Era já final de tarde, na terça-feira, quando chegámos à Bica do Sapato. Lisboa, ao pé do rio. A luz começava a descer. Sentámo-nos numa mesa muito comprida, como se fosse um casamento. Só um pormenor destoava: os copos pretos. Mas havia uma explicação para isso: era mais uma das provas de hamonização entre comida e vinhos organizadas pela Alexandra Maciel para o livro que está a fazer. Desta vez, para nossa imensa alegria, o prato escolhido era recheio de sapateira, servido com pequenas tostinhas de pão torrado. E os copos pretos são essenciais para estas provas cegas, onde até os especialistas às vezes se desorientam entre brancos e tintos.
Mais uma vez segui o meu instinto, começando por dar notas mais baixas aos vinhos que claramente chocavam com a sapateira, como se ali se instalasse uma luta de personalidades entre um prato de sabor forte e um vinho que, em vez de se fundir com ele, tentava impor-se. A Alexandra lembra-nos sempre que não estamos ali para avaliar a qualidade do vinho por si só – isso levar-nos-ia provavelmente a pontuações muito diferentes. O objectivo é a hamonização e por isso a atenção dos jurados tem que estar concentrada na forma como comida e vinho se conjugam. Aprende-se sempre imenso.
Esta é já a 12ª prova organizada para este projecto, e, apesar de só ter participado em três, têm sido experiências muito interessantes e parece-me que a Alexandra está a conseguir um óptimo equilíbrio entre pratos mais populares e outros mais sofisticados, entre formas diferentes de cozinhar um mesmo produto (bacalhau, por exemplo, não se limitando às “partes nobres” mas incluindo outras) e entre restaurantes com características muito diferentes mas sempre com um imensa qualidade (em breve o projecto sairá de Lisboa e avançará para outras paragens – afinal ainda faltam 38 provas e há muito país a percorrer).
Aqui ficam os resultados da prova de harmonização entre vinhos e recheio de sapateira:
1) Domingos Soares Franco Colecção Privada Verdelho 2010
2) Marquês dos Vales Grace Viognier 2010
3) Montes dos Cabaços branco 2010
O Marquês dos Vales continua em grande. Quem diria há uns anos (eu diria 3 décadas, mas assim ia parecer muito tempo) que do Algarve viriam tão bons produtos?