Saïdia além da praia: da gruta do Camelo a Tafoughalt

andreiat

A primeira paragem é mesmo em Saïdia: a cidade, pequena, num canto encostado à Algéria, a estância balnear onde os hotéis tudo incluído não páram de aparecer (por exemplo, o Meliá Garden acabou de abrir e o Meliá Beach chega em Julho) e os aldeamentos turísticos são abundantes, e uma reserva natural, área protegida, bem ao lado dos hotéis. É aqui que paramos para mostrar que sem sair de Saïdia se pode “fazer uma escapada na natureza”. O turismo de massas fica para trás (por estes dias ainda não é bem de massas: em duas semanas começará a época alta, com o final do Ramadão e do ano escolar) e o edifício do futuro Centro Ambiental ergue-se, em madeira, à espera de interior (espaço interactivo, vocacionado para crianças). Estamos numa área protegida de três mil hectares, o mar para um lado, a zona húmida para o outro. Pelo meio, caminhos, trilhos pedestres e equestres, torres de observação de aves – “Entre Novembro e Janeiro está cheio de flamingos rosa a caminho de ‘África’, fazem reserva”, brinca Mohammed. “Agora também há alguns, mais sedentários, mas só se vêem bem cedo.” Não é “bem” cedo, ficamo-nos, portanto, pelos patos, alfaiates e gaivotas prateadas, entre 600 espécies de flora diferentes e um passeio até à foz do rio Moulouya que pode durar “entre meia e uma hora” (já me habituei ao relativismo marroquino).

Se seguíssemos a estrada costeira iríamos até Tânger, mas o desvio é para o interior. A região é agrícola. Há burros na estrada, apanha de batatas, campos com feno já em fardos; há sobretudo laranjas e clementinas – e há também um grande centro de transformação agro-alimentar, onde tanto se faz queijo Gouda, por exemplo, ou se extrai a sacarina das beterrabas para fazer açúcar. Passamos Madagh, pequena cidade rural e grande centro sufista, e paramos em Berkane, “cidade pequena”, de 150 mil habitantes. É o grande centro desta região, e a capital marroquina dos citrinos: o laranja é a cor predominante, seja nos táxis, seja nos autocarros, edifícios – e o símbolo da cidade é uma laranja de metal colocada numa rotunda. A avenida principal “está cheia de bancos onde os agricultores depositam o dinheiro”, as esplanadas estão cheias ainda que ninguém consuma (estamos no Ramadão) e se aqui paramos é apenas pelas cegonhas, espécie que “a cidade protege”. Os ninhos são presenças quase fantasmagóricas nos ramos das árvores de escassa folhagem e no topo do minarete no que parece ser a praça principal de Berkane.

Cidade para trás, Vale do Zegzel para diante. Se antes tínhamos laranjeiras a rodear-nos, agora são as nespereiras, em final de época. “Três quartos da produção nacional vem daqui”, sublinha Mohammed, que está em casa. É nado e criado na zona, embora agora viva em Oujda, depois de passagens por Paris e Genebra, onde estudou, e não esconde o orgulho que é poder mostrar a sua região. Aqui as montanhas têm cor laranja e as paredes são propícias a escaladas, os vales cobrem-se de nespereiras e no meio erguem-se minaretes e vêem-se algumas casas; à beira do caminho são figueiras da Índia (cactos de onde aqui se extrai um óleo essencial “muito caro” usado na cosmética)) que nos acompanham em troços. Há alguns canaviais, ainda que o rio ou esteja subterrâneo ou canalizado em levadas de cimento: é todo um conjunto onde a flora endógena se mescla com a agricultura disposta em socalcos (além das nespereiras, espreitam oliveiras, amendoeiras, romãzeiras).

