Durante algum tempo, a revista Pública (que era editada por João Carlos Silva) tinha uma secção designada Miúdos, que era sempre ilustrada por Cristina Sampaio. O texto que se segue saiu a 6 de Maio de 2001, a propósito do Dia da Mãe. Fomos descobri-lo no baú e tivemos vontade de o divulgar aqui. (Espera-se que a ilustradora não se zangue desta reprodução a partir da própria revista. É que Letra pequena online gosta tanto de papel antigo e amarrotado…).
Na altura, escreveu-se assim:
“
As mães fazem imensas asneiras, os filhos também. Ninguém disse que ter filhos era fácil. Melhor ou pior, chega-se a adulto, mas não sem antes esgotar e desesperar aquela de que hoje se assinala o dia. Agradeça portanto à sua mãe e peça-lhe desculpa pelo adolescente impossível que certamente foi.
Texto Rita Pimenta Ilustração Cristina Sampaio
Nos primeiros tempos de vida, a mãe é tudo. A dependência das crianças é tal que as mães se sentem até um pouco assustadas. Com o tempo, começam a descontrair-se face a esta situação e descobrem mesmo que adoram ter alguém que precise delas tão intensamente.
Mas a relação mãe-filho não é sempre assim. Os miúdos vão crescendo e chegados à adolescência modificam o comportamento relativamente à mãe. E a tudo. É preciso ter presente que nesta fase as crianças estão a deixar de o ser, pelo que tendem a “eliminar” os pais enquanto pessoas susceptíveis de as fixar num estádio infantil.
Do lado das mães, há normalmente uma íntima vontade de salvaguardar uma parte da dependência característica da infância, por isso é comum ouvir-se às mais velhas, quando em presença de bebés, comentários do tipo: “Eles deviam era ficar sempre assim. Depois já não querem saber de nós!”
O que se percebe. Afinal, foi a mãe que acordou vezes sem conta durante a noite, andou dezenas de horas debaixo do sofá à procura de peças e brinquedos, se fartou de roer as côdeas que sobraram do pão, cantou inúmeras canções e inventou infinitas histórias. Foi quem se preocupou com as vitaminas e a aprendizagem, quem se afligiu com a primeira ida à discoteca e desesperou pela sua chegada são e salvo. E muito mais.
Compreende-se portanto que espere uma espécie de retorno a esta entrega. Mas não pense o leitor que se está aqui a fazer a apologia do sacrifício das mães pelos filhos — com factura a cobrar posteriormente — nem a chamar-lhes ingratos. Apenas se quer alertar as mães de miúdos pequenos que é inevitável a mudança na relação entre ambos durante a adolescência.
É natural que nem todas as mães se sintam prontas a assumir o difícil papel de levar o adolescente a separar-se delas, mas podem estar certas de que, embora nesse período vivam uma espécie de amor não correspondido, serão acarinhadas mais adiante.
A adolescência custa a passar, mas acaba. E o resultado será um adulto capaz de voltar a adorá-la. Sem excessos, claro. Afinal, todos conhecemos “meninos da mamã” e deles temos uma opinião pouco simpática. Já para não mencionar o drama que é “a melhor mãe do mundo” ser a nossa sogra.
O Dicionário de Psicologia do Adolescente (Verbo, 1981) explica que deste período da vida faz parte a tomada de consciência de si mesmo e dos outros, tornando-se o adolescente num observador lúcido e implacável. Mas, se não exige aos pais a perfeição, que começa a saber ilusória, reclama, isso sim, uma assunção leal de si mesmos, o que, por tabela, o ajudará a aceitar-se a si próprio.
Nesta altura, “os pais, ansiosos devido ao risco de serem rejeitados, tentam dar de si mesmos uma imagem tranquilizadora e sedutora” (p. 359).
Jacqueline Hubert esclarece, naquele dicionário, que “é somente quando a revolta é possível, quando ela se abre e desdobra, que todas as estruturas do passado são varridas, ao passo que permanecem a segurança afectiva e a força do eu, os dois verdadeiros tesouros que devem constituir a herança recebida dos pais”.
É bom que se vá preparando e mentalizando para as crises que hão-de vir. E, já agora, se nunca agradeceu à sua mãe a paciência para aturar os seus caprichos nem lhe pediu desculpa pelo que a “massacrou” na adolescência, aproveite para o fazer ainda hoje.
Viva a mamã!
“Gosto de ti até às estrelas”
Há muitas formas de pais e filhos assinalarem este dia e mimarem a mamã. Há frases dos miúdos que derretem completamente o coração. Como a do Artur, de três anos: “Gosto de ti até às estrelas.” Ou a do Tiago, que aos quatro anos descobriu o género feminino para a palavra “amor”: “És uma ‘amora’, mãe.” E o Ricardo, de seis anos: “Tu és a minha namorada. Mas isso é um grande segredo.”
Por isso, papás, ponham os miúdos a pensar e deixem-se de estafados lugares-comuns do tipo “mãe é mãe”, “mãe há só uma”, “com três letrinhas apenas se escreve a palavra mãe…”, “quem tem uma mãe tem tudo…”, etc.
Se por acaso resolverem dar-lhe flores, livrem-se de comprar daquelas “pré-fabricadas”, já com cartão e tudo. Sigam a proposta da Pública e façam uma flor ou então desafiem a mãe para um passeio no campo e ofereçam-lhe flores silvestres.
No regresso, preparem juntos o jantar e arrumem a cozinha.
”