Num jantar onde estive recentemente, no qual estavam várias pessoas que escrevem sobre comida, alguém defendia que a tendência é para que seja cada vez menor o espaço nos jornais e outros meios para se falar sobre comida. Não é essa a sensação que tenho. Acho que nos últimos tempos surgiram nas revistas e jornais vários espaços sobre gastronomia.
Ainda esta semana foi anunciado um canal Fox sobre cozinha, o 24Kitchen (para já só a Zon não o disponibiliza, mas esperemos que seja por pouco tempo), com conteúdos portugueses – três programas, um de Ljubomir Stanisic, em que o chefe do 100 Maneiras percorre o país cozinhando com produtos portugueses; outro com Rodrigo Meneses, ex-concorrente do Masterchef, que fará uma espécie de versão nacional do No Reservations; e um com Sebastião Castilho, que irá de mercado em mercado cozinhando com o que houver disponível em cada dia. Parece-me, portanto, que se está a falar de comida – confesso que tenho receio que, a certa altura, as pessoas sintam que se está a falar demais de comida. E que, de repente, perante o corropio de jornalistas nas quintas e mercados, os produtores já não tenham tempo para plantar as suas cenouras. Mas talvez esteja a exagerar.
A conversa daquele jantar fez-me lembrar um livro de que já falei aqui no blogue, The Table Comes First – Family, France, and the Meaning of Food, de Adam Gopnik. Diz Gopnik que em todo o mundo sempre se comeu, mas só em Paris existia (estamos no século XVIII) uma “verdadeira cena gastronómica”. Ou seja, só em Paris existia “uma massa de críticos, comensais, chefes, e, sobretudo, escritores, que falavam e escreviam sobre comida de formas novas”. E frisa: “Eles não comiam mais em Paris. Não era possível fazerem-no. Mas falavam sobre o assunto mais do que noutros lugares, e escreviam sobre aquilo de que falavam.”
Isso, segundo Gopnik, fez toda a diferença. Tal como na América, o basebol cresceu porque havia pessoas a escrever sobre ele, em Paris, a “cena gastronómica” floresceu também porque muitos se dedicavam a escrever sobre o que comiam (“they wrote their food”, é a expressão que ele usa). Hoje, no mundo (não vamos agora discutir a “cena” em Portugal), escreve-se imenso sobre comida, de todas as formas e feitios – em sites, blogues, jornais, televisões, livros. Gopnik escreve neste livro uma história da cozinha em França que é também uma reflexão filosófica sobre o lugar da comida na vida dos homens.
E, por exemplo, David Chang, o chefe do grupo de restaurantes Momofuku, lançou uma revista, a Lucky Peach (o número dois chegou a um dos tops de vendas do The New York Times) em que a comida é só um pretexto para as mais alucinadas prosas (no número 3, que sairá na próxima semana, Anthony Bourdain assina um ensaio com o igualmente filosófico título de Eat, Drink, Fuck, Die).
Acho que é seguro dizer que, hoje em dia, “we write our food”. O resultado, ainda não sei qual será – mas não me parece que alguma coisa de mau possa vir daí. Em Paris, no século XVIII, as coisas correram bem.
(este texto foi publicado domingo, dia 11, na 2, a nova revista do PÚBLICO)
Escreve-se bastante sobre comida. O problema muitas vezes é a forma como se escreve sobre comida…
Há algumas coisas boas, muito boas. Há muitas coisas muito, muito más.
A Lucky Peach é brilhante (mas não sei quantos números durará). Aliás, as melhores coisas que li sobre comida são quase todas americanas.
Quero acreditar que evolução só pode ser positiva… Sobretudo espero que a abordagem se torne mais profunda e mais holística.
Quando há muito é inevitável que haja bom e mau. Mas acredito na selecção natural, Paulina. Vamos continuar a trabalhar nisto, não é?