Em Eticoga, as palavras não servem para nada

Deixamos Bubaque para trás e embarcamos em direcção a Orango, outra ilha do arquipélago dos Bijagós que apontamos no currículo. Já passa das 17h. Tinham-nos avisado que a travessia marítima seria tão mais difícil quanto mais nos aproximássemos do final da tarde – e não nos enganaram. Grande parte da viagem é feita com água a bater-nos na cara, na cabeça, nas pernas, em todos os centímetros de pele. Aportamos já a noite está a cair, encharcados até aos ossos, e pouco vemos do Orango Parque Hotel, o único da ilha, inserido no Parque Nacional de Orango, criado em 1998. Só queremos um banho quente.

Na verdade, o que há para ver não é aqui, em Ponta Anabaca, onde está este hotel simples, dedicado ao ecoturismo numa das ilhas com maior biodiversidade da Guiné-Bissau. O muito que há para ver em Orango está aqui à volta: é famosa a sua colónia de hipopótamos, mas não os encontramos porque, agora que se aproxima a época das chuvas, migram para zonas mais favoráveis. Também há tartarugas marinhas e manatins  africanos.

E depois há a tabanca Eticoga, onde temos uma das experiências mais intensas desta nossa viagem pelos Bijagós. Para lá chegarmos, seguimos Teófilo da Silva, guia do Parque Nacional de Orango e membro desta comunidade onde vivem umas 2000 pessoas. Temos que andar três quilómetros por um caminho de areia paralelo ao mar, debaixo de calor intenso – e ainda são dez da manhã. Mesmo assim, a caminhada faz-se sem sobressaltos e em pouco mais de meia hora estamos a entrar na tabanca, onde rapidamente somos recebidos por bandos de crianças sorridentes. Antes, porém, cumprimos o cerimonial que se impõe. Esta é a tabanca onde viveu Okinca Pampa, a rainha dos bijagós, e temos que pedir-lhe autorização para entrar. É um ritual breve, interior, que cada um cumpre para si. Em Roma, sê romano.

Okinca Pampa morreu em 1930 mas a sua presença continua muito viva em Eticoga. Logo à entrada, deparamo-nos com o Jardim Infantil Netos Pampa, onde os miúdos que aqui vivem aprendem que “a escola é orientada pela professora”, “a escola é a higiene”, a “escola é ser alguém na vida”. É também em Eticoga que está o túmulo da rainha, um lugar sagradíssimo para os bijagós, que visitamos na companhia do régulo da tabanca, Augusto Fernandes Pereira, 92 anos apoiados numa vara comprida e pontiaguda.

É difícil não cair no cliché quando se fala de lugares como Eticoga. E não há outra forma de dizer isto: esta é uma comunidade pobre. As casas de adobe e cobertas de palha falam por si e é por caminhos de terra batida e areia que nos movimentamos por toda a tabanca, entre baldes abandonados e porcos à solta. Agora sim, o cliché: a grande riqueza de Eticoga são as pessoas. Nem sempre a comunicação é fácil, vale-nos que temos Teófilo connosco e ele vai traduzindo o que é verdadeiramente indispensável. Tudo o resto não precisa de tradução: quando Graça, Sandra, Vânia, Ianisi ou Zidan nos dão a mão e nos guiam pela aldeia; quando pedem que lhes peguemos ao colo; quando põem uma branca num círculo e lhe afagam o cabelo com mãos pequeninas; quando nos acompanham até à saída da tabanca e ficam a acenar-nos quase a perder de vista, temos a certeza que as palavras, às vezes, não servem para nada.

Sandra Silva Costa (texto) e Paulo Pimenta (fotos) viajam a convite da TAP e do Ministério do Turismo da Guiné-Bissau

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