“Além podem ir por um trilho ver aquelas cascatas, as do poço da ribeira do Ferreiro, que é das partes mais bonitas da ilha e que aparece sempre nas fotografias quando se fala da Flores. Temos aqui a Fajãzinha, temos ali a Ribeira Grande, temos naquela primeira plataformazinha, com as suas casinhas de pedra, a aldeia da Cuada, lá está ao fundo a Fajã Grande que, sempre a andar até ao mar, tem logo a zona balnear e as piscinas naturais, e mesmo lá ao fundo, onde está aquela igreja, é a ponta da fajã. Ali umas cascatas muito giras, as do poço do bacalhau, a uns dez minutinhos. Aquele ilhéu é o tal ponto mais ocidental da Europa, o ilhéu de Monchique”.
Estamos parados no miradouro, poucas horas depois de termos aterrado na ilha das Flores. O sol brilha contrariando temporariamente as brumas de que tanto se fala. Já passeámos os olhos por Santa Cruz, a vila que cerca o aeroporto, pela beira-mar, pelos caminhos que nos trouxeram até este ponto, na costa ocidental da ilha. Quem nos aponta as localizações é Sílvio Medina, um dos nossos apoios nesta visita, motorista já com muita experiência em passear turistas. Parados no topo, abre-se em vale lá em baixo, como num abraço verde a terminar no mar, todo este mapeamento que Sílvio vai fazendo apontando o dedo. Seguimos-lhe os traços no ar como se estivesse a desenhar por entre esta overdose de verde e azul. Vemos, sim, como há beleza em tudo isto mas, nesse momento primordial – um momento semelhante ao vivido por si agora, caro leitor, à distância, caso nunca tenha pisado estas terras de que lhe falo – nem conseguimos adivinhar o avassalador quadro vivo que nos irá tomar nos dias seguintes. Para mais, sabendo que esta fértil baía protegida pelas encostas sofreu noutros anos enchentes e derrocadas que a obrigam a contínuo reagir e renascer.
Por aqui haveremos de descer até à Aldeia da Cuada, o nosso primeiro poiso, uma antiga aldeia abandonada que, casa a casa (são já 17), vem sendo recuperada para o turismo por Teotónia e Carlos Silva. Neste terraço de pedra com vista para o mar ficam estas casas de pedra, cada uma com seu espaço de intimidade preservado entre os campos e com interiores recheados tanto de conforto como de pormenores decorativos escolhidos a dedo. Mas sobre elas já saberemos mais daqui a pouco. Para já, queremos escapar-nos para o mar e, da Cuada, fugimos (a passo de caracol) por um túnel vegetal, um caminho deslumbrante protegido por muros de pedra até à estrada, com começo numa casa do Espírito Santo e término numa velha igreja de Santo António. Vamos depois estrada fora, circandámos pelas ruas da Fajã Grande, admirando janelas cercadas de pedra, pombas do espírito santo a decorar fachadas, janelas onde mostram bonecos e cenas que ainda não compreendemos, casas com baldes para o padeiro deixar o pão, cães simpáticos que decidem acompanhar-nos, cabras e ovelhas que parecem pedir-nos mais erva (o Enric tem uma especial aptidão para dar erva aos bichos), até encontrarmos o sr. Francisco que nos aponta na direcção que queremos.
Já junto ao mar, sentámo-nos nas margens de todo este mundo, que pressentimos nas nossas costas, por entre um sol forte e pairando numa nuvem de maresia. Será sítio muito concorrido no Verão mas por hoje estamos sozinhos. E ficamos ali, só a olhar o mar, a passear os olhos pelo casario, pelas encostas, por aquela estranha língua de terra que se ergue à nossa frente com casas e igreja, pelas cataratas, pela praia bordada a calhaus ali ao lado, pelas serras de rochas onde se perfilam piscinas naturais. De vez em quando, mesmo ali à nossa frente, uma onda eleva-se para rebentar e no segundo antes de desfazer-se em espuma desfaz-se também em arco-íris. Um fenómeno simples, dizem-me. Um cliché, poderão apontar-me. Ou – atenção caçadores de arco-íris – “coisa frequente”. “Acontece muito por aqui, mesmo com as cataratas, às vezes olhas e brilha um”, como me dirá o Milton, o nosso especialíssimo anjo da guarda providenciado pelo Turismo dos Açores. A mim o que me interessa é que, logo ao primeiro arco-íris recortado em espuma, se me iluminou um sorriso que nenhum nevoeiro conseguiria apagar até ao final da viagem. Muito pelo contrário. Até neste momento em que vos escrevo, a memória volta a chamar esse sorriso para este check-in nas Flores,
Luís J. Santos (texto) e Enric Vives-Rubio (fotos, excepto a do arco-íris) viajam com o apoio da Direcção Regional de Turismo dos Açores
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“Poço da ribeira do Ferreiro”? eheh, nunca mais se decidem como chamar aquilo. Já foi simplesmente “Poço”, “Poço da Alagoinha”, “Lagoa das Patas”… vai para aí uma guerra
Bom trabalho para os dois!
É verdade sim senhor: já passou por todas essas denominações mas está confirmadíssimo que o nome decisivo e oficial da ex-Lagoa das Patas e ex-Poço da Alagoinha é Poço da Ribeira do Ferreiro. Claro que o nome no caso é apenas um detalhe já que o que importa mesmo é o sítio. Que continua deslumbrante, como veremos já de seguida. E obrigado, Paulo!