Van Gogh dizia ao irmão que não se esquecesse de que as emoções são os capitães das nossas vidas, a quem obedecemos sem saber. Neste livro, somos convidados a contemplá-las e a compreendê-las.
Pensado inicialmente para ser um diário com “desafios breves, práticos e criativos, que levassem a olhar à nossa volta, olhar para o nosso interior e relacionarmos essa experiência com as emoções”, o livro acabou por resultar em dois volumes. O autor, David Guedes, psicólogo, explica ao PÚBLICO porquê: “Era necessário dar aos leitores algum contexto para estes desafios. Era necessário explicar o que são as emoções e para que servem.”
Um assunto que lhe interessa há muito: “As emoções sempre me fascinaram e, quando escrevi a minha tese de mestrado sobre este tema, queria sobretudo satisfazer a minha curiosidade sobre estas estranhas adaptações que tanto nos movem como paralisam, tanto nos levam ao amor como à guerra.”
Com experiência de trabalho com grupos de crianças e jovens, o mestre em Psicologia Clínica e da Saúde quis criar para eles “algo que perdurasse”.
Esta Odisseia… recorre ao Big Bang para contar a história das emoções, num paralelismo com o nascimento e a exploração do universo. “Há poucas histórias mais bonitas e fascinantes do que aquela em que do nada se fez tudo. Essa é a história preferida de toda a gente, seja contada pela religião ou pela ciência. A história de como tudo começou. E achei que o Big Bang podia ser um bom ponto de partida para explicar o surgimento das emoções”, diz o doutorando no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.
Depois de termos consciência de nós próprios, as emoções tornam-se mais complexas, “podemos começar a sentir emoções como a vergonha ou a culpa e à medida que vamos sendo socializados, desenvolvemos noções cada vez mais completas sobre as emoções. Passamos a saber que nem todas as tristezas são iguais, não se expressam da mesma forma e exigem também formas diferentes de lidarmos com elas”.
O espaço está cheio de metáforas
Chegado à ideia do paralelismo com a formação do universo, o caminho tornou-se claro: “A partir daí, foi possível desdobrar a história numa série de metáforas, porque o espaço está cheio delas. Quando pensamos na forma de experienciar as emoções, vemos como algumas nos trazem leveza, outras causam repulsão, outras fazem-nos gravitar para si. Todas essas sensações podem ter paralelismo em fenómenos do universo. A partir daí foi intuitivo associar o vazio à tristeza ou a energia expansiva de algumas estrelas à vivência da raiva.”
Cada pessoa encontrará as suas respostas e construirá as suas próprias metáforas. “Essa liberdade de apropriação foi o que se procurou promover com o caderno de exercícios, a que se chamou ‘Diário de Exploração do Mundo’.” Onde não há respostas certas ou erradas. “O que nos importa é sobretudo acicatar a curiosidade das pessoas para se interessarem pelas suas emoções”, conclui.
Ilustrar um exercício de autoconhecimento
A ilustradora e designer do livro, Madalena Bastos, diz ao PÚBLICO que “foi muito desafiante ilustrar emoções, algo que sentimos, mas não vemos, algo que não tem forma, mas tanto significado e que todos sentimos de maneira diferente”.
Conta-nos via email que o trabalho foi muito colaborativo: “A criação deste livro foi desde início um processo a quatro mãos, nunca deixámos de manter o contacto e conversar. Estivemos sempre presentes no trabalho um do outro, em constante mudança e simultânea sintonia.”
Foi num destes encontros que chegaram à ideia do universo como metáfora para a exploração das emoções. “Foi em conversa e discussão com o escritor, de que forma poderíamos ilustrar emoções, que me surgiu a ideia de transformá-las num universo como uma metáfora. O David entusiasmou-se, logo o texto também sofreu muitas transformações e os desenhos foram surgindo de uma forma muito fluida. Para muitos, as emoções são como o universo: pouco exploradas. E eu decidi explorar mais as minhas e só depois ilustrar”, descreve.
A ilustradora, que considera o livro um “objecto gráfico único e muito bem produzido”, diz-nos que foi todo “ilustrado digitalmente no Adobe Photoshop; para ilustrar elementos abstractos como o universo e emoções, essas ferramentas oferecem um maior leque de possibilidades”.
Criadora da marca Mariqosa, que produz “jogos pedagógicos, livros didácticos e infinitas brincadeiras”, Madalena Bastos conta ainda como este trabalho a envolveu: “É curioso perceber o quão insignificante somos em relação às nossas emoções. Eu, que pensava conhecê-las, quando comecei a elaborar os exercícios do Diário de Exploração, houve vários em que foi bastante desafiante, para mim, pensar sobre eles.”
Põe a hipótese de que para algumas crianças tenha sido mais fácil e para outras mais difícil. “Penso que o grau de dificuldade vai ser sempre um exercício de autoconhecimento e de perceber o que nos é mais sensível.”
Pela sua parte, David Guedes sente-se satisfeito por “perceber que há psicólogos a usarem partes do diário para sessões de psicoterapia, em actividades de grupo numa escola ou em formações numa empresa”. Mas há também “leitores intrépidos, que têm abordado os desafios por si mesmos”.
Assim, ficam cumpridos os objectivos de que a obra fosse “usada livre e autonomamente por quem, por algum acaso, se cruzasse com ela e quisesse experimentar por si, mas também o de servir de recurso para o trabalho dos psicólogos”. Este último propósito justifica o apoio de um orçamento participativo da delegação regional do Sul da Ordem dos Psicólogos.
Odisseia de Emoções, segundo David Guedes, tem permitido que alguns leitores mais velhos encontrem mensagens com significado para si. “Isto não é totalmente acidental, pois embora se tivesse pensado nas crianças e jovens como principais destinatários, deixaram-se várias ideias que talvez só os leitores mais velhos apreendam na totalidade.” Fizeram bem.
