Há más campanhas que vêm por bem e trazem oportunidades

Os resultados estão aí, mas, antes do imediato da sua análise, devemos, sem receios,  olhar um pouco para trás. Então, lembrando as cores e os sons, as bandeiras e as frases de ordem, o que nos ficou na memória? Afinal o que marcará a história desta campanha? Não tenho receio em afirmar que  esta foi uma das melhores campanhas até hoje, pois, de tão redundante e vazia (com excesso de pessoalismos na forma do enxovalho e falta de conteúdos – a verdadeira razão para a confrontação política), só pode ser uma oportunidade de mudar e melhorar. Parece paradoxal, e até o é de facto. Mas, por vezes, só mesmo quando algo quebra ou entra em ruína é que se pensa em reconstruir e reedificar.

Diz-se que a necessidade faz o engenho. Então, se considerarmos que o país está à beira da ruína cívica, sem falar  na insustentabilidade a todos os outros  níveis, há que refundar esta nossa democracia, tão própria e esvaziada de cidadania informada e activa. Sim, temos sido uns verdadeiros idiotas – isto do ponto de vista etimológico do termo –, mas se calhar nunca nos ensinaram a ser de outro modo. Por isso, só nos resta assumir que é urgente sermos (re)ensinados, que temos de mudar melhorando. Temos de ser mais e melhores cidadãos e, de futuro, o “ninguém nos disse” não pode servir de desculpa, pois sempre pudemos, e continuamos a poder, ir à procurar do “significa isto” ou “é assim que se faz”. Devemos passar a ser cidadão com “C” grande, com C de: Conscientes; Cívicos; Cumpridores; Cooperantes; e Capacitados…

Estando aí a oportunidade há que agarrá-la, sem ficarmos agarrados ao sofá e aos marasmos do dia-a-dia que só nos remetem para o vazio das críticas ocas. Mesmo as calamidades subjectivas, rimam com oportunidades, colectivas e activas!

Micael Sousa, 28 anos, engen­heiro civil e fun­dador do Movi­mento Anti-Corrupção

A não-campanha

Terminou a não-campanha. Com proclamações de uma “viragem à direita”, de uma derrota retumbante da esquerda, de um PS arrasado por Sócrates (que terá saído pela porta grande ou do cavalo, conforme as versões) e o talento operático de Pedro Passos Coelho, previsível primeiro-ministro eleito. O rescaldo deste processo grotesco está a ser digno dos seus pergaminhos; todos os líderes partidários discutem derrotas e vitórias, com alusões breves às condições sociais, políticas e económicas de Portugal. Um país à beira da implosão, onde as três forças partidárias mais votadas assinaram ou aceitaram três versões diferentes de um acordo com a comissão conjunta CE-BCE-FMI. Um país onde a fúria parece centrar-se em quem se absteve e quem votou branco ou nulo.

Fúria justa, digo eu. Porque a inércia de muitos poderá ser o desespero de todos, caso o poder executivo, apesar de estar desprovido de grande parte das suas funções primárias de soberania, considere necessário ir além da condicionalidade estrita prevista pelo empréstimo externo. Fúria de breve duração, espero também. Porque quem leu os memorandos de entendimento, incluindo o último, sabe que esta campanha não plebiscitou, de facto, o programa eleitoral dos três partidos mais votados. Na verdade, terá plebiscitado a incapacidade de diálogo alargado da esquerda afirmativa, e o resultado é contundente: o Bloco de Esquerda é o grande derrotado (e a perda de José Manuel Pureza, José Gusmão e José Soeiro constitui uma perda para todos nós, jovens, precárias e precários, desempregadas e desempregados).

Esta não-campanha só pode ser interpretada como vitória para quem não perdeu tempo a considerar tudo aquilo que terá lugar no país, já a partir de amanhã. O PSD e o CDS, previsíveis parceiros de coligação, saberão o que é uma vitória pírrica. E que estão fadados a não cumprir os termos do programa de governo que lhes foi imposto, porque, sendo brutalmente realista, Portugal não vai aguentar. Paulo Portas pode afirmar que está mais próximo do seu irmão mais velho que Passos Coelho; Portugal continuará a não aguentar a destruição programada de estruturas e relações sociais no altar dos ajustamentos estruturais e da zona euro; a dívida pública continuará insustentável e asfixiará a economia portuguesa.

