Era uma vez um livro que não tinha palavras e que era e não era para crianças. Em rigor, a história tinha uma única palavra, “dança”, e vinha na capa do livro. Lá dentro, um homem sisudo, pesadão e desajeitado não conseguia acompanhar a alegria, leveza e agilidade de uma mulher.
Ela e outros pares rodopiavam e esvoaçavam, contrariando o peso e a força da gravidade. Contrariavam também a gravidade… do peso. E dançavam, dançavam, felizes. Mas ele não, deixava-se arrastar pela repetição dos dias, dos gestos e dos trajes. Trazia os pés apertados pelos sapatos de atacadores, o pescoço pelo nó da gravata e o semblante e o coração por tudo.
Esse livro, ilustrado por João Fazenda e publicado no ano passado pela Pato Lógico, ganhou o Prémio Nacional de Ilustração 2015, soube-se esta semana. Segundo a agência Lusa, o júri valorizou o “uso expressivo da cor” numa “narrativa original”. “O movimento das figuras coloca o leitor entre a tensão e a descontracção dos dois universos apresentados, o dele e o dela”, escreveu-se na acta. E é verdade.
A forma angulosa e quadrada da figura masculina, rodeada de cores frias e tons tristes, a contrastar com as linhas arredondadas e sinuosas das outras personagens, sempre coloridas e em movimento. É uma bela história e bem contada, mesmo que sem palavras. Por isso, é também feliz o nome da colecção em que se integra, Imagens Que Contam.
Uma das menções honrosas atribuídas por Susana Lopes Silva, Manuel San-Payo e Ana Castro (jurados escolhidos pela Direcção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, DGLAB) foi para a mesma colecção, no título Verdade?!, da autoria de Bernardo P. Carvalho. A outra menção foi para Yara Kono, com Gato Procura-se (texto de Ana Saldanha e edição da Caminho). Todos repetentes nestas distinções da DGLAB: João Fazenda (menção especial em 2013); Bernardo P. Carvalho (1.º prémio em 2009, menção especial em 2006, 2008 e 2014); Yara Kono (1.º prémio em 2010, menção especial em 2012, 2013 e 2015).
O júri achou por bem destacar ainda, sem atribuição de qualquer valor monetário, Eu Quero a Minha Cabeça, de António Jorge Gonçalves (1.º prémio em 2012); A Casa do Senhor Malaparte, texto de Joana Couceiro e ilustrado por Mariana Rio, e Montanhas, de Madalena Matoso (1.º prémio em 2008, menção especial em 2006, 2007, 2009 e 2014).
João Fazenda já mereceu vários prémios nacionais e internacionais, entre eles, o Grande Prémio Stuart de Desenho de Imprensa (2007) e o prémio de excelência pela Society of News Design (EUA).
Quanto ao homem quadrado de Dança, acabará por conseguir libertar-se de alguns pesos. Deixando-se levar pela música (e pelo amor, queremos acreditar), irá livrar-se dos sapatos apertados, aliviar o nó da gravata e ver as suas formas perderem as rígidas arestas que o tolhiam.
Assim, desde 2015 que há um par colorido e feliz a dançar e a voar nas últimas páginas de um belo livro. Como em tempos se dizia: “Dá-me a honra desta dança?”
Dança
Autor: João Fazenda
Edição: Pato Lógico
32 págs., 13,50€
(Texto divulgado na edição do Público de 16 de Julho, na página Crianças.)
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