“o caso Quintanilha”: Coimbra

No Facebook do projecto, onde podem ir acompanhando o que publicamos no blog mas também sabendo informações úteis sobre botânica em geral, deixámos uma pequena “provocação” a propósito do “caso Quintanilha”. Antes de chegarmos à ocorrência específica que opôs António Salazar a Aurélio Quintanilha, na década de 1930, interessa conhecer um pouco do percurso científico e académico deste.
Quintanilha termina a sua licenciatura em Ciências Histórico-Naturais, em Lisboa, em 1919. De há dois anos a essa parte exerce o cargo de 2.º assistente de Botânica, funções que eram apenas reservadas aos melhores e mais promissores alunos.
Também em 1919, Luis Wittnich Carrisso, à altura director do Instituto Botânico de Coimbra, visita o seu homólogo de Lisboa e conhece o jovem investigador.
O episódio é muito bem relatado neste trecho de “Evocando o Passado” (separata do Boletim da Sociedade Broteriana, vol. LIII, 2. ª Série), da autoria do próprio Aurélio Quintanilha:
Em 1919 estava eu em Lisboa a acabar a minha licenciatura em Ciências Histórico Naturais, quando recebi a visita do Professor Luis Carrisso, então recentemente nomeado director do Museu, Laboratório e Jardim Botânico de Coimbra. Vinha acompanhado do meu patrício e velho amigo Ruy Telles Palhinha, professor de Botânica, juntamente com D. António Pereira Coutinho que nessa data estava à beira da reforma.
Quando os dois entraram no minúsculo gabinete onde eu trabalhava, estava a examinar uns cortes de vértices vegetativos de raízes que tinham ficado muito bons. O Carrisso pediu licença e sentou-se para espreitar.
Ficou maravilhado! Passou a tarde no laboratório, depois da partida do Palhinha e conversámos imenso. Quis saber onde é que eu tinha aprendido aquelas técnicas tão perfeitas. Contei-lhe então que antes de me matricular na Faculdade de Ciências tinha frequentado Medicina e aprendido a trabalhar com o professor Celestino da Costa e o seu assistente Roberto Chaves.
Lá ensinaram-me técnicas de citologia humana e animal que eu depois fui aplicando à citologia vegetal. Esses dois investigadores despertaram-me assim, o interesse pela pesquisa científica nos domínios da microscopia e fizeram de mim um entusiasta citologista.
Este encontro causa em Carrisso um forte impacto, ficando sensibilizado com Quintanilha como pessoa e como cientista, especialmente pelo trabalho que estava a desenvolver na área de citologia vegetal. De tal forma que propõe formalmente por carta contratá-lo para o lugar de 1.º assistente em Coimbra.
Novamente nas palavras de Quintanilha:
A proposta era sedutora. Como Segundo Assistente Provisório de Botânica, recebia, líquidos, por mês, 22$50, o que mal me chegava para pagar a renda de um quarto e a comida. Como Primeiro Assistente, iria ganhar o dobro, além das regências dos cursos teóricos e da moradia gratuita no próprio edifício onde trabalhava. Fui mostrar a carta ao meu director, o Dr. António Pereira Coutinho, e ao professor Telles Palhinha e pedir-lhes conselho.
Ambos acharam a proposta magnífica e aconselharam-me a que a aceitasse. (…) Escrevi ao Carrisso a agradecer a sua oferta e a manifestar-lhe o meu reconhecimento pela confiança que ele manifestava nas minhas qualidades; e em Outubro de 1919, terminados os exames de licenciatura, lá fui apresentar-me em Coimbra para tomar posse.
O que se seguiu foi uma carreira académica e científica em Coimbra que se pode considerar do mais alto nível, para o país e até para a Europa, abruptamente interrompida.  Sobre isso iremos falar em posts futuros.
PS – Alguns dos seus trabalhos encontram-se em formato digital na Biblioteca Digital de Botânica. A ilustração foi retirada da dissertação de Quintanilha para concurso ao magistério da Faculdade de Ciências, intitulada O problema das plantas carnívoras : estudo citofisiológico da digestão no “Drosophyllum Lusitanicum”.

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