Não falamos de centenas, falamos de milhares de variedades de batatas – mais de 3 mil no Peru. As chamadas papas nativas, batatas nativas peruanas, foram uma das estrelas do festival Mistura, em Lima.
Olhar para as bancas dos camponeses vindos dos Andes, de zonas longínquas, algumas delas a quatro mil metros de altitude, é descobrir que temos usado a palavra batatas sem termos de facto a noção do mundo de possibilidades que ela encerra. Algumas parecem nuvens petrificadas, todas às ondinhas (imagino que não sejam fáceis de descascar), outras estão mais próximas das cenouras, pelo feito, mais comprido, e pela cor, mais avermelhada. Outras ainda são de várias cores. E quando se cortam revelam interiores ainda mais fascinantes – parecem pintadas a pincel, umas totalmente roxas, outras mais azuladas, outras ainda com linhas delicadamente desenhadas.
Devemos olhá-las com respeito. Afinal, o produto que habitualmente colocamos no patamar mais baixo da escala alimentar é o resultado de milhares de anos de trabalho. Calcula-se que tenha sido há cerca de 10 mil anos que os habitantes das montanhas mais elevadas do Peru (os tais quatro mil metros de altitude) começaram a tentar domesticar este tubérculo que originalmente não era comestível. Terá sido uma tarefa sobretudo das mulheres, que foram cruzando espécies de batatas até as tornar resistentes às pragas e com sabor e textura agradáveis para serem comidas. Depois os incas terão espalhado a batata por outras zonas do país e, mais tarde, os espanhóis trouxeram-nas para a Europa.
Aqui não foi fácil introduzi-la na alimentação. Os europeus olhavam-nas com curiosidade mas também com desconfiança. Um livro sobre as papas nativas do Peru recorda, contudo, que o uso da batata “está relacionado com o aumento notório das populações de alguns países europeus, e destacou-se como responsável pela eliminação da má-nutrição crónica das classes mais pobres do século XVIII”. A propósito disso, terá escrito John Forster em 1664: “A alegria da Inglaterra aumentou: um remédio seguro e fácil contra todos os anos de sofrimento por uma plantação de raízes chamadas papas”.
Mas o que se passou a produzir por todo o mundo foram algumas, poucas, variedades de batatas, e a riqueza das papas nativas ficou um segredo guardado nas alturas das serras peruanas. Nunca chegaram a desaparecer totalmente (embora muitas variedades possivelmente se tenham mesmo perdido) porque os camponeses peruanos, sem grandes alternativas de alimentação, continuaram sempre a consumi-las. Talvez não esperassem era que, resultado de uma campanha de revalorização das papas nativas que passa pela sua utilização na alta cozinha por um número crescente de chefes, elas se tornassem agora um fenómeno de popularidade.
Para já não são produzidas em quantidade suficiente para serem exportadas. E, segundo dizem os peruanos, também não será fácil produzi-las noutras zonas do mundo porque são batatas de áreas com grande altitude e algumas das suas características têm a ver com isso. Mas os restaurantes europeus que as queiram usar podem sempre encomendá-las. Estarão a ajudar à revolução gastronómica peruana, que passa não apenas pela revalorização dos produtos locais como por um novo respeito por estes camponeses que vêm de muito longe, das suas terras nas montanhas andinas, trazendo à cidade capital o que sempre souberam que era um tesouro que tinham o dever de preservar.
Sou Brasileiro, e faz dois anos que estou trabalhando no Peru em uma Cidade
que se chama Chimbote, Como batatas todos os dias a Gastronomia Peruana
è uma maravilha e tem historia.
julio
Oi, gostaria de saber, como obter essas batatas aqui no Brasil
Olá, e peço desculpa pela demora, mas na verdade não tenho uma resposta para lhe dar: tanto quanto sei as papas nativas peruanas são um produto que ainda enfrenta algumas dificuldades em sair do Peru. Não posso dar-lhe a certeza absoluta, mas julgo que ainda não são exportadas, até porque no próprio Peru só agora começam a chegar à costa, e à cidade de Lima.
E ainda há a questão do valor nutricional que, pelas cores, parece-me que valerá mais uns pontinhos a estas papas nativas!