É verdade que é um lugar-comum, mas há aqueles aos quais não podemos resistir. A Tailândia vive-se nas ruas, frenéticas em Banguecoque, essa metrópole onde moram mais de seis milhões; sonha-se nas praias de postal ilustrado – e prometemos novidades para breve; mas também se saboreia à mesa. E eis que chegamos ao lugar-comum: a gastronomia tailandesa é um notável festival para os sentidos. Mesmo quem não aprecia os paladares exóticos, perfumados e picantes muitas vezes em igual medida, não consegue ficar indiferente às verdadeiras obras de arte comestíveis que se servem praticamente em qualquer canto e esquina. Seja nas bancas de comida de rua de Khao San Road (isto, claro, se fizermos vista grossa às espetadas de escorpião e só atentarmos nas esculturas de frutas coloridas), numa das salas do Issaya ou do Long Table ou, a cereja no topo do bolo, no requintado Sra Bua by Kiin Kiin.
Instalado no Hotel Kempinski, o Sra Bua é a extensão em Banguecoque do Kiin Kiin, em Copenhaga – e este restaurante na capital dinamarquesa é “o único” tailandês no mundo com direito a uma estrela Michelin, lê-se na sua página online. Obra do restaurateur Lertchai Treetawatchaiwong e do chef Henrik Yde-Andersen, também júri no conhecido programa de televisão Masterchef, o Kiin Kiin abriu em 2006 e ganhou entretanto o reconhecimento dos inspectores do Guia Vermelho.
Em Banguecoque, o Sra Bua estreou-se com a abertura do hotel, em 2010, e em 2014 foi considerado um dos 50 melhores restaurantes da Ásia. O chef do Kiin Kiin instalou o Sra Bua, formou a equipa que trabalha em Banguecoque em Copenhaga e todos os meses de Julho regressa à Tailândia, em busca de inspiração para novas criações e também para garantir os níveis de qualidade no restaurante do Kempinski.
Na primeira noite que passamos em Banguecoque, ainda sob os efeitos de uma diferença de seis horas em relação a Portugal, provámos a que sabe esta comida de base tailandesa vestida de nouvelle cuisine. Não é coisa propriamente barata – 2900 bahts, a que acrescem 10% de taxa de serviço e outros 7% de imposto, o que há-de perfazer uns 90 euros por um menu de degustação de 11 pratos que pode durar três horas –, mas a experiência, podemos garantir, vale cada euro investido.
Tudo começa pela decoração do espaço, com sofisticado ambiente tailandês e dominado por um lago de flores de lótus, que é justamente o que significa o nome do restaurante. A mesa mais cobiçada da sala é a que se abriga por baixo de um trabalhado telhado de madeira de teca, mas todas as outras estão também elegantemente postas para a função.
O jantar está pronto, meninos – e não dizemos isto só para fazer inveja. É que kiin kiin é a fórmula utilizada pelos tailandeses para avisarem as crianças que chegou a hora de comer. Kiin kiin, portanto.
Começamos com uma selecção de appetizers baseados na comida tailandesa de rua mas com twist de chef: uma deliciosa tosta crocante de camarão com um exímio merengue de caju; uma típica salada tailandesa de chili, lima, cebola, alho, coco, amendoim e camarão seco servida num pequeno corneto; snack de galinha com gelado; espetada de porco com salsicha de galinha; tártaro de vieira em flor de lótus, uma criação que impressiona pela sua beleza simples; e cajus crocantes servidos num saco de plástico (de gelatina) comestível.
Já conquistados pelo sabor e pela originalidade das entradas, eis-nos finalmente nos pratos principais. Não vamos cumprir o menu completo, que a esta mesa já há quem peça clemência, ficamos-nos “apenas” por quatro referências. A primeira chega à mesa acompanhada por uma seringa. À estupefacção inicial sobrepõe-se o divertimento: é suposto injectarmos o conteúdo para uma taça onde está um caldo e lá deixarmos cozinhar os nossos próprios noodles. Acompanha com crocantes de camarão.
Nota 10 para o pato com pepino e amendoim, que chega à mesa numa espécie de algodão doce decorado com coentros. Quando lhe derramam um molho por cima, o algodão desfaz-se e deixa à vista o pato embrulhado no pepino. Este é um prato muito fresco e perfumado, e um dos favoritos da noite, a provar que a comida de autor vai muito além dos efeitos cénicos.
Cénico é também o momento em que é servido aquele que é o prato de assinatura do Kiin Kiin (primeira foto deste post): trata-se de um caril vermelho gelado com salada de lagosta, abacate e longana, uma fruta muito usada na gastronomia thai. Tem ainda amendoim e espuma de líchia e é finalizado com uma nuvem de nitrogénio líquido. A intenção é que se misturem todos os elementos e que à medida que se come eles atinjam o blend perfeito. Depois disto, falar do vaso de atum com crumble de cacau pode parecer demasiado simples, mas a verdade é que uma refeição no Sra Bua é isto mesmo: uma conjugação harmoniosa de coisas simples com outras surpreendentes.
Quando achávamos que já não havia estômago para mais, impossível resistir à sobremesa: um levíssimo soufflé, gelado explosivo de laranja (com Peta Zetas) e maracujá. Haveria melhor forma de terminar a noite? Só com noodles de pandan e coco.
Kiin kiin, Banguecoque.
A Fugas viaja a convite da Autoridade de Turismo da Tailândia e da Destination Asia