Quem não falou já com uma criança e teve a nítida sensação de que ela estava completamente noutro mundo? Mesmo que aparentasse manter-se neste, percebia-se que vivia em modo deslumbrado, imaginativo e fora do alcance de quem entretanto cresceu, tem horários a cumprir e compromissos agendados. Todos muito importantes e prioritários, claro!
Pois é disso que trata este livro delicioso. Um adulto, pai ou mãe, inicia a sua rotina matinal: acorda a criança, pede que se lave, que se vista, que se calce. “Depressinha” e “por favor!”
À medida que as páginas avançam, o desespero aumenta. Mas o ritmo e aceleração de quem tem o nariz mais longe do chão estão muito afastados de quem ainda tem tempo para olhar o que o mundo lhe oferece. “Veste aquela camisa, a amarela”, grafa-se a negro/bold, para que se perceba que é a autoridade a falar. Mas a criança que escuta a instrução e de quem se espera obediência “estava a pensar em todas as partículas de pó que flutuam e brilham à luz do sol”. Mais: “Estava a pensar em limas e limões e laranjas e amarelos (…)”
Entre o apressado e o contemplador, não há só uma diferença cronológica, há a noção de liberdade e de possibilidade de o tempo ser o que fazemos dele. “Estava a pensar…” que não há idade ou tamanho para nos deixarmos deslumbrar com o mundo. “Depressinha” e “por favor!”
Estava a Pensar…
Texto Sandol Stoddard
Tradução Miguel Gouveia
Ilustração Ivan Chermayeff
Edição Bruaá Editora
32 págs., 14€
(Texto divulgado no Público de 14 de Junho, página Crianças.)
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