Anita, 60 anos. Mafalda, 50

Mafalda+Anita

A Anita já tem 60 anos e a Mafalda, 50. Nós envelhecemos, elas não. Duas raparigas que em comum só têm isso mesmo: serem personagens femininas. A bem-comportada Anita nunca se questionou, a irreverente Mafalda nunca fez outra coisa.

O primeiro livro da Anita foi publicado em 1954, com o título original Martine à la ferme (Anita na Quinta), com texto do escritor e poeta francês Gilbert Delahaye e ilustrações do belga Marcel Marlier.

A primeira tira com a personagem Mafalda surgiu em 1964, no semanárioPrimera Plana, em Buenos Aires, pela mão do argentino Quino (Joaquín Salvador Lavado). Isto depois de uma tentativa falhada, dois anos antes, para ser o rosto de uma campanha publicitária a electrodomésticos – o que, conhecendo a Mafalda, a deve ter deixado muito satisfeita.

“A Anita é uma personagem certinha, muito bem-comportada. É preciso lembrar que foi criada nos anos 1950, após a II Guerra Mundial, depois de um período turbulento. Já a Mafalda é irreverente e revolucionária, nasceu num outro contexto e como que antecipa as alterações no mundo, nos anos 60 do século XX, quer do ponto de vista social quer tecnológico”, diz Maria José Pereira, editora dos livros infanto-juvenis da Verbo e que vai pôr em contraponto as duas “meninas” no festival Livros a Oeste, na Lourinhã, no domingo.

A doce e a revolucionária
Apresentada em conjunto com o jornalista João Morales, programador do encontro, a sessão, intitulada “Las meninas nos 50 anos das personagens Anita e Mafalda”, está marcada para as 15h30, no Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira. Uma espécie de “descubra as diferenças” do ponto de vista plástico, da atitude e do contexto em que as personagens foram criadas.

Diz a editora: “Se a Mafalda é irreverente e revolucionária, Anita é uma menina doce e bem-comportada. A primeira interroga-se, a segunda não.” E até os nomes das personagens que acompanham Mafalda nos dão conta do seu carácter, como a inesquecível Liberdade.

No caso da Anita, a narrativa organiza-se sempre em torno da menina, onde até “os pais são personagens secundárias, com muito pouco peso na acção e na ilustração”. Para Maria José Pereira, é importante referir que “os autores da Anita, tendo nascido nos anos 1920 e 1930, tiveram percursos muito diferentes do de Quino, que nasceu nos anos 1940, na Argentina”.

Talvez não fosse possível a pequena filósofa Mafalda surgir mais cedo. “A década de 1960 foi muito intensa e transformadora. A Mafalda cita muitas canções dos Beatles, por exemplo. E antecede um pouco a revolução feminina.” Apesar de Quino ter abandonado a personagem logo em 1973, Mafalda valeu-lhe recentemente 50 mil euros, através do Prémio Príncipe das Astúrias, na categoria de Comunicação e Humanidades.

Com e sem paisagem
Plasticamente falando, os livros da Anita distinguiram-se imediatamente dos infanto-juvenis da sua época. “Eram bonitos e bem feitos. Estavam próximos da pintura, com aguarela e guache. O traço era mais liso e brilhante do que nas ilustrações mais comuns daqueles tempos.” Também a paisagem tinha um peso importante no conjunto da composição, aspecto completamente ausente na vida de Mafalda. “Na Mafalda, não há décor. Segue as ilustrações das tiras americanas. Com a insolência do preto e branco.”

Mais haveria a dizer sobre estas duas crianças que cedo entraram na vida de muitos leitores, mas Maria José Pereira prefere convidar “toda a gente a ir até à Lourinhã discutir novas ideias sobre as personagens”. Porque sabe que “estes livros marcaram a geração que cresceu nos anos 1960 e tiveram uma carga importante” nas suas vidas. Quer também promover junto dos leitores jovens “um olhar contextualizado dos livros e das personagens, para que tenham deles um entendimento mais alargado”.

Escritores e leitores frente a frente
Livros a Oeste começou na quarta-feira e termina no domingo, dia 1 de Junho. É um festival que organiza “conversas com autores, dirigido a vários públicos: o escolar e o público em geral”, explica João Morales, que há três anos programa este encontro na Lourinhã.

Um dos propósitos é justamente pôr quem escreve e quem lê “em contacto directo, dando oportunidade às pessoas para pedir um autógrafo, comentar um livro, dizer o que gostaram ou não”. E também aos autores, que ficam assim a conhecer alguns dos seus leitores.

Mário Zambujal, Rui Zink, Afonso Cruz, Margarida Fonseca Santos, David Machado, Nuno Júdice, Ana Meireles, Patrícia Portela, Adelino Gomes, Alfredo Cunha são alguns dos autores que vão passar pela Lourinhã e que serão recebidos sobretudo no Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira, mas também nas novas instalações da biblioteca municipal e no auditório da Associação Musical e Artística Lourinhanense.

Além de “promover a descentralização cultural”, o festival quer “integrar os jovens nestes circuitos, onde podem desfrutar de várias expressões artísticas: música, teatro, cinema, expressão plástica”. Do programa, fazem parte concertos, exposições, dramatizações de obras, projecção de curtas-metragens, workshops e até um desfile de moda.

Porquê na Lourinhã? “Porque é suficientemente perto de Lisboa para atrair gente ligada à cultura e suficientemente longe para que ali faça falta dinamizar essa mesma cultura. Na Lourinhã, não há uma livraria ou um lugar onde se possa comprar um CD. Não há um teatro nem projecção regular de cinema”, diz o jornalista, que foi durante oito anos director da revista Os Meus Livros. E prossegue: “Nós, em Lisboa, nem temos noção da sorte que temos. Podemos escolher entre múltiplas actividades culturais.”

Mas não deixa de convidar os lisboetas: “Em 40 minutos, chegam a uma bela paisagem e encontram boa gastronomia.” Cultura também, pelo menos até domingo.

Programação aqui.

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