Chegámos eram 6h da manhã ao aeroporto de Guadalupe, a tempo de ver o sol a nascer e de apanhar a primeira ligação aérea do dia para a Martinica. O “nós” refere um grupo de dez portugueses, todos a viajar pela primeira vez pelas Antilhas francesas.
Resolvemos fazer o check-in formando em fila indiana mas o plano foi sabotado por três “nativos” que romperam sem cerimónias a nossa formação. Eram duas mulheres e um homem, os três negros retintos e a rondar os 60 anos de idade, razoavelmente bem-parecidos e melhor conservados.
Explicamos-lhes aquilo que se percebia logo, ou seja, que estamos juntos, viemos todos do mesmo sítio e, já agora, gostávamos de ficar sentados perto uns dos outros a bordo. Isto dito houve um breve momento de silêncio, uma pequena hesitação que trespassou no semblante dos nossos interlocutores, prontamente emendada pela declaração de que eles também formavam um grupo em excursão, de resto, com os mesmíssimos direitos que os nossos. Estava, portanto, fora de questão cederem a vez aos quatro portugueses que ficaram para trás, separados dos outros por causa deles.
Insistimos, apelámos ao bom senso e à hospitalidade, até percebermos que uma das reformadas aproveitou a confusão para descolar as fitas de separação da bicha e ir-se colocar mesmo à nossa frente. Resistimos, porém, a chamar-lhe nomes, pelo menos em francês. Preferimos fulminá-la com olhares de troça, enquanto a desancámos entre nós em português. Então a madama viajava em grupo quando estava no fim da fila e agora que passou à frente de toda a gente já viaja sozinha?
Aí as coisas azedaram mesmo com os outros dois que continuavam atrás de nós, sobretudo o homem que se saiu com um par de palavras em português enferrujado para nos advertir que seria melhor termos cuidado com a língua, incluindo a nossa que ele dizia perceber. Claro que a “ameaça” ainda nos deu mais vontade de lhe trocar as voltas e ele, já exasperado, acabou por gritar e repetir que visitantes assim é melhor nem saírem de casa e que, sobretudo, nem são bem-vindos à sua terra.
Fiquei a pensar que, se calhar, este é o grande paradoxo das Caraíbas e de mais não sei quantos paraísos de férias actuais em antigos infernos coloniais, onde a maior parte da população é descendente de escravos e trabalha no turismo, eventualmente para bisnetos dos antigos carrascos. Em Guadalupe e na Martinica, talvez por serem francesas, essa complexa e difícil relação deixou de ser recalcada. Mas está longe de estar resolvida, como bem mostra o nosso acidente do check-in.
Este texto e no minimo triste…