“Eu sei lá para quem é que escrevo!”

Palavras de Manuel António Pina, na abertura da XVIII Conferência de Literatura Infantil da Gulbenkian, que ontem se iniciou e já hoje termina. Isto porque o tema que ali se discutia era o de literatura “para” crianças.

O autor lembrou a etimologia da palavra “cryamça”, com o significado de “ser humano”, mostrou-se convencido de que a “literatura transforma” e falou na leitura como “educação para a liberdade, não no sentido político, mas de identidade”.
Contou, com a sua graça discreta e humor contido, como foi chamado à PIDE, em Dezembro de 1973, por ter “desrespeitado a religião católica”. Tinha escrito o livro O Menino Jesus não Quer Ser Deus.
Disse ainda que à entrada de qualquer livro há um pressuposto dirigido ao leitor: “Para aqui entrares, tens de fazer de conta que acreditas.”

Se Manuel António Pina não sabe para quem escreve, Letra pequena online sabe. Escreve para todos.

Na sessão inaugural, o ministro da Cultura, Pinto Ribeiro — antes de partir para Vila do Conde (onde iria destacar o papel da requalificação patrimonial como factor de qualificação das pessoas) —, tinha afirmado acreditar que “ler é essencial na construção da identidade e liberdade” e que através da leitura se aprende “a lidar com os problemas do mundo”, sejam a morte, o ciúme ou “um pai furioso”.
Sugeriu a todos os presentes que lessem com e para as crianças sem esconderem os problemas reais que têm. Porque, disse, “o que é constitutivo da vida é ser problemático — individual e colectivamente”.

“As palavras belas de outrora continuam belas agora”, disse-o Manuela Júdice, ao encerrar a sua comunicação de ontem, durante o painel Palavras de outrora, agora. Porque, para a autora de O Meu Primeiro Fernando Pessoa: “Adaptações de clássicos, nunca!”
E perguntou se alguém alguma vez repintou um quadro (obra de arte) para o tornar mais acessível ou recompôs uma partitura (de música clássica) com o mesmo objectivo.

Momentos antes, Alice Vieira, com a vivacidade que lhe é própria, tinha contado alguns episódios vividos nas escolas que visita. “Já fui várias vezes acusada de usar palavras antigas.” São elas: “lusco-fusco”, “ilharga”, “enjeitado”. Gargalhada no auditório.
E questionou depois: “O que é uma palavra antiga? É uma palavra que já não presta?
Mais adiante viria a concluir que “não se lê porque não se fala”. Deu o exemplo de uma família reunida em casa: “Um fica em frente à televisão, outro vai para o computador, outro envia mensagens no telemóvel.” Conclusão: “É só vidro.”
No início deste painel, Ana Paula Guimarães — directora do Instituto de Estudos de Língua Tradicional (FCSH, Universidade de Lisboa), a quem coube fazer o enquadramento — trouxera definições de texto, enquanto tecido, e o próprio tecido. Os tradicionais lenços minhotos, bordados com mensagens de amor, quase sempre com erros ortográficos. (Não o da imagem que aqui se traz, mas outro semelhante.)
E a certa altura citou a frase de D. Francisco Manuel de Melo: “O melhor livro é a almofada e o bastidor.”

A fechar o dia, vieram as comunicações da escritora Luísa Ducla Soares e do ilustrador Bernardo Carvalho. Antes, as suas actividades seriam enquadradas por Sara Reis da Silva (Universidade do Minho).
O tema do painel era o humor, embora a sua designação fosse Palavras trocadas.
Se houvesse avaliação do debate (como se faz em política), o ilustrador teria ganho. Isto porque foi o momento em que a comunicação entre orador e público aconteceu sem esforço da assistência. E houve humor. Como se esperava.

Parabéns à actriz Cristina Paiva, que, entre cada painel e com registos muito diferentes de actuação, conquistou imediatamente toda a audiência para os temas que introduzia. Uma versatilidade de interpretação que merece ser registada.

Um comentário a

Deixar um comentário

O seu email nunca será publicado ou partilhado.Os campos obrigatórios estão assinalados *

Podes usar estas tags e atributos de HTML:
<a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>