Um jantar paleolítico

Há uns tempos falei aqui da moda da dieta paleolítica a propósito de um restaurante que tinha aberto em Berlim. Desta vez venho contar o “jantar paleolítico” em que eu própria participei – um dos jantares temáticos organizados pelo PÚBLICO  o Grupo Lágrimas. Foi num sítio pouco paleolítico, o Hotel Infante Sagres, no Porto, e teve como convidados arqueólogos e estudiosos ligados ao Vale do Côa e especialistas nas gravuras que ali foram encontradas – Alexandra Cerveira Lima, António Martinho Baptista, Ana Berliner e Jorge Sampaio. Foram eles que deram ao chefe Albano Lourenço as pistas para pensar o jantar, sob o tema “Como comeriam os homens do Côa – reinterpretações contemporâneas”.

Na foto em baixo o salmão paleolítico com ervas do Côa (a qualidade da imagem é fraca porque nos acampamentos, à roda da fogueira, é difícil tirar boas fotografias)

E o que comemos, então, no meio do salão de refeições do Hotel Infante Sagres? Primeiro um creme de acelgas com almôndegas de javali, seguido por um lombo de salmão, fumado em ervas do Côa, farinha de trigo com puré de milho, e, como sobremesa, um pudim de queijo com molho de frutos do bosque pingado de queijo de cabra. O suficiente, garanto, para nos fazer desejar ter vivido na época paleolítica, se não fossem aqueles pequenos incómodos de podermos ser perseguidos por animais selvagens e termos que caçar para comer.

E a sobremesa paleolítica…

Mas o que sabemos realmente sobre o que comiam os homens do Côa? Os especialistas presentes explicaram que sabemos pouco – caçavam animais, claro, e tratavam a carne para a poderem consumir ao longo do tempo. Sabe-se que aqueciam pedras para cozinhar em cima delas (uma técnica que, curiosamente, se mantém até aos nossos dias) e pensa-se que utilizariam o fumo para conservar. Foram, além disso, encontrados num acampamento, datado de há cerca de 11 mil anos, restos de um peixe identificado como sável.

Usariam as ervas e os frutos da zona do Côa? É possível que sim. Mas seriam essas ervas e frutos semelhantes aos que existem hoje ou muito diferentes? É difícil ter certezas. De qualquer forma, vou contar mais sobre o que disseram os especialistas num artigo a publicar em breve. E podemos sempre ir fazendo reinterpretações contemporâneas para tentar conhecer melhor os nossos antepassados – e para pensarmos os produtos que temos à disposição (e os antepassados desses produtos). É um exercício muito interessante.

6 comentários a Um jantar paleolítico

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  2. Alexandra, o comentário do Sérgio foi no sentido de isso não ser um “jantar” paleolitic”, e não no sentido de achar o “re-enactement” ridiculo. Acredite, ele saberá mais do assunto do que provavelmente pensa. também eu sigo uma dieta de tipo paleoolitica com uma ou outra nuance, e farinha de milho não faz parte dela. Mas deixo isso para pesquisa de redacção.

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    • Ah, assim percebo melhor. Obrigada, Filipe. De facto, tinhamos todos consciência de que a farinha de milho não faz parte, porque não havia agricultura. Eu explico melhor essa parte no artigo que saiu no PÚBLICO. O post foi uma versão muito reduzida e não tinha esses pormenores. O que a bióloga Ana Berliner disse, e que serviu de inspiração ao chefe Albano Lourenço (a ideia aqui era mesmo uma “reinterpretação contemporânea”) foi que provavelmente existiriam versões selvagens dos cereais que hoje conhecemos e consumimos – o trigo por exemplo, que na sua versão selvagem é muito diferente e, disse a Ana, bastante desinteressante, mas não podemos excluir completamente a hipótese de ser utilizado pelos homens do Côa. Claro que nós (há limites para as experiências, não é? :) ) optámos por uma versão mais saborosa. Mas todas as informações sobre esse tipo de dieta que queiram deixar aqui interessam-me.

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    • Sim, temos noção, mas parece-me que o ridículo não é grave. A experiência é divertida, atraiu várias pessoas interessadas, e foi uma oportunidade para conhecer melhor o trabalho dos arqueólogos do Côa (e saber, por exemplo, que para além das gravuras há também vestígios que nos indicam como comiam os homens do Paleolítico). Por outro lado, como escrevo na edição de hoje do Público, a questão da alimentação antes da agricultura e dos alimentos processados é um assunto suficientemente sério para ter sido objecto de estudos científicos. Às vezes há mais do que parece por detrás de uma coisa que à primeira vista é ridícula.

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