“Antes era mesmo uma mancha de azul no meio da montanha”, descreve um parceiro de viagem. Agora, com o crescimento da cidade, que se veste de branco nas suas bainhas, os azuis de Chefchaouen já não brilham nas montanhas do Rif. Mas, depois de se chegar à zona mais antiga, não é difícil alguém se sentir engolido por todo aquele azul e pensar que se acaba de trocar um Marrocos europeu por um Marrocos africano.
Sobretudo depois de uma viagem ao longo da qual, tirando a dimensão que a vista alcança (e excepto o cheiro em certas zonas onde o tratamento do lixo continua a ser um problema), sinto ter atravessado planícies alentejanas, serras transmontanas ou mesmo a zona do pinhal das beiras. Não. Não é assim tão estranha a sensação de ainda não se ter saído de casa. Mais que outro continente, o Norte de Marrocos é Mediterrâneo.
A nível de paisagem, Chefchaouen também ainda se inspira naquele mar. Mas as pessoas, talvez habituadas a um turismo sem estação mas pouco em massa, já são diferentes. Os sorrisos abrem-se, as crianças metem conversa animada e os turistas vivenciam a cidade, ocupando as esplanadas dos belíssimos cafés e restaurantes.
Graças a uma certa ignorância de quem é europeu, chega-se a pensar que a causa da diferença talvez assente no facto de aqui haver mais berberes que marroquinos. Depressa o equívoco se desvanece: “Berberes somos todos. Primeiro, somos berberes; só depois, marroquinos”, lembra Mohsin Ngadi, que há 15 anos trocou Imilchil, nas montanhas do Atlas, a 2119m acima do nível do mar, por Chefchaouen, a 600m de altitude.
Mohsin é berbere e marroquino. Mas antes disso é pintor. A sua galeria numa pacata e, claro, azul ruela da cidade chama-me a atenção não pelas obras que expõe, mas pelo doce cão que descansa à sua porta – visão rara num país em que só se vê dengosos gatos por toda a parte. Mas as telas não tardam a roubar o protagonismo ao animal que, entretanto, já ocupa o banco em frente à mesa onde poisam o chá que Mohsin me ofereceu. O mesmo acontece a dois espanhóis, fotógrafos, que se revelam extasiados pelo “jogo de luz e sombras” nas visões do deserto que forram as paredes.
Mohsin não tem preços marcados, assim como acontece quase por toda a parte. Mas não há lugar a regateios. “Ou gostas de um dos meus quadros e o queres levar, e então pudemos falar sobre preços. Ou não queres levar nenhum e então não vale a pena falarmos de preços.” Isto não quer dizer que os valores não oscilem. “Quando preciso muito de dinheiro peço menos; quando estou melhor de finanças arrisco preços mais altos… mas queres?”, insiste, como se tivesse percebido que eu não iria sair dali de mãos a abanar. É verdade. Não saí. Já não estou em Chefchaouen há dois dias. Mas na mala trago numa das suas telas o azul da cidade.
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Carla B. Ribeiro e Sérgio Azenha (fotos) viajam a convite do Turismo de Marrocos
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