Não tenho televisão há mais de quatro meses. Penso que já ultrapassei a fase de “desintoxicação” e não poderia ter sido em melhor altura. Infortúnio o meu, sempre que entro em algum café, deparo-me com o referido equipamento electrónico ligado, a dar vezes sem conta, as mesmas caras de sempre da política portuguesa. Numa dessas ocasiões (e nisso a nossa comunicação social é brilhante), passavam imagens da campanha do costume: dos slogans pronunciados em êxtase, do apregoar do voto, como se fossem feirantes, das beijocas e abraços às velhinhas; acompanhadas de uma música das Doce, “Uma da manhã, hei, bem bom, duas da manhã, hei!”. Impossível não olhar e não ouvir. É “gira o disco e toca o mesmo” (e não me refiro à canção das Doce). Noutra ocasião, abri uma página do jornal para me deparar com uma análise swot (!!!) dos candidatos a primeiro-ministro. Obviamente que só dos dois “grandes”, que os outros partidos nem a isso tiveram direito. Temos, sem dúvida, jornalistas muito originais e, claramente, neutros. Cheguei ao meu limite. Pela primeira vez, nos meus quase dez anos de eleitora, sei que me vou arrastar literalmente para as urnas, para votar… não sei em quem, nem porquê. Sorte ou azar, nunca lá esteve nenhum governante eleito por mim. E o mais curioso disso tudo é que tenho assistido a esse desânimo, por grande parte da população: jovens, adultos, velhos, todos dizem o mesmo e a prova está nos crescentes níveis de abstenção. Aqui há dias, um professor meu confessava que, para se defender da campanha, até preferia mudar de canal e ver publicidade, vá, antes um pouco de assédio consumista…
Contudo, ao mesmo tempo que vivemos neste período de desencanto pela política partidária, por toda a parte, em vários países, se assiste ao brotar de inúmeros movimentos sociais, mais ou menos formais, que se dedicam à luta e que procuram a transformação social, resgatando a cidadania na sua forma plena. Porque cidadania, palavra que muitas vezes soa oca, por nela caber tudo (os grandes direitos universais), sem que lá caiba ninguém, é um direito que nos assiste. E cidadania não é apenas votar (arrastados ou não), não é só ser militante partidário (como eu própria já fui, atenção!), mas é procurar soluções para problemas concretos, a partir de um acto muito simples: ouvir. Ouvir o que as pessoas têm para dizer, os cidadãos, que nós somos, que têm a capacidade (e o poder!) de decidir, de optar, de dizer “basta”!
Como Paulo Freire, nosso precioso pedagogo brasileiro, dizia, «a ideologia fatalista, imobilizante, que anima o discurso neo-liberal anda solta no mundo. Com ares de pós-modernidade, insiste em convencer-nos de que nada podemos contra a realidade social que, de histórica e cultural, passa a ser ou a virar “quase natural”.» Vago, diluído, o poder é soberano e o indivíduo esmagado, confinado na apatia, na fatalidade, na passividade, na alienação. Como o mesmo autor sublinhava, e já antes Marx destacava, nós, ser-humano, somos fazedores e construtores da nossa própria História. A História não se faz sem o Homem, sem a sua acção transformadora. Existem alternativas, existe força. Vemos o que se passa em Espanha, na Grécia, o que aconteceu aqui, a 12 de Março e o que acontece, um pouco por toda a Europa. Mas a força não se faz sem unidade, sem coesão, sem um colectivo integrado. E por isso vos trago o exemplo do Fórum Social Mundial, que tem tido pouco impacto em Portugal, mas que é considerado “o movimento dos movimentos” e tem dado provas de que, unidos os esforços de várias entidades (grupais ou individuais), se pode chegar a um consenso, a um plano viável para a mudança. De que se pode atingir o lema que eles proclamam, de que “um outro mundo é possível.”
Há umas semanas, passei na Rua de Santa Catarina, no Porto, e descobri um belo graffiti: “Não esperes pela revolução a olhar para a televisão.” Por isso, peço-vos, por um dia que seja, desliguem a televisão e olhem-se ao espelho. Como outro grande brasileiro, Augusto Boal (criador do Teatro do Oprimido) invocava, olhemos para um espelho, como se de um espelho mágico se tratasse, onde vemos a sociedade que desejamos e nele entramos para a poder transformar. Por isso, repito, olhem-se ao espelho, ao espelho mágico, e perguntem: que cidadão quero ser? O que posso fazer para tornar esta sociedade um pouco mais justa, um pouco mais solidária, um pouco mais “nossa”, através das minhas próprias mãos. É utopia? Talvez, mas para mim é a palavra mais bonita deste nosso mundo.
Inês Barbosa, 27 anos. Professora, escritora e a concluir a tese de mestrado em “Teatro do Oprimido”, baseada no trabalho da PELE/NTO Porto