Ninguém fale em betão a Adelino da Costa, ele é todo da natureza

Acorda-se cedo, não com as galinhas mas com toda outra sorte de bichos que não sabemos identificar. Ainda não são sete e meia e já andamos pela praia de Ponta Anchaca, a tirar a temperatura da água, um imenso espelho que só não brilha porque o sol ainda não se apresenta em todo o seu esplendor.

Preparamo-nos para cair no mar quando nos deparamos com eles: seis ou sete mulheres (e um menino, não mais de quatro anos, a brincar em roda delas) arrastam molhos de palha que vão usar para os telhados dos “bungalows”. Vivem na ilha em frente, Bubaque, e vêm a Rubane, onde ainda estamos, cultivar arroz, quando é época (de Maio a Novembro), ou então fazer trabalhos para o hotel. Foi essa a condição que Solange Morin viu estabelecida quando abriu o seu lodge.

“Reconstruí 19 casas na ilha em frente e já formei 42 jovens de Bubaque que trabalham ou trabalharam no hotel”, explica a francesa de 54 anos, que há dez vendeu os dois hotéis que tinha no Senegal para se mudar de armas, bagagens e coração para Ponta Anchaca e dedicar-se ao ecoturismo. “Estava farta de hotéis de betão.”

Ninguém fale em betão a Adelino da Costa. Ele é todo da natureza. Guineense da ilha de Jeta, no Noroeste do país, passou parte da infância e a adolescência em Portugal, no Bairro das Marianas, em Carcavelos, um lugar que o “formou para a vida”. Tem uma história longa e inspiradora, e dela daremos conta mais tarde, mas para o que aqui nos traz basta-nos uma versão abreviada. Enquanto manjaco, uma das muitas etnias da Guiné Bissau,  Adelino, “Da Costa” para os amigos, sempre teve na luta uma parte da sua identidade. “Os manjacos estão sempre a lutar, é cultural”, explica. Em Portugal, praticou karaté,  kick boxing, muay thai. “E depois percebi que queria ser campeão do mundo e tive que mudar de vida.”

Foi para os Estados Unidos, para o Harlem, onde começou “por lavar pratos num restaurante”. Trabalhava madrugada dentro e acordava “às seis da manhã” para ir treinar boxe. Chegou aos quartos de final no apuramento para os Jogos Olímpicos de 2004. “Perdi e ainda me dói”, recorda. Mas foi essa derrota que o impulsionou para o desafio seguinte: abriu um ginásio em Nova Iorque,  depois outro, e outro – e agora são cinco. E mais dois em Bissau.

No ano passado, abriu o Dakosta Beach Camping, em Bubaque. É um projecto de turismo ecológico composto por “bungalows” e tendas de “glamping” viradas para a praia de Bruce, esta mesma onde estamos agora, em mergulhos que têm tanto de rápidos como de retemperadores  – não esquecer que estamos na Guiné Bissau, o calor aperta de manhã à  noite.

Mas não é só de resorts para bolsas afortunadas que se faz a intervenção de Da Costa em Bubaque. Só para dar um exemplo: é ele o responsável pelo “bloco operatório” que se está a erguer na ilha e que “talvez no próximo ano” já esteja a postos para dar assistência aos cerca de 30 mil bijagós que vivem nesta ilha. “Não podemos estar à espera dos outros para fazermos coisas boas pelas pessoas”, justifica Adelino.

Pessoas como as que vivem na tabanca de Bruce,  por exemplo, onde entramos em passo de corrida e somos recebidos de braços e sorrisos abertos. Já tínhamos dito que esta é a língua franca da Guiné Bissau, lembram-se?

Sandra Silva Costa (texto) e Paulo Pimenta (fotos) viajam a convite da TAP e do Ministério do Turismo da Guiné Bissau

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