Por isso, enfurecermo-nos contra quem preferiu não votar serve, acima de tudo, os interesses de quem promoverá medidas draconianas com um sorriso no rosto. Se temos energia para nos enfurecermos, será preferível que a usemos para preservar a solidariedade, a busca de novas soluções, a resistência à escrita de uma história que não queremos ver escrita ou revista. Se preservarmos essa solidariedade, poderemos monitorizar os centros de poder, parafraseando Amira Hass, e impedir, no futuro, um acto eleitoral patético e lúgubre como aquele que teve lugar no dia 5 de Junho de 2011, onde se elegeu uma comissão técnica pomposamente denominada “Governo da República”.

Luís Bernardo, 26 anos, doutorando na Uni­ver­si­dade Hum­boldt de Berlim

E agora?

Não voto porque não me apetece, não voto nem nunca votarei, não voto porque nenhum candidato me agrada, os políticos são maus e o sistema político está corrompido, não voto porque na praia se está melhor, não voto porque não sei para que serve o meu voto…

Foram diversas as razões que levaram milhares de portugueses a abdicar de um direito (escolher quem nos governa) e a fugir a um dever (contribuir para o funcionamento da democracia), mas foram poucas as razões compreensíveis, uma vez que muitos dos que escolheram não votar são peritos em questionar e pôr em causa diariamente as políticas seguidas por quem nos (des)governa.

Antevêem-se momentos bastante delicados, em que todas as áreas da nossa sociedade serão afectadas por políticas agressivas de controlo do défice, e em todas elas precisaremos mais do que nunca de pessoas activas e participativas.

Desta forma, é pena que à primeira chamada para a uma manifestação de união em torno de um problema nacional, milhares de portugueses, milhares de jovens, se tenham limitado a deixar que fossem outros a escolher por eles.

Hoje temos um governo. Temos uma maioria de direita. Temos um programa imposto pelas instituições europeias. E agora?

Agora mantenho a esperança num país e numa população que defenda os seus direitos mas que acima de tudo cumpra os seus deveres. Mantenho a esperança de ser conduzido por uma classe política capaz de interiorizar a missão de servir o país e não de se servir deste. Mantenho a esperança de ver o meu país recuperar a autonomia, libertando-se das teias do capital, das sociedades, dos mercados, aqueles que até ao presente dia, sempre de forma hábil, nos convenceram que os políticos é que mandavam e que nós é que os escolhíamos.

Em 2015 espero ver um país que honrou os seus compromissos, que soube proteger os mais necessitados, que aproveitou as oportunidades para crescer, que aprendeu com os erros do passado. Eu cá estarei, para lutar pela ética na política, nos negócios e por um tratamento devido a seres que pensam ser ainda pessoas e não peças de uma qualquer máquina, e espero nesse dia poder contar com aqueles que hoje decidiram não comparecer.

Pedro Mar­ques Vidal, 27 anos, pro­fes­sor de Edu­cação Física e gestor desportivo

Voto por exclusão de partes

Nas semanas que antecederam estas eleições, a frase que mais ouvi pelas ruas foi: “Não sei em quem votar”. Uma constante evocação da falta de confiança no sistema político e da ausência de representatividade que sofremos. Sabemos que o comum português não se revê nos políticos que governam o país. Que a abstenção é cada vez maior e mais expressiva. E que a maioria do debate político é marcado por um nonsense que desmotiva qualquer um.  Mas na hora de contar os votos nada disto importa. Com uma confiança renovada começa outro ciclo.

Os próximos anos avizinham-se difíceis, já nos explicaram muitas vezes. Espero que a urgência da situação do país e a necessidade de criar consensos, sirva também para uma política mais próxima e mais real, que mobilize, que nos faça dialogar e encontrar soluções e alternativas criativas.

Porque escolher em quem votar, é diferente de escolher em que não votar.

