No trilho dos naturalistas | exibição RTP2

A série No trilho dos naturalistas começa a ser exibida hoje dia 23 Julho, na RTP2, pelas 20h!

“No trilho dos naturalistas” é uma série documental de quatro episódios, realizada por cinco realizadores portugueses que tem como ponto de partida a história das expedições botânicas em África, realizadas por naturalistas da Universidade de Coimbra desde o século XVIII.

Produzida pela TERRATREME em parceria com o Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, que resulta de um projecto Media Ciência, co-financiado pela Ciência Viva e o QREN/COMPETE, “No trilho dos naturalistas” conduz-nos por Angola, Moçambique e São Tomé e pelo legado produzido pelas Viagens Filosóficas e fala-nos sobre a diversidade e a ecologia das plantas nos distintos países, o funcionamento dos ecossistemas tropicais e as relações dos seres humanos com o ambiente.

Os quatro documentários da série “No trilho dos naturalistas” serão exibidos ao sábado na RTP2, às 20h00 a partir de 23 de Julh o, quando será exibido o documentário rodado em Moçambique, da autoria do realizador João Nicolau. No sábado seguinte, dia 30 de Julho será exibido o documentário realizado em Angola por André Godinho, seguindo-se no dia 6 de Agosto as Viagens Filosóficas realizadas por Susana Nobre, finalizando o ciclo no dia 13 de Agosto com o documentário realizado em São Tomé por Tiago Hespanha e Luísa Homem.

Angola 1939

Em 1939 é publicada a “Carta Fitogeográfica de Angola” por John Gossweiler, um suíço que trabalhou como botânico em Angola de 1899 até à sua morte, em 1952.
Nesta publicação contou ainda com a colaboração de Francisco Mendonça, que havia acompanhado Luís Carrisso nas expedições botânicas de 1927 e 1937.
John_Gossweiler04 ucfctbt_col_dp_angola_cx1s_0011_12_t0

Do campo ao gabinete

“Ora, a informação permite justamente limitar-se à forma, sem ter o embaraço da matéria.
Os papagaios permanecerão na ilha com seu canto; levar-se-á o desenho de sua plumagem, acompanhado de um relato, de um espécime empalhado e de um casal vivo, que se tentará domesticar para o viveiro real. A biblioteca, o gabinete, a colecção, o jardim botânico e o viveiro se enriquecerão com isso sem, no entanto, se entulhar com todos os traços que não teriam pertinência.”

Bruno Latour, sobre o método de recolha de informação de naturalistas e colectores na exploração da diversidade biológica.

Secção da colecção de aves do Museu Nacional de História Natural (Instituto Smithsonian), nos EUA. Fotografia de Chip Clark.

Dom Pedro Quinto no museu

Ruben A. Leitão descreve a visita do rei D. Pedro V à Universidade de Coimbra, em 1852, e permite-nos vislumbrar o estado das colecções de história natural à época. O estado era péssimo mas a descrição é inspirada.

Foi desde a sua visita à Universidade de Coimbra, realizada durante a viagem que fez ao norte do País em 1852 acompanhado de seus pais, que apareceu bem nítida toda a sua tendência para os assuntos educacionais.
Não nos esqueçamos de que o príncipe tinha 14 anos.
Em Coimbra vê e analisa todas as colecções pertencentes ao Gabinete de Ciências Naturais; quanto à colecção dos fósseis – «está num estado propriamente fóssil»; as colecções dos animais vertebrados, «a dos mamíferos, exceptuando alguns macacos e alguns mamíferos do País, parece que fora preparada por Noé quando saiu da arca»
– «Com uma pequena despesa, tirada de entre as inúteis, se poderia aumentar ou antes regenerar o Gabinete Zoológico e Mineralógico; aliás os estudantes e até os lentes, não conhecendo os tipos das espécies, cometerão erros grosseiros na classificação dos produtos, e nunca serão mais do que menos maus teóricos e nunca homens práticos.»

