A proposta, todos a conhecem. Partiu na semana passada do bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, que defendeu um imposto sobre a fast food para ajudar os portugueses a comer melhor e para, ao mesmo tempo, financiar o Serviço Nacional de Saúde, asfixiado com cortes orçamentais. Diz José Manuel Silva que o excesso diário de 120 calorias, que corresponde aproximadamente a um refrigerante, pode levar em dez anos ao aumento de cerca de 50 quilos, e que uma refeição de fast food (cheeseburger duplo, batatas fritas, refrigerante e sobremesa) corresponde a 2200 calorias.
O McDonald’s passou a ter as calorias nos produtos que vende apesar de estudos sobre o assunto revelarem que isso tem pouco impacto nos consumidores, diz o Guardian. O facto é que uma refeição média parece corresponder a metade das calorias de que necessitamos diariamente.
Em Portugal houve imediatamente reacções de protesto à proposta – compreensíveis, dado que o país está particularmente sensível à palavra “impostos”, e a ideia de nos taxarem a comida para nos ensinar a comer é bastante irritante. A Deco veio dizer que o imposto não teria nenhum efeito positivo e que precisamos é de campanhas promovendo a alimentação saudável. Em relação a isso tenho algumas dúvidas sobretudo desde que fiz para o PÚBLICO um trabalho sobre a alimentação nas escolas e vi que não há campanha que convença os adolescentes a comer na cantina, porque o que eles querem é aproveitar a hora do almoço para sair da escola (ficar é programa de betinhos), e isso pode significar almoçar um refrigerante e um pacote de bolachas de chocolate.
Mas como gostamos de apontar exemplos de outros países fica aqui um link que permite perceber como o Reino Unido teve há muito pouco tempo um debate semelhante (ou a Austrália). A jornalista do Panorama da BBC foi a Copenhaga perceber porque é que os dinamarqueses foram os primeiros a taxar os produtos doces (um sweet tax not so sweet).
Uma dos dados apresentados é o de que pela primeira vez em 60 anos a obesidade está a diminuir entre as crianças dinamarquesas. É interessante comparar com dados sobre como o aumento do preço do tabaco, por exemplo, provocou (ou não) quedas nas vendas em Portugal.
Dito isto, claro que a Dinamarca é toda uma outra realidade, e que são sobretudo as pessoas com menos dinheiro que comem fast food e que não podem pagar mais impostos. Mas confiar apenas em campanhas de alimentação saudável parece insuficiente. “Temos estado a apostar na responsabilidade individual desde há 50 anos e não funciona”, disse à BBC Charlotte Kira Kimby da Danish Heart Foundation. É bom que surjam outras ideias para lidar com o problema – que, de preferência, não passem por novos impostos.
Se calhar o melhor é mesmo atacar o problema na raiz, ou seja, intervir junto das empresas com legislação que controle mais os níveis de gordura ou de açúcar, como se fez com o sal no pão. Claro que é sempre uma interferência na liberdade de comermos o que bem entendermos. Mas a impressão que tenho é a de que as pessoas sabem que "faz mal", mas parece-lhes sempre um problema distante (e pelo que sei as mensagens supostamente dissuasoras nos maços de tabaco não têm o efeito desejado junto dos fumadores, não é assim?).
Vou comentar não como gastrónomo mas como médico e investigador. A ideia, à primeira vista, é simpática e parece justa. Pode ser levada mais longe: devem beneficiar das mesmas vantagens do SNS os que têm comportamentos lesivos da saúde?A coisa é mais complicada porque, em epidemiologia (e epidemiologia é também iosto das doenças metabólicas, ou do cancro, não só as doenças infeciosas) há correlações, não causalidades.O caso exemplar é o do tabaco e o cancro do pulmão. A associação é indiscutível, mas todos os doentes foram ou são fumadores? E qual a percentagem de fumadores que desenvolve cancro?Deve-se penalizar todos os fumadores? Uma coisa é adotar medidas antitabágicas, como medida indiscutível de saúde pública, outra é transferir isto para o plano individual.