Ana Luísa Brandão Estêvão, 26 anos, arquitecta

Análise aos resultados provisórios

A situação delicada poderia pressupor maior afluência às urnas e no mínimo uma pequena inversão na tendência da abstenção. Contudo tudo aponta para que esta continue a aumentar, ultrapassando os 35 por cento de 2005 e os 40 por cento de 2009, sublinhando a crescente falta de identificação dos eleitores em relação a este regime, estes partidos, estes políticos e esta forma de fazer política.

Considerando que a última mudança clara de regime político data de 2005, observamos que os resultados dessas legislativas são muito próximos daquilo que as projecções apontam para a noite de hoje. O vencedor fica perto dos 40 por cento, sendo que a diferença para os 45 por cento do PS em 2005 pode ser explicada com a transferência de votos para o CDS-PP, que sobe dos 7 por cento em 2005 para os projectados 11 por cento. O partido afastado do poder fica abaixo dos 30 por cento tal como acontecera em 2005. A CDU mantém estabilizado o seu eleitorado na casa dos 7 por cento. Já o BE retoma valores próximos aos de 2005, provavelmente até inferiores, apresentando-se junto do PS como os grandes derrotados desta noite.

Ora, tal como em 2005 os eleitores mostraram uma inequívoca vontade em punir o primeiro-ministro e governo em funções, transferindo os votos para o principal partido da oposição mais como consequência dessa vontade do que propriamente por convicção política ou ideológica. Observa-se ainda uma punição dos eleitores ao BE, dada a sua incapacidade para se afirmar como verdadeira alternativa e opção governativa, tendo-se tornado uma espécie de PCP II. Já o CDS-PP consegue apenas uma ligeira subida relativamente às legislativas de 2009, não conseguindo capitalizar o facto de ter como candidato o mais bem preparado dos políticos que se apresentaram a estas eleições, tendo sido prejudicado pelos apelos ao voto útil no PSD.

David Santiago, 27 anos, mestrando em Relações Internacionais no ISCSP

Uma democracia normal

Os resultados do acto eleitoral de hoje demonstraram que, apesar de entorpecido, o povo português não está morto. Embora o voto seja um fenómeno com uma causalidade multivariada, com explicações que vão muito para além da percepção sobre o estado da economia, aconteceu o que era normal: a punição do incumbente, com responsabilidades directas na situação actual do país, e a respectiva alternância do maior partido de oposição. A vantagem de conseguir construir rapidamente e sem grandes dificuldades políticas uma solução de coligação, que garantirá a estabilidade formal ao novo governo, é também um bom aspecto do resultado desta noite.

Quanto à estabilidade política e social, essa, será bastante mais difícil de obter. A equipa que agora entrará em funções tem ainda muito (tudo?) que provar, especialmente com um programa muitíssimo difícil para cumprir, os próximos anos serão, sem quaisquer dúvidas, piores do que foram os últimos. Porém, teremos (espero) um objectivo, um modelo de desenvolvimento de longo prazo para o país e, acima de tudo, deixado para trás um governo mitómano, que viveu os últimos anos na mais completa negação das evidências empíricas, em crispação política constante que foi, quase sempre, parte do problema e muito raramente parte da solução.

Jorge M. Fernandes, 24 anos, doutorando em Ciência Política no Instituto Universitário Europeu, Florença

A besta está a tomar conta do Homem

A primeira aprendizagem deve ser artística. Este é um argumento já defendido por Arquimedes e que poucas sociedades ousaram seguir. Portugal continua na cauda da Europa em matéria de défice económico e em índices culturais e educativos. O programa das Novas Oportunidades serviu para iludir com números os relatórios que temos que prestar aos patrões europeus. O estudo Mateus serviu para sensibilizar as almas mais tecnocratas de que a Cultura também pesa uns gramas no PIB. Peso que nunca deu direito a ultrapassar a meta de 1 por cento no Orçamento de Estado.

Há outras necessidades primárias que ainda não estão asseguradas e a Cultura acaba sempre relegada para segundo plano. Estamos em crise e é preciso apertar o cinto. E quando não há mais buracos, fura-se o cinto e aperta-se ainda mais até ao povo ficar sem ar, sem voz, sem pensar. O modelo político português está refém da hierarquia de necessidades de Maslow e não há ninguém que ouse quebrar este paradigma.