in “D. Pedro V, Um Homem e Um Rei” (Ruben Andresen Leitão, 1950)
dpedro

O ornitorrinco vegetal

namibe_welwitschia_mirabilis2000
namibe_welwitschia_mirabilis_1000

 A Welwitschia mirabilis é uma planta que habita exclusivamente no Deserto do Namibe, que começa em Angola e se estende para sul até à Namíbia.
Friedrich Welwitsch deparou-se com a estranha planta no deserto uns meses antes da publicação, em Londres, do livro que iria alterar as ciências naturais radicalmente. Em Novembro de 1859, Charles Darwin, depois de mais de 20 anos de compilação de dados e argumentos sólidos, publica a “A origem das espécies”, onde propõe a teoria geral da evolução dos organismos biológicos, tendo por mecanismo base a selecção natural.
Do deserto, as primeiras colheitas da planta seguiram para Londres onde, em 1863, Joseph Hooker, director do Real Jardim Botânico de Kew, a apresenta à ciência, inscrevendo no nome da planta o do homem que a encontrou. Na descrição científica da estranha planta, Hooker escreveu:

é sem dúvida a planta mais maravilhosa alguma vez trazida a este país, e a mais feia.

O espanto e incredulidade são adjectivos muitas vezes utilizados por quem estudou a Welwitschia. Evolutivamente mais próxima das gimnospérmicas, mas com com algumas características que apontam para as plantas com flor, as angiospérmicas, o seu estatuto singular e orfandade em termos filogenéticos, são bem sumariados pela frase de Darwin que a descreveu um dia como o

ornitorrinco do mundo vegetal.

A propósito do Dia Internacional dos Arquivos

Hoje, 9 de Junho, assinala-se o Dia Internacional dos Arquivos, comemoração instituída pela UNESCO em 2007.

Foi no Arquivo de Botânica da Universidade de Coimbra (ABUC) que começámos a seguir No Trilho dos Naturalistas e a colher, entre manuscritos e impressos, palavras e imagens, preciosas informações que permitem, hoje, retraçar os percursos que estamos a percorrer, dos exploradores da UC em Angola, Moçambique e S. Tomé e Príncipe.

A informação registada nos milhares de documentos existentes no ABUC traz-nos do passado as memórias, as histórias e as estórias das várias missões botânicas que no presente se reavivam.

Ao mesmo tempo, o ABUC dá voz às centenas de correspondentes (europeus, asiáticos, africanos, sul e norte-americanos) que procuraram em Coimbra novas espécies botânicas vindas das ex-colónias portuguesas, que ajudaram na taxonomia de materiais desconhecidos, que participaram na troca de plantas e sementes entre herbários de todo o mundo.

Cabe ao arquivista abrir as caixas, “limpar o pó” aos documentos centenários, decifrar as caligrafias e as cacografias, traduzir os pensamentos dos autores, descodificar as mensagens escondidas. O trabalho do arquivista consiste em construir as ferramentas que fazem a ponte entre os investigadores contemporâneos e passados. Os inventários, os catálogos, os índices, as palavras-chave permitem o acesso à informação, para que nada volte a ficar escondido.

A importância deste arquivo, como de todos os arquivos, reside na salvaguarda da memória, individual e colectiva, que comprova os feitos do passado e permite relançar no presente projetos como este que ligam História e Ciência.

esta_ok

A exploração botânica de S. Tomé e Príncipe

Moller

Foi a 23 de Maio de 1885 que Adolpho Frederico Möller desembarcou em S. Tomé e Príncipe com a finalidade de aí realizar uma exploração científica. Júlio Henriques realçava desta forma a importância do trabalho do seu trabalho para o conhecimento científico desta então, pouco estudada, província portuguesa:

Das explorações feitas [às ex-colónias portuguesas], a do Sr. Moller é a mais digna de menção. Teve ella por campo a ilha de S. Thomé.

