
Na altura, centrámo-nos no primeiro dia de aulas das crianças do 1.º ano do 1.º ciclo. Por isso, o título escolhido foi: Chegou a escola a sério. (Felizmente que na altura ainda não tinha aparecido a irritante expressão “à séria”. Mas Letra pequena online está certa de que não a usaria.)
O texto é um pouco longo, mas o leitor/visitante não tem de o ler todo (na verdade, nem tem de o ler…). A ilustração que o acompanhava era a que aqui se reproduz, assinada por Cristina Sampaio. Oito anos mais tarde, fomos buscá-la aqui.
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Chegou a escola a sério
Texto Rita Pimenta Ilustração Cristina Sampaio
Num ápice, o miúdo alcançou a idade de entrar na escola a sério. “Parece mentira!”, sentem os adultos que o acompanham. Mas é verdade. É tempo de ingressar no 1.º ciclo do ensino básico – a “escola primária”, como quase todos ainda lhe chamamos. Acalme-se e não esgote a sua preocupação apenas no primeiro dia. Vai fazer falta ao longo do ano. Melhor, dos próximos anos.
O primeiro dia de aulas de uma turma do 1.º ciclo do ensino básico (a escola primária) é único e inconfundível. Junta-se os pais e os miúdos na sala, as crianças ocupam os lugares que quiserem, mas raramente são as posições definitivas. É que os adultos estão por ali e acabam sempre por “sugerir” onde eles se devem sentar.
“Nesse dia, os pais estão nervosíssimos e os miúdos ansiosos por abrir as mochilas novas, tirar os cadernos, os lápis, as borrachas e começar a utilizar tudo”, conta Aida Graça, professora deste nível de ensino, a leccionar na Escola N.º1 de Palmela.
São mais os adultos a chorar (ou à beira de o fazer) do que os miúdos. Se uns não sabem onde pôr as mãos, outros massacram as crianças com mil conselhos e indicações. Ouvem-se risos nervosos e avisos de última hora.
São mais os adultos a chorar (ou à beira de o fazer) do que os miúdos. Se uns não sabem onde pôr as mãos, outros massacram as crianças com mil conselhos e indicações. Ouvem-se risos nervosos e avisos de última hora.
Se é legítima e até desejável a preocupação dos adultos neste momento da vida das crianças, conveniente seria não a esgotar por agora. É que ao longo do ano os miúdos vão precisar de ser ajudados em casa e há que ir às reuniões com o docente para acompanhar as dificuldades e faculdades da criança. Torna-se comum, depois de uma grande ansiedade inicial, os pais “descansarem” sobre o assunto.
Muitas perguntas são feitas no primeiro contacto com a professora, o que é natural, mas não convém prolongar o tempo de permanência dos pais neste contexto, não só porque as crianças ficam aborrecidas com a conversa, como têm tendência para se comportar pior na presença deles.
Aida Graça sugere que os familiares dos miúdos reservem todas as dúvidas e apreensões para os encontros destinados exclusivamente aos pais. As questões de ordem prática (calendário, horário, material, etc.) podem perfeitamente ser esclarecidas nas reuniões em grupo. Já os problemas de ordem pessoal ou familiar devem ser preferencialmente tratados no espaço reservado para o contacto privado com cada família.
Aida Graça sugere que os familiares dos miúdos reservem todas as dúvidas e apreensões para os encontros destinados exclusivamente aos pais. As questões de ordem prática (calendário, horário, material, etc.) podem perfeitamente ser esclarecidas nas reuniões em grupo. Já os problemas de ordem pessoal ou familiar devem ser preferencialmente tratados no espaço reservado para o contacto privado com cada família.
Dar a conhecer ao grande grupo as particularidades de um agregado não é aconselhável, embora por vezes os pais não o consigam evitar. Nesses casos, há sempre o risco de se criarem referências negativas por parte das outras famílias e é natural que essa informação acabe por chegar aos miúdos, podendo condicionar/prejudicar a relação entre os alunos.
