Dezenas de delgados springböckes param-nos numa longa estrada de gravilha. De tão elegantes, quase dão a ideia que posam para mais uma fotografia, mais um elogio. “Parecem de veludo”, alguém murmura, tal é o lustro do pêlo. De repente, ainda estamos nós a digerir tamanho espectáculo, chega do rádio do jipe uma voz roufenha que, entre códigos, anuncia um acontecimento: foi avistada uma chita, o que não é algo que se ouça a toda a hora. Só há uma coisa a fazer. Prego a fundo, ou o que for possível neste todo-o-terreno bamboleante.
Para trás os springböckes, para a frente pó, velocidade, a promessa de uma visão. E, ao volante, o guia Daniel Anton entusiasma-se com o entusiasmo que transporta. Dois ou três carros estacados indicam que chegamos ao sítio certo; em cinco minutos já serão uns 15, que ali acorreram pela mesma razão (alguns de turistas sem guia que, infelizmente, nem sempre cumprem conselhos como não buzinar). E a sensual chita aqui ao lado, bem pertinho da estrada, a deambular pela vegetação rasteira como se estivesse numa qualquer passerelle africana.
Tivemos sorte, mesmo muita sorte, neste dia de safari no Etosha, o mais popular parque nacional da Namíbia, que, com 22 mil km2 de área, é a gigantesca casa protegida de milhares de animais – leões, leopardos, elefantes e rinocerontes incluídos.
Pouco depois, seríamos brindados com uma daquelas cenas que nos prendiam os olhos juvenis nas manhãs de domingo na televisão. A narração cresce na nossa cabeça: uma leoa, um gnu, uma perseguição serena, paciente, demorada. Não sabemos se consumada ou não – o ataque, a ter acontecido, já saiu do nosso campo de visão. Mas ali estivemos nós, no topo de um jipe, tal como mais umas centenas de cabecinhas caucasianas, todas empoleiradinhas a ver, e a aprender, a origem do mundo.
“A natureza é paciente. É também o truque nos safaris. Temos de ser pacientes.” Enquanto fala, Daniel percorre as bermas com olhar de lince. Tem 29 anos, quase 30, e um terço passou-os ao volante de um carro enquanto guia da Etosha Game Viewers. Para ele, que faz isto todos os dias, que já presenciou milhares de momentos BBC Vida Selvagem, cada viagem é como um “jogo”, uma espécie de “caçada de imagens e experiências”. A pergunta é “o que será que a natureza me vai dar hoje para eu mostrar aos visitantes?”
Hoje, em Namutoni, já se viu um rinoceronte, ainda para mais branco, mas não se encontraram elefantes. Estamos no fim das chuvas na Namíbia e os paquidermes tendem a resguardar-se mais, precisamente porque não precisam de procurar água. E ainda hoje choveu. Do rádio vão surgindo perguntas: “Number 3, number 3? And number 2?” A cada animal corresponde um número, o top 5 dos safaris africanos. São eles universalmente o rinoceronte, o leão, o elefante, o búfalo e o leopardo, embora aqui no Etosha a regra tenha sido adaptada: como não há búfalos, a chita ocupa o lugar.
Daniel percorre a área onde os elefantes costumam estar e não há sinal deles. Ali ao redor do desértico Etosha Pan uma família de raposas-orelha-de-morcego dá um ar da sua graça, uma águia observa-nos com altivez, pássaros de asas coloridas cruzam a paisagem. Mas ao fim de uma hora nada de elefantes, o animal preferido de Daniel. Porque é “inteligente e bem comportado, a não ser que seja provocado”. Há que “respeitar a natureza e ela vai respeitar-te”.
Passa um carro, desce o vidro e o passageiro abana a cabeça. Nada. “But we try”, diz Daniel. Tentamos e vamos em frente porque nunca se sabe o que pode acontecer. “Cem animais podem ter cruzado a estrada entretanto”, diz ele. Pouco depois, boas notícias. Marcas na estrada denunciam uma passagem. Há pegadas, buracos, dejectos, tudo indica que passaram por aqui nas últimas horas. Daniel olha para a esquerda, olha para a direita, ainda nada, mas estamos optimistas. “We try.” É isso.
E eis que, numa descida, olhamos para a esquerda e um grupo de majestosos elefantes surge no nosso horizonte. E não é miragem, que aqui também as há. Mais à frente dois estão mesmo na berma da estrada e acabam por a atravessar a poucos metros do nosso carro que, de repente, pareceu encolher (respeitinho!). Daniel pega no rádio e faz o seu anúncio um par de vezes. Depois estende-me o telemóvel para a mão e pede-me para tirar uma fotografia aos elefantes que estão do meu lado. Vai enviá-la aos outros guias. “Pensam que estou a gozar, não acreditam.”
A Fugas viaja pela Namíbia a convite da Across