«A arte não é um luxo, é um bem essencial», comentava Beatriz Batarda numa das suas passagens pelo mítico Teatro Nacional de São Carlos. Ninguém a ouve. Passam todos as mãos pela cabeça e trocam-se sorrisos circunstanciais. Engole-se em seco no escuro das récitas, batem-se palmas nos dias de estreia e fogem para casa a sorrir para a crítica social. Todos dizem amém à Cultura e ninguém a dessacraliza.

Em tempo de crise económica a solução passa por um investimento sustentado que reforce a coesão e desenvolvimento social e neste campo a Cultura é a prioridade. O crescimento individual e de grupo faz-se de forma mais concertada através do desenvolvimento artístico. O crescimento económico faz-se através do desenvolvimento artístico. O combate à pobreza, à xenofobia  e à exclusão social faz-se através do desenvolvimento artístico. As provas dentro e fora de portas são mais que muitas. Os modelos praticados a norte da Europa e tidos como exemplos noutras circunstâncias são vários.

Os novos paradigmas que provam que o teatro pode ser a solução para os problemas sociais têm no Teatro do Oprimido a resposta que faltava para a participação activa dos cidadãos na participação cívica e legislativa. O défice cultural que existe em Portugal é a principal causa para o Estado social e económico em que nos encontramos e para a classe política que temos.

O anúncio da extinção do Ministério da Cultura é um prenúncio da morte de um Estado social e livre. Se noutros países com hábitos culturais mais desenvolvidos a Cultura não está representada como ministério, nos países onde há défice cultural, o Ministério da Cultura é, por si, uma obrigatoriedade para combater tal défice. Não é possível sermos livres sem educação. Não é possível sermos livres sem Cultura. «Se um professor de Matemática fosse mais actor, teríamos menos insucesso em Portugal», lembrou o encenador e actor João Mota numa homenagem na Escola Superior de Educação de Lisboa, a 21 de Maio.

O mundo sensível está a perder terreno face ao mundo da razão. É preciso equilibrar os pratos da balança para que os mundos se empatem.

José Luís Costa, 28 anos, colaborador na OPART e sócio fundador do SOU – Movimento e Arte

Vai trabalhar, vagabundo

Cumpre-se este ano o 50.º aniversário da abolição de um dos regimes mais ignóbeis que a calorosa e pia alma lusitana conheceu: o indigenato. Não me pediram para aqui escrever sobre essa ignomínia racista e outros, muito melhor do que eu, já o descreveram (anoto apenas a ausência de qualquer celebração da efeméride no seio de um povo que é muito pouco modesto na celebração das virtudes pátrias passadas). Entre outras, várias, coisas, o fim do indigenato acabou, legalmente, com essa aberração que era o trabalho forçado. Cinquenta anos volvidos, e esse cheiro nauseabundo está de volta à praça. Pela voz do Presidente do PSD ficámos a saber que os utentes do Rendimento Social de Inserção, caso ganhe, terão de dar o seu “Contributo Solidário” para o esforço nacional. Menos mal, há uns meses não eram apenas os beneficiários do RSI como também os desempregados que, apesar de terem descontado durante toda a vida, seriam chamados a esse momentoso esforço abnegado.

É fácil, demasiado fácil, durante a campanha ver-se este ataque desbragado aos mais pobres dos pobres, àqueles que dificilmente contam, e difícil, tremendamente difícil defender politicamente uma garantia social que nos devia orgulhar mas a quem a esmagadora maioria da população dedica o mais absoluto nojo. Porque são poucos, porque são pobres, porque dão aos outros, aos muitos outros, um desprezível regozijo assente na desgraça alheia. E no meio disto tudo, ninguém se pergunta quais os reais custos do RSI? O que significam aqueles 180 euros para quem não tem nada? Caso Passos Coelho ganhe, vai mesmo obrigar os beneficiários a trabalhar por 180 euros por mês? Vai dizer a quem não tem dinheiro para comer que precisa de trabalhar para merecer comer? E que se trabalhar pode ainda assim não comer? E a dignidade? A dignidade compra-se com a descida da Taxa Social Única.

