Não pretendo transformar este blogue numa secção de notícias diárias, mas esta parece-me incontornável. Nove chefes famosos – Gastón Acurio, Ferran Adrià, René Redzepi, Alex Atala, Massimo Bottura, Dan Barber, Michel Bras, Heston Blumenthal e Yukio Hattori – reuniram-se em Lima, no Peru (onde decorreu também o festival gastronómico Mistura), e no dia 10 emitiram uma declaração, ou melhor, uma Carta Aberta aos Cozinheiros de Amanhã (Blumenthal não esteve presente mas terá assinado).
René Redzepi (não é muito boa mas é a foto que tenho do chefe do Noma, da minha visita a Copenhaga)
É um texto idealista, no qual falam da responsabilidade dos cozinheiros na relação com a natureza, com a sociedade, com o saber e com os valores. Dizem coisas como:
– “tens a responsabilidade de utilizar a tua cozinha e a tua voz como meio para a recuperação e a promoção de determinadas variedades e espécies” e “desta forma ajudas a proteger a biodiversidade, permitindo a manutenção de criação de sabores e elaborações culinárias”
– “através da tua cozinha, da tua ética e dos teus conceitos estéticos podes contribuir para a cultura e identidade de um povo, região ou país”
– “colaborando com produtores locais e utilizando práticas económicas justas, podes gerar riqueza local sustentável e fortaleceres económicamente a tua comunidade”
O texto é bastante maior e podem lê-lo na íntegra aqui, no blogue Boa Vida, de Alexandra Forbes.
Quem é que os chefes pensam que são?, indignou-se Jay Rayner no Guardian. “Têm que se lembrar que não são santos seculares. São chefes que fazem jantares para pessoas muito, muito ricas.”, escreveu. No seu blogue Alexandra Forbes indignou-se com as críticas de Rayner e elogiou os chefes. Mas no Telegraph Toby Young também ridicularizava a declaração do chamado G9: “Como é que pode ser ‘justo’ cobrar mais por uma única refeição do que custaria alimentar uma família da Somália durante um ano? Como é que pode ser ‘sustentável’ organizar uma conferência internacional em Lima?”.
Não me parece que a declaração dos chefes seja em si mesma negativa. Afinal, os grandes cozinheiros conquistaram recentemente uma posição que os torna figuras de referência e influência. Isso dá-lhes uma responsabilidade. E permite-lhes (se quiserem) fazer declarações que possam inspirar futuros chefes. Não virá daí mal ao mundo. Serão pouco coerentes com essas preocupações sociais? Talvez. Mas há exemplos práticos que podem ser úteis. Sim, vou falar outra vez dos nórdicos, desculpem. Alguns restaurantes começaram a apresentar nas ementas o nome dos produtores da carne, ou dos legumes, ou do queijo, o que valoriza o trabalho dos produtores, habitualmente esquecido. E ter um chefe famoso a trabalhar e a valorizar um produto que tinha sido esquecido ou desvalorizado é um bom exemplo.
Concordo, Pedro. Mas acho que, mesmo que haja aí algumas incoerências, estes chefes são respeitados e ouvidos e a mensagem é bem-intencionada.
A declaração em si é interessante. O que me faz um bocadinho de impressão é ver gente da cozinha molecular como sua autora – eu diria que alginatos et all têm muito pouco a ver com biodiversidade, variedades e espécies locais. Ainda que Redzepi venha demonstrando que é possível ser-se glocal.