Um dos mais prestigiados centros de arte contemporânea do Norte de Itália é a Fundação Sandretto Re Rebaudengo, em Turim. Fica num bairro residencial já um bocado afastado do centro e disseram-me que para lá chegar deveria apanhar o metro e depois o autocarro 55. Foi o que fiz, mas à saída do metro não vi autocarros a circular, nem seque percebi onde ficavam as respectivas paragens.
Perguntei pelo 55 no meu italiano espanholado a dois tipos que passavam. Fumavam imenso, usavam roupas sujas e tinham um bocado pinta de estivadores, mas responderam-me num castelhano perfeito, seguramente muito melhor que o meu. Segui as instruções que me deram, mudei para o outro lado do passeio e cem metros mais à frente dei com a paragem.
Autocarros é que nicles, de modo que voltei a perguntar, desta vez a uma jovem mulher que já estava à espera de transporte, na companhia de uma miúda pequena – que era a cara dela. Em vez de me responder logo em italiano quis saber se eu entendia inglês e com uma pronúncia coloquialmente nova-iorquina informou-me que o intervalo entre os autocarros naquela carreira, a um domingo de manhã, era de doze minutos – o que eu mesmo poderia confirmar consultando o respectivo horário afixado na paragem.
Passados uns sete minutos lá embarcámos no 55, eu pela porta de entrada e elas pela de saída, como também é costume por estas bandas. Fui sentar-me em frente de um velhote simpático com quem não demorei a meter conversa, mas ele só falava italiano. Depois de repetir três vezes e cada uma mais alto que a outra o nome da praça onde deveria apear-me, ele lá decifrou o meu inglês macarrónico e entendeu para onde eu queria ir. Infelizmente o esclarecimento chegou-lhe no preciso momento em que o autocarro arrancou da paragem onde eu deveria sair. Foi nessa altura que senti uma mão forte posar no meu ombro direito e ouvi vinda daquele lado uma voz rouca que me perguntava em francês se eu falava francês. O meu novo interlocutor francófono explicou-me depois como improvisar um atalho para atingir o meu destino, a partir da paragem seguinte.
Tratou-me por tu, assim sem mais nem menos, logo não deveria ser francês. Na verdade era marroquino, de uma aldeia a uns 20 quilómetros de Casablanca. Não pude saber mais, porque o 55 voltou a parar e desta vez eu saí disparado. A Fundação Sandretto Re Rebaudengo exibia “Press Play”, uma exposição sobre a arte e as estratégias de comunicação na idade da globalização. Era por certo muito interessante, mas eu estava demasiado distraído para prestar justiça às obras expostas, depois da minha odisseia no 55. Para quê ver num museu aproximações artísticas a um tema cem vezes melhor retratado “ao vivo” num autocarro urbano? Também fiquei a pensar que Turim deve ser uma das cidades mais multiculturais de Itália.
À noite relatei a experiência a um amigo com quem jantei na cidade que, quando acabei, se limitou a encolher os ombros e a perguntar: “Mas quem estavas à espera de encontrar num transporte público, numa cidade italiana, a meio de um Domingo? Italianos só mesmo se forem os reformados…” Pois, provavelmente, a demografia da carreira 55 de Turim não deve ser muito diferente da dos autocarros que circulam pela Almirante Reis, sobretudo fora das horas de ponta. Mas, lá está, já nem lembro da última vez que apanhei um autocarro, em Lisboa, muito menos a um Domingo.