As voltas do miolo de figueira nas mãos de Helena

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Entramos para a sala de Helena Henriques e, em cima da mesa, está montado o arsenal com que trabalha: navalha, pinça feita de cordas de relógio, riscador, cortadeira, cola líquida de papel. E uma caixa de plástico com uns pequenos rolinhos brancos – miolo de figueira, um material trabalhado por artesãos do Faial mas praticamente desconhecido fora da ilha. Antes de aqui chegarmos, estivemos no Museu da Horta, que tem uma sala dedicada a esta arte e onde se explicam os seus fundamentos e a sua história.Foto de Manuel Roberto

Não se sabe ao certo quando surgiram estes trabalhos, mas depois de 1855 começaram a ter muita divulgação, uma vez que ganharam uma menção honrosa “os artefactos produzidos por Emília Madruga Ferreira, na Exposição Universal de Paris”, lê-se nos painéis informativos do museu. Depois disso, esta tornou-se uma das mais vivas tradições artesanais da Horta, tendo sido o faialense Euclides Silveira da Rosa (1907-1979) o seu grande divulgador. Engenheiro de formação, ao longo de dez anos esculpiu os pequenos rolos de miolo de figueira e transformou-os naquela que é uma colecção única no mundo. No Museu da Horta estão 70 miniaturas, entre barcos, cenas da vida no Brasil, onde Euclides viveu e morreu, moinhos, costumes de Portugal, uma réplica de uma aldeia açoriana.

MRDSF1278Voltamos a casa de Helena Henriques, 50 anos. Conta-nos que aprendeu a manejar “o miolo” em 1986, quando trabalhava no Museu da Horta e lá houve uma acção de formação. “Eu estava a trabalhar, não podia integrar os cursos, mas via as senhoras e depois vinha para casa e punha-me a treinar”, recorda. E explica-nos que o miolo é retirado dos “ramos mais finos das figueiras” – “assim, nestes canudos”. Depois fica a secar durante dois dias e a partir daí pode ser manobrado.

MRDSF1301“Uma figueira inteira dá uma caixinha pequena de miolo”, revela Helena. Ela própria tem uma árvore em casa, mas amigos e vizinhos costumam dar-lhe os ramos que saem da poda. Os ramos apanham-se “entre Novembro e Março”: se não for na altura certa, o miolo, que é muito frágil e muito, muito leve, não tem a consistência certa para ser moldado.

 

MRDSF1322Depois, é só ter imaginação, minúcia e muita paciência. Helena Henriques mostra-nos agora como se faz uma flor. Começa por cortar o pé, um cilindro finíssimo, com uma lâmina de barbear. Vai depois às pétalas, onde ainda vai desenhar as nervuras com o riscador, e entretanto cola-as com a ajuda da pinça, “para não as marcar”. As flores são trabalhos mais simples, mas, dependendo da espécie, “podem demorar quatro horas a fazer”. “Esta é rápida, mas aquelas que tenho ali num quadro demoram muito mais.”

MRDSF1371Se uma flor pode demorar todo este tempo a fazer, o que dizer dos presépios, das casas, do grupo de folclore que já saíram destas mãos? “Eu antes tinha um registo de horas, mas depois deixei-me disso. A Última Ceia que ali tenho demorou-me 296 horas”, conta. Às vezes, Helena pensa em deixar de fazer estes trabalhos, mas depois sente “pena”. “Eu acho isto bonito, tenho pena que desapareça…” A filha de 14 anos de uma amiga já mostrou vontade de aprender, mas “primeiro está a escola”. “Isto ainda demora a aprender”, garante Helena Henriques – e não duvidamos por um segundo.

Helena já vendeu as suas peças, já fez exposições, já ganhou prémios, já deu formação – mas agora manobra o miolo de figueira quase só por prazer. Mas o facto de o Governo Regional dos Açores ter escolhido o seu primeiro presépio, datado de 1993, para a imagem do postal de Natal de 2015 enche-a de orgulho. “Foi dos trabalhos que mais gozo me deu fazer. Já evoluí muito entretanto, mas tenho um carinho especial por esta peça.” Sorri muito e vai buscá-la ao armário.

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Sandra Silva Costa (texto) e Manuel Roberto (fotografia) viajam com o apoio da Direcção Regional de Turismo dos Açores

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