É fundamental os pais visitarem a escola amiúde e encontrarem-se regularmente com os professores. E, para esses encontros, Aida Graça apela à sinceridade dos adultos: “Há uma tendência para os pais pensarem que estamos a exagerar quando lhes falamos dos filhos — para o bem e para o mal. Se dizemos que qualquer coisa correu mal, pensam que não foi bem assim. Se contamos como tudo correu lindamente, desconfiam que gostamos demasiado dos seus filhos (ou porque têm olhos verdes ou um cabelo muito bonito…). Por vezes, torna-se difícil comunicar.”
Como vê, o melhor é ser verdadeiro e acreditar na sinceridade dos professores. Tudo a bem dos miúdos.
Como vê, o melhor é ser verdadeiro e acreditar na sinceridade dos professores. Tudo a bem dos miúdos.
A professora conta como ela própria fica toda nervosa de cada vez que começam as aulas e como compra material novo, pronto a estrear. E é bom lembrar que também os professores têm família. Neste caso, é Fausto Santos quem “atura” a ansiedade de Aida, que, tal como as crianças, na noite anterior à primeira aula não consegue dormir. Durante uns dias torna-se uma pessoa um “bocadinho difícil”, admite.
O leitor, pela sua parte, deve estar preparado para nos primeiros tempos ver completamente “esborratados” os tais cadernos todos bonitinhos que comprou para o pequeno. Ninguém aprende logo a escrever tudo muito direitinho e limpinho. Se fizer um esforço de memorização, com certeza irá lembrar-se do estado em que ficavam os seus cadernos sempre que apagava as coisas mal feitas. Muitas vezes, de tanto apagar, acabava por fazer um buraco na folha, não é verdade?
Não se irrite com a criança por ela sujar os materiais nem por escrever tudo torto. Encoraje-a antes a fazer as coisas cada vez melhor. E aproveite o mesmo conselho para si.
Nascer no mês errado
Francisca estava ansiosa por ingressar na “escola primária”, mas o calendário traiu-a. Como as aulas começavam em Setembro e ela só completava seis anos no mês de Janeiro de 2000, teve de esperar pelo ano lectivo seguinte. Ver partir os amiguinhos e permanecer na pré-primária foi difícil para esta menina, que tem agora sete anos.
Francisca Arbués Moreira explica como estava nervosa quando, finalmente, chegou o primeiro dia de escola a sério. “Tinha medo que me perguntassem coisas e eu não soubesse nada. Estava muito nervosa”, conta, entre dois mergulhos, algures numa piscina perto da Lousã. “Depois, já não tive medo. Acho é que aprendi poucas coisas. Foi muito pouco tempo de escola, eu queria mais. Tu não?”
Orgulhosa por ter transitado para o ano seguinte, deseja avidamente o reinício das aulas: “Este ano é que vai ser difícil, vou aprender muito mais.”
Paula Arbués Moreira, mãe de Francisca, atribui esta ideia de facilidade do primeiro ano ao facto de a miúda ter vivido uma longa espera pela entrada na escola e, por conseguinte, ter criado uma expectativa imensa. “Como teve muito tempo para imaginar o que se iria passar, concebeu um nível de exigência que não correspondia ao verdadeiro.”
Paula Arbués Moreira, mãe de Francisca, atribui esta ideia de facilidade do primeiro ano ao facto de a miúda ter vivido uma longa espera pela entrada na escola e, por conseguinte, ter criado uma expectativa imensa. “Como teve muito tempo para imaginar o que se iria passar, concebeu um nível de exigência que não correspondia ao verdadeiro.”
A frequentar a Escola Básica N.º3 de Carcavelos (localmente conhecida como “Escola da Cartaxeira”), a menina parece já ter ultrapassado aquela tristeza de quem foi obrigada a “ficar para trás”. Quer a família quer a professora contribuíram a que assim fosse.
Ao trigésimo quarto mergulho, quando os adultos já tinham desistido e até o sol pedia descanso, ninguém ousaria duvidar da sua determinação e valentia. Boa sorte, Francisca!
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Pública, 09-09-2001
Pública, 09-09-2001