A cereja de São Julião, um produto DOP a desaparecer

Há umas semanas aceitei um desafio para ir conhecer umas cerejas especiais. Quem organizou o passeio foi a Rita Beltrão Martins, da Terrius, empresa que comercializa cogumelos e outros produtos da Serra de São Mamede, próximo de Portalegre, e quando a Rita fala com o seu habitual entusiasmo de alguma coisa, é sempre bom ir conhecer.

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Foi assim que, na companhia do Duarte Calvão e da Paulina Mata, do Mesa Marcada, me vi a caminho de São Julião para conhecer umas cerejas que, sendo mais pequenas do que as outras variedades, correm o risco de desaparecer por essa espécie de selecção natural feita pelo mercado consumidor. Quando as vêem mais pequeninas e com um caroço maior, ao lado de cerejas carnudas, as pessoas (enfim, todos nós) simplesmente não as levam para casa.

João Reia, o maior produtor de cereja de Portalegre, ainda mantém algumas árvores com a variedade baptizada como Cereja de São Julião, a única, que, diz, é mesmo autóctone da região. Nos armazéns de João Reia há caixotes e caixotes de outras variedades de cereja, bonitas, grandes. A cerejeira que produz as de São Julião fica a dois passos. Vamos até lá. Está cheia de cerejas, porque  João Reia desistiu de as colher nas três ou quatro árvores que ainda mantém desta variedade. À nossa volta há cerejeiras a perder de vista, e aos olhos não especializados, parecem todas iguais. Mas o produtor distingue-as, até pela folha, ligeiramente diferente.

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Nós não conseguimos ir lá pela folha. Mas ao colhermos algumas cerejas, vemos claramente a diferença de tamanho. São também escuras mas mais pequenas (ver imagem ao lado). E a diferença é ainda mais clara quando as provamos: o caroço é maior e portanto a polpa é menor, mas é mais firme. O sabor, esse é também diferente. Enquanto as outras são ostensivamente doces, estas têm um travo ligeiramente mais ácido, mas um sabor intenso e muito interessante – mais subtil, certamente.

Tudo indica que esta variedade de cereja é particularmente adaptada à região, e daí as suas características própria, que levaram, aliás, a que em 94 fosse reconhecida como um produto com denominação de origem protegida (DOP).

Este é um processo que acontece todos os dias com inúmeras espécies. A variedade de alimentos que temos à nossa disposição tende a diminuir à medida que vamos afunilando as nossas escolhas – e geralmente escolhendo sempre o mais óbvio. Claro que é natural. Mas às vezes é bom tentar contrariar isso, até porque há descobertas fantásticas nesse processo de resgatar alimentos do esquecimento. E a Terrius é um excelente exemplo do trabalho que pode ser feito com produtos locais, de uma serra com características muito especiais como a de São Mamede.

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