Martinez, que explica que esta noz, que é na realidade a castanha-do-pará brasileira, existe no Parque Nacional Bahuaja-Sonene, e é um dos produtos que este parque, situado numa das regiões com maior biodiversidade do planeta, vende para garantir a subsistência económica. Eles servem-na em pó, envolvendo o taperibá (a fruta conhecida como cajá no Brasil, e que tem um sabor entre a manga e o pêssego), rosas e muña, uma menta nativa dos Andes. E a refeição termina com guanabana, a fruta da graviola, cenoura cozinhada com cacau, raíz maca (espécie de nabo ou rabanete, cultivado a grandes altitudes e já utilizado pelos incas) e chia (uma semente também cultivada pelos incas). O prato é acompanhado por uma pedra negra aberta do interior da qual sai fumo com cheiros de árvores. Estes são os ingredientes que Martinez procura nas suas viagens pelo Peru. De cada vez volta cheio de novidades e soma mais frascos com etiquetas com nomes estranhos às centenas que já enchem o seu escritório.”

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Foto: Gaston Acúrio, o grande responsável pela revolução gastronómica peruana, durante a cerimónia em Lima (Créditos Os 50 Melhores Restaurantes da América Latina 2014 patrocinado por S. Pellegrino e Acqua Panna, realizada em Lima, Peru, Setembro 2014) 

E aqui um excerto de outra reportagem que fiz na mesma altura, em 2012, quando visitei o Peru durante o festival Mistura:

“Um dos que estão a ajudar a passar esta mensagem para o resto do mundo é Virgilio Martínez, um dos mais promissores jovens chefs do Peru. Vimo-lo primeiro no Mistura, a fazer uma apresentação sobre a sua cozinha e o seu restaurante, o Central, em Lima (acaba de abrir também um em Londres, chamado Lima). No palco do Mistura, Virgilio explica o que inspirou o seu menu de degustação, a que chamou Origens. Começa com um filme. Os sons enchem o auditório — a água, o vento, um sacho a entrar na terra. Quase ouvimos as plantas a crescer. “Procuramos inspiração nesta realidade pouco explorada”, diz. ‘Valorizamos a possibilidade de estarmos mais próximos da Natureza. Um cozinheiro tem de perceber de onde vêm as coisas. Somos muito privilegiados por termos um país assim.’

Chama ao palco Edilberto Soto Tenorio, o produtor de batatas. E os dois apresentam uma enorme batata, da qual Virgilio vai cortar lâminas finas para fazer uma entrada. Trata os produtos todos com enorme respeito, do peixe cozinhado a baixas temperaturas, ao leitão dos pastos altos dos Andes, à noz de bahuaja, que só se produz num parque natural.

Dias depois vamos conhecê-lo no Central. Já chegamos a meio da tarde, mas a sala ainda está cheia — o restaurante é, actualmente, um dos preferidos dos limenhos, e, entre este espaço, outro em Cusco, e ainda o de Londres, Virgilio não pára. Recebe-nos no seu escritório. Uma estante cheia de livros de gastronomia de todo o mundo. Outra cheia de frascos com sementes, grãos, folhas, pós, todos com rótulos com palavras difíceis de pronunciar. Podia ser uma farmácia antiga. E é, de certa forma, um laboratório para as experiências que Virgilio faz constantemente com novos produtos. ‘Antigamente não tínhamos orgulho nestes produtos. Não comíamos quinoa, kiwicha, batatas, preferíamos a cozinha francesa ou a italiana’, conta. Cresceu a ouvir que não havia nada de que os peruanos se pudessem orgulhar. Decidiu partir, viajar. ‘A minha mãe é pintora e arquitecta’, conta, explicando que foi ela quem concebeu o espaço do restaurante. ‘E sempre me ensinou a fazer coisas com as mãos. Tornei-me cozinheiro porque queria fazer coisas com as mãos e queria viajar.’

Andou pelo Canadá, por Londres, Nova Iorque, Madrid, Singapura. Viajou, desenhou, cozinhou. ‘E depois disse: bem, o Peru é importante porque é a minha identidade.’ E voltou. ‘Quando saí, tinham-me ensinado que o Peru era um país pobre, que não me devia orgulhar dele. Agora encontrei um país com muitas coisas novas, positivas, onde as pessoas estão contentes. E apaixonei-me por ele.’ Não foi o único. Muitos dos seus amigos que também tinham partido regressaram. Ele chegou há cinco anos e começou a viajar, desta vez dentro do Peru. ‘Percebi que aqui podia centralizar tudo o que estava a viver.’ Por isso chamou ao seu restaurante Central.

O restaurante que tem em Cusco permite-lhe estar em contacto mais directo com os produtores. E conta com uma equipa para o apoiar: em Cusco está um antropólogo, que estuda a história e o tema, e depois tem o apoio da irmã, que se ocupa da parte mais científica. «Eles ajudam-me a ver se um produto é saudável, se tem futuro, se é sustentável. Esta revolução tem, diz Virgilio, uma característica: é genuína. ‘Quando vais aos Andes e vês o produtor, isso é real. É tudo virgem, incluindo para nós.’”

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