Dir-me-ão que comparar o indigenato com a proposta de Passos Coelho é indigno, ofende a memória das vítimas de crueldades volvidas. Confesso o pudor. São certamente medidas de humilhação e sofrimento diferentes, não são cotejáveis. Mas do que esta proposta trata, de facto, é de obrigar pessoas a trabalhar por uma esmola, de apontar o “dever moral do trabalho” a quem não tem escolha nem emprego. O que está em jogo é um princípio seminal do sentido da nossa existência colectiva.

Mas antes que se apoquentem com o tratamento dado aos beneficiários: o Estado garante-lhes “alojamento, transporte e alimentação” como dantes. Com sorte, e algum revisionismo, fica resolvido o problema dos pobres: entrega-se-lhes a enxada para os ensinar a pescar. E já vamos com sorte se ninguém se lembrar de uma nova vadiagem.

José Pedro Monteiro, 26 anos, bolseiro de investigação científica

Ciência: uma prioridade para Portugal

Passaram mais de 11 anos desde que os 15 países da então Comunidade Económica Europeia acordaram em Lisboa uma ambiciosa estratégia: converter a economia europeia “na economia baseada no conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo até 2010, capaz de um crescimento económico sustentável acompanhado de uma melhoria quantitativa e qualitativa do emprego, uma maior coesão social e do respeito pelo ambiente”.

A Europa falhou os objectivos traçados. As razões são muitas, mas a crise financeira que afectou a diferentes níveis a estrutura europeia é apontada como a principal razão pelo atraso e pela impossibilidade de alcançar as metas. No ano passado a nova Comissão Europeia apresentou uma nova estratégia em muito alinhada com a Estratégia de Lisboa: a Estratégia Europa 2020, que estabelece três prioridades que se reforçam mutuamente e proporcionam uma visão da Europa no século XXI. A prioridade número um é o crescimento inteligente, desenvolvendo uma economia baseada no conhecimento e na inovação. Ou seja uma economia baseada em ciência e tecnologia, a base do conhecimento e da inovação.

Neste contexto, é preocupante que a ciência tenha tão pouca presença nos programas eleitorais dos vários partidos políticos.

O Bloco de Esquerda diz que na ciência, como na saúde, na educação, na formação e no combate à pobreza, “só se mexe para melhor”, mas não formula qual a estratégia para a melhorar e quais as suas prioridades. Em 2009, o PCP no programa eleitoral para as eleições legislativas apelava a uma revisão do Sistema Científico e Tecnológico Nacional e do Estatuto da Carreira de Investigação Científica. No entanto no “Compromisso para a Mudança” para as eleições do próximo domingo, no sítio electrónico da CDU, não menciona de forma alguma a ciência. O programa eleitoral do PS não lança muitas pistas para o futuro; o do PSD tem um pouco mais de informação com enfoque na articulação entre universidades, centros de investigação e empresas. O CDS não apresenta nenhuma informação sobre as suas ideias, propostas ou estratégias para a ciência na próxima legislatura.

O desenvolvimento científico e tecnológico está intimamente ligado ao índice de desenvolvimento humano de um país ou região. É fácil de perceber que quando o combate à pobreza e às desigualdades sociais são uma prioridade, não é fácil de justificar e apoiar qualquer actividade secundária que não tente resolver directamente estas questões. No entanto, diversos estudos indicam que investimentos em ciência e tecnologia em situações de crise têm vindo a ajudar países a enfrentar e ultrapassar as mesmas. Isto vem mostrar que o investimento em ciências básicas tem, não só um grande retorno cultural e humano, mas também um retorno económico.

Recentemente, na ocasião da atribuição do maior prémio nacional de cultura e ciência, o Prémio Pessoa, à cientista Maria do Carmo Fonseca, esta falou “da importância da ciência no desenvolvimento do país”. De uma forma simples e clara afirma: “A Ciência tem um enorme potencial para atrair investimento internacional, mas para ter sucesso a ciência portuguesa terá de ser competitiva a nível mundial. (…) Como em todas as áreas da economia, a competitividade nacional exige opções estratégicas sobre investimentos prioritários.” Fica assim lançado o repto aos futuros governantes.