Os montes Beni Snassen erguem-se excentricamente à nossa volta mas nenhuma forma é mais caprichosa, ainda que tosca, do que a da Gruta do Camelo. Tem esse nome pela forma exterior, o cume de um monte onde se distinguem as formas da bossa. A Gruta do Camelo foi descoberta durante o Protectorado Francês (1912-1956) e esteve fechada durante mais de 30 anos devido a conflitos locais entre várias agências governamentais e regionais. O consenso chegou e a gruta está preparada para receber visitantes: a longa escadaria exterior e as várias interiores, iluminação, música, controlo de temperatura e humidade. Só falta mesmo concessionar a exploração destas, portanto, o visitante que as quiser visitar tem de descobrir Hamdaoui, o “guardião da gruta”, um ancião de idade indeterminada e sorriso bondoso que guarda as chaves, e pagar 20 dirhams (dois euros). Quem é praticante de espeleologia tem uma brochura especial com um circuito distinto; quem vem, como eu, de chinelos, não tem qualquer dificuldade em circular, balizado que está o percurso por escadas. A maior parte da gruta calcária abre-se em grandes salões, onde estalactites e estalagmites desenham formas por vezes deslumbrantes e se vêem afloramentos de rosa de calcário, que brilham como cristais, ou de “mosaicos” naturais. No futuro, prevêem-se fazer, numa das “salas”, concertos, de música marroquina e europeia, com fins humanitários – a Orquestra Sinfónica de Viena já disse “porque não?” – e a prática de ioga também não está posta de parte.

Na pequena aldeia de Zegzel (120 habitantes), almoçamos em casa de família – por acaso na do “guardião da gruta”; há outras famílias que abrem a porta a forasteiros. No pátio da casa, à sombra de enorme nespereira, já despida de frutos, três mesas esperam as saladas generosas e as tajines de cordeiro que acabam de cozinhar diante de nós – para sobremesa há fruta, incluindo as “últimas nêsperas da temporada”.

Pelos vistos ainda há muitas nêsperas da temporada. De volta à estrada, paramos junto de dois rapazitos com baldes delas. Mohammed vai comprar, é o rapaz mais novo, franzino, quem negoceia. “Pediu-me 10 dirhams, se tivesse pedido 20 daria. Não ia regatear. Ajudar os mais pobres é um dos pilares do Islão, sobretudo no Ramadão”, explica. Vamos a caminho de Tafoughalt, aldeia de montanha que surpreende pelo colorido do casario. A vegetação vai-se adensando à medida que subimos: deixamos os ocres para trás e somos envolvidos por verdes. Não visitamos a Gruta dos Pombos, mas Mohammed explica-nos a sua importância arqueológica – tanta que se prepara uma candidatura a Património Mundial da UNESCO. Os trabalhos vão continuando à medida da disponibilidade financeira para as escavações, mas já foram encontrados vários esqueletos do Neolítico Superior, o Homem de Tagoughalt, que estão no Museu do Homem em Paris. Aqui, diz Mohammed, encontraram-se ferramentas de sílex e provas da realização da primeira trepanação; também se encontraram provas de um protótipo de beleza feminina pouco usual aos olhos de hoje: a retirada dos dois dentes da frente.

Em Tafoughalt não temos muito tempo, o suficiente para percorrer o pequeno mercado, cheio de sacos de especiarias mais ou menos reconhecíveis, ervas aromáticas, cereais, laranjas selvagens muito perfumadas, bancas de frutos secos, algum artesanato e mel. Esta é, aliás, uma região conhecida pelo mel e é costume as estradas estarem ladeadas de vendedores – como é Ramadão, tal não acontece. Eu comprei mel, depois de o provar – é quase impossível recusar provar algo, provei coisas de que não me recordo o nome, apenas fixei a alfarroba; e ouvi loas ao óleo de aragan. Esta é uma zona muito procurada ao fim-de-semana, quando os restaurantes se enchem de gente que vem pelas tajines. E se não há muito alojamento – três ou quatro turismos de habitação – já se vê o anúncio da construção de um resort de montanha à entrada da aldeia.

O regresso a Saïdia faz-se pelo outro lado da montanha. Numa hora estaríamos novamente à beira-mar, não fora o desvio para o centro equestre Club Yassmin, no meio de pomares de laranjeiras onde se fazem os passeios a cavalo – não tivemos direito porque não havia funcionários suficientes.

A última noite em Saïdia tem cheirinho a Marrocos – no buffett e na animação. Ouvimos pela primeira vez a reggada, o estilo de música típico de Berkane. E foi bonita a festa.

A Fugas viaja a convite do Turismo de Marrocos em colaboração com a Solférias e os hotéis Be Live

 

 

 

 

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