Casas coloniais, skyline e pies descalzos

Cartagena - Foto de Paulo Pimenta
O sol é inclemente em Cartagena das Índias – a humidade também. A mistura é explosiva e, claro, a oferta é condizente: por todo o lado nos oferecem chapéus, de várias formas e feitios, dos de palha aos típicos daqui, aba mais larga e desenhos geométricos; as banquinhas de água e refrigerantes são constantes, algumas também com sumos naturais e fruta laminada. Com uma garrafa de água na mão percorre-se Cartagena – do centro histórico ao Castelo de San Filipe de Barajas (a maior fortificação espanhola na América) e ainda mais um esticão à Popa, mais alto, mais afastado.

Não é uma cidade linear esta que os espanhóis fundaram em 1533. Desde logo pela geografia caprichosa – conselho: analisar bem um mapa antes de se lançar na sua exploração; depois pelos contrastes que oferece. O mais impressionante é o skyline de Boca Grande – visto do mar, visto do alto de la Popa (a única elevação na cidade), visto do cimo das muralhas, tem pouco a ver com a cidade colonial que é Património Mundial da Unesco e que está constantemente na lista dos locais a visitar em todo o mundo. É fácil perceber porquê. Entre as muralhas, Cartagena das Índias é como uma miragem do passado – um passado colonial e tropical que resulta na profusão colorida que é o seu cartão-de-visita.

Há quem busque as ruas onde o colorido é mais abundante, há quem se deixe surpreender pela harmonia dos balcones, em madeira ou cimento, pitorescos ou severos, emoldurados por buganvílias multicolores (um mesmo pé produz cores diferentes, as flores duram um dia caem e ao terceiro voltam) ou recipientes para vasos e floreiras onde cabem até palmeiras, há quem reconheça o contraste entre os edifícios coloniais (uma reminiscência andaluza) e os republicanos (influência francesa do final do século XIX), muitas vezes lado a lado, frente a frente. É quase involuntário andar de cabeça no ar pelas ruas estreitas e empedradas porque sabemos que esse primeiro andar é o andar nobre das casas – os rés-do-chão impressionam pelas portas enormes, de madeira, cravejadas de metal (quanto mais “botões”, maior o estatuto da família). Como muitas das casas nobres do centro histórico estão transformadas em hotéis boutique é possível por vezes avançarmos porta dentro para descobrir os típicos pátios cobertos de vegetação para lá de galerias em arcos.

As igrejas sucedem-se, as praças e pracetas normalmente acompanham-nas. Encontramos concept stores lado a lado com as famosas paleterias (onde se vendem paletas, gelados com água, leite ou creme a acompanhar uma variedade impressionante de sabores tropicais), marcas internacionais ao lado de mercearias, bancos ao lado de cafés típicos, edifícios governamentais ao lado de lojas de artesanato. Vive-se no centro histórico de Cartagena, onde jornais e livros se vendem nas entradas das muralhas e as palenqueras continuam a vender fruta em tabuleiros que levam à cabeça e ganham dinheiro extra com as fotos.

Fora das muralhas seguimos com arquitectura colonial por Getsemani, mais popular, também esta zona pontuada de baluartes, avançamos por Manga, outra ilha (esta é uma cidade insular, com as ilhas assoreadas e agora unidas). Entretanto, subimos à maior fortificação espanhola do Novo Mundo, o Castelo de San Felipe de Barajas, uma obra feita em vários níveis (que a tempos faz lembrar uma pirâmide pré-colombiana) para ajudar a proteger o vice-reino de Nova Granada e que guarda histórias de heroísmo – como a do almirante Blas de Lezo, cuja estátua nos recebe na base do castelo, e que depois de muitas batalhas ao serviço de Espanha, já sem uma perna, um olho, um braço ainda ajudou a defender Cartagena, em 1741, durante um cerco inglês na Guerra da Orelha de Jenkins.

Cartagena - Foto de Paulo Pimenta

É o ponto mais alto de Cartagena das Índias, o Cerro da Popa (o nome é náutico e refere-se a parte de trás de um navio – no caso, de uma galera que os espanhóis imaginaram ver neste acidente geográfico), onde a ordem dos Agostinianos Recoletos construiu um convento sobre um antigo local de culto indígena. Anteriormente, aí adorava-se “Buziriaco”, o “bode Urí”, cuja imagem foi atirada encosta abaixo (por isso também se chama ao local “el salto del cabrón”). Desde então, aqui venera-se a Virgem da Candelária, que é hoje padroeira da cidade – a 2 de Fevereiro a virgem sai em procissão até à cidade, sendo transportada em ombros por grupos de homens que se vão revezando; na subida até ao convento, cruzes na beira da estrada assinalam as estações da Via Sacra. A vista do Cerro da Popa mostra-nos uma cidade diferente da colonial, percorrendo parte da sua linha costeira caprichosa.

O skyline de Boca Grande está lá, mas no mar de edifícios sobressaem os bairros mais pobres que se estendem para norte (até ao aeroporto), casas térreas com ar inacabado. É no meio destes que se distingue um edifício moderno, enorme como que um centro de convenções. Não precisamos de perguntar o que é, os nossos vizinhos de miradouro sabem ao que vão: “Alli está la fundación de Shakira”, apontam. Com este, inaugurado no mês de Fevereiro (com a presença da cantora e do filho), somam-se seis colégios abertos pela Fundación Pies Descalzos. Dará educação gratuita a 1700 crianças e jovens das Lomas del Peyé, esse bairro desolado que agora vemos.

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Andreia Mar­ques Pereira e Paulo Pimenta (fotos) via­jam pela Colôm­bia a con­vite da TAP

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