Não esquecendo que o júri do Prémio Pessoa é constituído por algumas das maiores personalidades da sociedade portuguesa, incluindo um ex-Presidente da República e antigos primeiros-ministros, a atribuição do prémio a um cientista, pela terceira vez, vem realçar o papel fulcral que a ciência tem para melhorar a situação económica portuguesa, se o poder político assim o desejar.

Estamos cientes do nosso tamanho: somos um país pequeno, com recursos limitados. Sem esquecer a inovação, a originalidade e a criatividade, temos que perceber onde estão as nossas mais-valias e alinhar os nossos projectos com uma clara estratégia nacional e europeia para a C&T. Só assim podemos potenciar os recursos e investimentos.

Com as eleições legislativas de 2011, urge então perceber quais são os planos, estratégias e visão para a ciência portuguesa que o próximo governo tem para os próximos quatro anos. Temos a certeza que a comunidade científica está preparada para responder, ajudar e trabalhar para contribuir para um melhor Portugal.

Maria José Cruz, 35 anos, editora associada da revista Science
Pedro Russo, 33 anos, coordenador do projecto Universe Awareness, Universidade de Leiden, Holanda
Sílvia Castro, 32 anos, desenvolve projectos de comunicação de ciência e new media

A reforma do sistema político, a crise e as eleições

A espaços, surgem no debate político português propostas para reformar o sistema político. Uma das propostas classicamente avançada consiste na diminuição do número de deputados na Assembleia da República e, mais recentemente, nesta campanha eleitoral, um dos partidos prometeu que, caso vença as eleições, formará um governo com não mais de 10 ministros e 25 secretários de Estado. Ambas as propostas são feitas no pressuposto da poupança, especialmente popular em tempo de austeridade, indo de encontro à vox populi, que clama o fim dos “tachos dos políticos” (sic). Não parecem, portanto, considerar quaisquer preocupações com a eficiência das instituições e a qualidade da democracia.

Vale a pena abordar o tema da reforma da AR. Este órgão representa de forma descritiva os interesses existentes na sociedade, institucionalizando o conflito. A redução do número de deputados, como aqui é demonstrado empiricamente, não traria grandes mudanças na posição comparativa de Portugal no rácio deputados/população. O maior impacto das alterações ao número de deputados dar-se-ia na capacidade fiscalizadora do parlamento, um dos seus maiores poderes no equilíbrio de poderes entre o Executivo e o Legislativo. Num país com uma sociedade civil muitíssimo débil, com evidentes problemas na capacidade dos media exercerem a fiscalização dos actos governativos, coarctar a capacidade de fiscalização do órgão mais proporcional e representativo do sistema político prejudicaria gravemente a qualidade da democracia.

A função de fiscalização dos actos do governo realiza-se através das comissões parlamentares e dos órgãos intermédios da AR. Estes órgãos têm a capacidade de realizar audições externas, sem necessidade de aprovação pela maioria que controla o executivo, fazer pedidos de informação ao governo e direcções-gerais, diminuindo as assimetrias de informação, evitando, assim, a possibilidade de o governo usar informação privilegiada para enviesar o processo de produção de políticas públicas. Estes dois mecanismos exemplificam os poderes que a AR tem no processo de fiscalização político.

Manter um número relativamente elevado de deputados é condição necessária para permitir a divisão do trabalho, indispensável para a eficiência institucional, e a especialização dos deputados por áreas governativas, desenvolvendo experiência ao longo de várias legislaturas com conhecimentos políticos e técnicos que serão preciosos na fiscalização das políticas governativas. Se algum dia houver, de facto, vontade política de fazer uma reforma séria, que dote a AR de maior eficiência, crie-se uma classe de “civil servants”, com sólida formação académica a nível jurídico e económico, que sejam quadros permanentes do parlamento, com os meios suficientes para darem o apoio político e técnico ao, então, menor número de deputados.

Esta é apenas uma proposta para a melhoria da qualidade da representação, que, não passando pelo clássico sistema eleitoral/número de deputados, permitiria um aumento do poder dos representantes das várias clivagens existentes na sociedade. Esta é uma condição essencial para que os canais de representação institucional possam funcionar de forma eficiente e representativa.

Jorge M. Fernandes, 24 anos, doutorando em Ciência Política no Instituto Universitário Europeu, Florença