Nos curtos quatro meses que aí permaneceu (23 de Maio a 25 de Setembro 1885), diz-nos Júlio Henriques que “o Sr. Moller percorreu a área que vai da cidade até ao Pico de S. Thomé e do rio Contador ao rio Manuel Jorge” explorando desde “florestas ainda quasi virgens” a “quasi toda a parte da ilha mais habitada e cultivada”.

O relatório do material recolhido pelo inspector do Jardim Botânico de Coimbra impressiona pela quantidade e diversidade, pois embora Adolpho  Möller tenha sido incumbido da “exploração botânica da ilha [recolhendo ca. 430 taxa de plantas vasculares, 96 fungos, 78 líquenes, etc.]” aproveitou “todo o tempo disponível para a exploração zoológica e geológica [249 taxa, entre insectos, aves, répteis e batráquios, etc.]”, reporta Júlio Henriques. Juntando a este material o envio, para a Universidade de Coimbra, de uma colecção de plantas vivas, madeiras, rochas e objectos antropológicos, é fácil perceber a dimensão do saber, curiosidade e incansável empenho de Adolpho Möller como naturalista.

De facto, só em resultado do estudo dos espécimes colhidos por Möller em S. Tomé, foram descritas 116 novos taxa de plantas e fungos. Destes, 14 espécies foram-lhe dedicadas com o restritivo específico molleri, bem como um género novo de fungos Ascomicetes, o Molleriella.

As novidades por entre o material zoológico foram menos e também mais problemáticas. Entre elas contam-se as rãs da discórdia, episódio que envolveu o célebre Barbosa du Bocage, o herpetologista russo Bedriaga e Francisco Newton.

Fora dos circuitos académicos, no entanto, Möller foi um escritor assíduo com colunas regulares em vários jornais de agricultura e horticultura, onde divulgou os seus múltiplos interesses, desde a flora tropical à botânica aplicada, das plantas medicinais à antropologia, e fomentou a necessidade do conhecimento natural das colónias.

Contributos para uma história da exploração botânica de Angola

A exploração botânica de Angola teve início na primeira década do século XIX com a colheita de plantas em Luanda.

No que diz respeito a colectores e naturalistas com ligações directas à Universidade de Coimbra, a história do estudo da vegetação e da flora deste país é inseparável de nomes como John Gossweiler, Friedrich Welwitsch, Francisco Ascensão Mendonça e Luis Wittnich Carrisso, entre outros.

Todos contribuíram profundamente herborizando em diversas zonas do país e organizando extensas compilações botânicas que constituem hoje colecções relevantes dos mais importantes e emblemáticos herbários europeus.

Entre os nomes dos exploradores que se ocuparam do território angolano figura o de Maria Garcia Chaves, a única mulher portuguesa de que há registo a realizar colheitas nesta antiga colónia portuguesa. Por isso aproveitamos este post para a destacar.

Sobre esta figura existem apenas dados residuais. De acordo com o Arquivo da Administração Civil de Boma (Congo), Maria Chaves e o seu marido, que se sabe ter sido funcionário superior de uma casa comercial holandesa em Banana e Boma, eram ambos naturais do Porto.

As referências a material botânico que colheu aparecem apenas em publicações posteriores a 1906, data a partir da qual as plantas que enviou foram submetidas a estudo. As cerca de duas dezenas de exemplares, datados de 1886 a 1889, integram o Herbário da Universidade de Coimbra. As localidades que constam nas fichas indicam que a recolha de plantas foi efectuada na zona do litoral, entre o estuário do Zaire e a fronteira do “Território de Cabinda”, ou seja, numa zona que corresponde actualmente ao Congo Belga.

De seguida, com algum detalhe, vamos conhecer alguns dos protagonistas cujos percursos a nossa equipa vai trilhar já em Maio!