Há um crooner curitibano todas as sextas-feiras no Santa Marta Bar, com um fraquinho pelo Elvis e outro pelo Sinatra, espírito eclético que o leva a deambular por Prince ou Amy Winehouse e uma voz rouca e monocórdica abafada permanentemente pela banda: tem seguidoras fervorosas que gritam a cada nova música do alinhamento. Há um fadista português que nos recebe com um “Coimbra” a cappella na Adega Durigan onde o Natal é todos os dias e o “quentão” com pinhão combinação incontornável: está aqui neste cenário de Inverno por convite especial mas é no Brasil que faz sucesso. Há um barão que é omnipresente, ainda que tenha sido executado como traidor e demorado 114 anos a ser reconhecido como herói nacional.
Curitiba não é a cidade-estereótipo do Brasil que os portugueses (e o mundo em geral) se habituaram a consumir – desde logo, tem as quatro estações bem definidas. E nós sentimos os caprichos das previsões meteorológicas: à partida de Portugal tínhamos mínimas de 15 graus, mas chegamos para máximas a rondar esses 15 graus. Dizem-nos que no dia anterior à nossa chegada estava calor. Nós chegamos e temos lareiras acesas. Mas andamos de comboio umas horas (horas porque é um comboio, ou “litorina”, histórico, o Great Brazil Express – painéis de madeira, poltronas de couro e de tecido, mesas redondas e atmosfera de “Crime no Expresso do Oriente” – onde a lentidão é a velocidade máxima; o regresso, de van, leva pouco mais de uma hora) para encontrar calor, no fundo do vale, à beira mar, nas cidades históricas de Morretes e Antonina, onde passamos por praças quase desertas, caminhamos em ruas ladeadas por edifícios coloniais coloridos em busca de sombra. Isto dura umas horas – voltamos a subir o planalto paranaense até 934 onde se ergue Curitiba, para lareiras e vinho quente.
A capital do estado do Paraná foi reconhecida como a mais sustentável da América Latina e os seus 35 parques ajudam a compor essa distinção – alguns estão em antigas pedreiras, mas destas nada resta. No entanto, esta pré-história dos parques faz tanto parte da memória colectiva que até dá nome ao que é considerado o “maior festival de música de Curitiba”, Estação Pedreira, no Parque das Pedreiras, com o qual nos cruzamos mas ao qual não assistimos. Vimos, sim, a exposição “Génesis” de Sebastião Salgado, no Museu Oscar Niemeyer, projecto em duas fases do arquitecto brasileiro, o mais recente o chamado “olho”. Aqui estamos longe do ponto zero da cidade, em pleno centro histórico, edifícios coloniais rodeados dos arranha-céus (dos anos de 1950 e 1960) que compõem o perfil de Curitiba. Por aqui caminha-se sobre calçada portuguesa e pode seguir-se a música que sai de uma das casas para dar de caras com um workshop de tango – aos domingos, porém, todos sabem ao que vão. É a “praia” de Curitiba, uma feira de artesanato que reúne 1500 bancas (com uma espécie de “praça da alimentação” onde o pastel de bacalhau é presença certa) e vai quase até à mesquita da cidade: chocolate quente é a companhia adequada por estes dias.
Andreia Marques Pereira (texto e fotos) viaja no Brasil a convite da Serra Verde Express e da BWTOperadora, em parceria com a TAP